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CNJ debate a desburocratização do Poder Judiciário em Seminário e institui a rede de desburocratização da Justiça
Projeto trabalhará em três eixos: processos judiciais, administrativos e extrajudicial e terá como objetivo ouvir, de maneira prática, sugestões de medidas eficientes voltadas à simplificação de atos e procedimentos do Poder Judiciário.
Brasília (DF) – O Conselho Nacional de Justiça reuniu, na última quinta-feira (29.11), na sede o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília (DF) representantes dos tribunais de justiça de todo País para debater a Lei Federal nº 13.726/2018, conhecida como a Lei da Desburocratização, durante o “Seminário Desburocratização do Poder Judiciário”.
A abertura oficial do evento foi realizada pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e também contou com participação do corregedor geral, ministro Humberto Martins. Após a inauguração, o Seminário seguiu com painéis que debateram ações para tornar o Poder Judiciário menos burocrático e mais eficiente na prestação de serviços ao cidadão brasileiro.
O conselheiro do CNJ, Fernando Mattos, presidiu o primeiro painel intitulado de “Os custos sociais e econômicos da burocracia no Poder Judiciário” que contou com a presença do ministro do Planejamento, Esteves Pedro Colnago Júnior, e do senador Antonio Anastasia (PSDB/MG).
O ministro do Planejamento apresentou iniciativas do Poder Executivo para ampliar o acesso à informação sobre a Administração Pública, como aplicativos com serviços públicos aos cidadãos e painéis de dados disponíveis no portal do Ministério. Também comentou sobre a recente autorização de permuta para prédios da União.
“Existe um conjunto grande de imóveis da União. Registrados são mais de 650 mil imóveis; sem registro, talvez, o dobro disso, e gastamos R$ 1,4 bilhão de aluguel por ano, enquanto isso temos a miríade de imóveis vazios. É uma medida importante que serve não só para o Poder Executivo, mas também para todos os poderes. É difícil caminhar, mas precisamos insistir nisso”, comentou Colnago Júnior.
Já o senador Anastasia destacou que o cidadão brasileiro, em geral, vê os processos do Poder Judiciário como “excessivamente burocráticos”. O senador também comentou sobre a difícil questão da dispensa do reconhecimento de firma no Documento Único de Transferência de veículos automotores.
“Essa questão dos veículos virou um drama, pois há um temor muito grande de fraudes. Um veículo é um bem de alto valor e que acaba sendo suscetível de uma tributação muito alta, de um custo muito alto. O alerta de que havia um conjunto de pessoas fraudando esse tipo de coisa foi feito, mas acredito que a saída, hoje, é uma informatização muito aguda desses processos”, afirmou. A ausência da confiança encarece o processo. Se conseguirmos colocar a confiança como regra geral, punindo, de maneira exemplar e rápida os que agem de má fé, e dando conhecimento dessa punição, teremos um custo, evidentemente, muito menor. Só que a nossa sociedade desconfia de todos e cria obstáculos para todos. Na questão dos automóveis, se deixarmos, haverá um regramento cada vez maior em razão da ação de poucos que agem de má fé declarada”, afirmou o senador.
Já o conselheiro do CNJ, Fernando Mattos, destacou que o Poder Judiciário sempre lidou com o excesso de trabalho da forma mais simples: mais cargos, mais estrutura, mais pessoal. “Hoje não temos mais esse recurso material, e isso vai exigir que o Poder Judiciário faça uma reinvenção”, ressaltou.
Mattos afirmou que a Lei faz a desburocratização avançar, já que vem dentro de um pacote bastante compreensivo de normas jurídicas que estão preocupadas com o custo da implementação do direito e da burocracia. “A burocracia é muito importante, ou seja, o devido processo legal é muito importante, mas é preciso eliminar exigências que sejam eventualmente desnecessárias”, finalizou.
Impactos da Lei 13.726/2018 no processo judicial
O jurista Luiz Rodrigues Wambier participou do painel “Impactos da Lei 13.726/2018 no processo judicial e pontos de congestionamento a serem trabalhados”. Advogando há 41 anos, ele ressaltou que desburocratizar não é eliminar os procedimentos, pois são eles que garantem o devido processo legal.
“A grande questão é que a carga burocrática que nos assola, faz do meio, que é o procedimento, mais relevante do que o fim, que é a obtenção de uma decisão judicial ou administrativa”, completou Wambier que criticou como o Poder Judiciário se comunica com a população, que, segundo ele, é sempre pela exceção e não pela regra.
O advogado se referia ao fato de o processo atender ao tempo razoável. “Do ponto de vista da eficiência, o processo judicial brasileiro não pode ser criticado pelo tempo que dura em média. Quem o faz, o faz por desinformação ou por má vontade”, completou o jurista.
O excesso de processos ajuizados pela administração pública também foi criticado por Wambier que afirmou que o grande gargalo do processo judicial não está no processo judicial, mas sim na maior usuária, a administração pública.
“Temos questões culturais, pois partimos da cultura da desconfiança, quando, na verdade, a boa fé se presume. Toda medida facilitadora depende de um componente psicológico que a lei não pode nos impor, a boa vontade, e essa boa vontade vem do diálogo. Cultura a lei não muda, mas pode ser um fator indutivo da sua mudança e é nisso que temos que trabalhar”, completou o jurista.
Já o ministro do TST e conselheiro do CNJ, Aloysio Corrêa da Veiga, que presidiu o painel, defendeu uma mudança de paradigma para que a Lei possa prevalecer.
“Há um avanço no Estado, um aperfeiçoamento da nesse cenário. Hoje, ele deseja ser efetivo e atender ao usuário. Não é possível que a formalidade seja tão absoluta que ela possa prevalecer sobre um fato. Se o usuário tem boa fé, ética e lealdade para poder fazer afirmações e não presumir que haja uma ilegalidade naquilo que ele diz, não há motivo para não confiar nele”, afirmou o ministro.
Sobre a aplicabilidade da Lei e a responsabilização do servidor diante de uma fraude não detectada, Veiga esclareceu que a gestão de pessoas hoje é um dos primados do setor público, de um modo geral, e o Poder Público, como um todo, vai continuar investindo na formação continuada do servidor.
“A fraude é um defeito da relação jurídica e como defeito não pode ser regra geral. A não identificação de um ato desse logo de início não é indício de que o servidor esteja agindo de má fé”, completou o ministro.
Impactos na administração judicial
O diretor executivo do Instituto Desburocratizar (iDESB), Daniel Bogéa, foi o primeiro a palestrar no painel “Impactos da Lei 13.726/2018 na administração judicial”, que foi presidido pelo conselheiro do CNJ, André Godinho, e teve a participação do diretor-geral do CNJ, Johaness Eck, e da diretora de Contratos e Patrimônio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), Ana Lucia Negreiros.
Bogéa afirmou que o iDESB tem como objetivo principal fomentar a desburocratização de fora (sociedade) para dentro (Governo) e que os adversários não estão nas pessoas ou instituições, mas sim na “cultura da desconfiança”.
“A lei tem uma importância simbólica muito grande por ser a primeira lei que se aplica de forma inequívoca para todos os níveis do Estado brasileiro. Então, essa é uma lei que usa uma linguagem única para tratar do tema em todas as instâncias, tanto é que viemos aqui discutir o Judiciário, que não é algo habitual nesse tema”, disse. “Além disso, não tem muita coisa de novo, temos algumas ideias interessantes como o selo da desburocratização, mas as obrigações não são muito novas. Temos o decreto de 1979, que já vedava a necessidade do reconhecimento de firma, mas que não deu certo por conta da cultura da desconfiança. A ideia é que com essa lei a desburocratização se torne uma agenda permanente”, disse Bogéa.
Já Ana Lucia Negreiros ressaltou que a inovação tecnológica facilita, mas não é determinante para a desburocratização, pois é apenas um meio. “Mesmo sem tecnologia é possível desburocratizar”, ressaltou a diretora do TJ/SP.
O conselheiro do CNJ, André Godinho, seguiu a mesma linha de raciocínio de Negreiros e destacou que “o diálogo é mais importante que a tecnologia para diminuir os processos burocráticos”.
Já o diretor-geral do CNJ comentou os entraves da contratação de serviços simples, como o fornecimento de materiais de limpeza para algum órgão do Judiciário, onde o edital pode custar o triplo do valor real do serviço ou dos produtos.
“Alguns dispositivos que hoje estão na Lei da Desburocratização já apareciam antes, em forma de decreto. Mas agora, com a força de lei, é esperado que se crie mais estímulos e velocidade na implementação de medidas em busca da desburocratização. A ideia desse processo, coordenado pelo CNJ, é trabalhar com os vários órgãos do Judiciário e também outros órgãos e a sociedade, portanto, os cartórios também estão convidados para participar desse processo”, afirmou Eck.
Foro Extrajudicial
O setor extrajudicial teve um painel dedicado a ele durante o Seminário. O titular do 1º Ofício de Notas do Núcleo Bandeirante/DF e membro da Associação de Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) e do Conselho Fiscal do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, Hércules Alexandre da Costa Benício, e o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional, Alexandre Chini Neto, apresentaram a expertise dos notários e registradores na garantia de segurança jurídica e da prevenção de conflitos. A presidência do painel foi do secretário-geral do CNJ, desembargador Carlos von Adamek.
“A possibilidade que os cartórios têm de ampliarem a sua atividade para colaborar com o Poder Judiciário no desenvolvimento de uma prestação melhor de serviços é fantástica com tudo que vem ocorrendo, como a resolução 125, que criou a política nacional de resolução de conflitos. O Poder Judiciário precisa dos notários e registradores e de toda a articulação pela extensa capilaridade. A função notarial hoje está mais ligada à desjudicialização e à jurisdição voluntária, como os divórcios, inventários e partilhas. Somente essa atividade tirou do Judiciário dois milhões de processos”, disse Alexandre Chini.
Rede de desburocratização da Justiça é articuladaNa reunião de trabalho que encerrou o “Seminário Desburocratização do Poder Judiciário”, os integrantes do CNJ Richard Pae Kim, secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica, e Carl Smith, juiz auxiliar e secretário adjunto da SEP/CNJ, apresentaram a Rede de Desburocratização da Justiça da qual farão parte representantes dos Tribunais de Justiça de todo o País e também do foro extrajudicial. Anunciada por Dias Toffoli, durante a abertura do evento, a Rede tem como objetivo ouvir, de maneira prática, sugestões dos tribunais de medidas eficientes voltadas para a simplificação de atos e procedimentos do Poder Judiciário através das boas ações dos gestores dos tribunais e também novas ideias.
“A SEP, juntamente com o CNJ, vem com a missão de implementar a Lei da Desburocratização em todo o Poder Judiciário”, afirmou Pae Kim. Ainda segundo o secretário especial, a rede trabalhará em três eixos mínimos: processos judiciais, processos administrativos e extrajudicial.
De acordo com o secretário adjunto, Carl Smith, os planos deverão ser apresentados no mês de abril de 2019 durante um encontro que irá começar a definir as melhores práticas a serem implementadas.
Smith ainda garantiu que as associações que representam o setor extrajudicial serão convidadas, assim como as corregedorias dos estados.