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Clipping – Jornal do Comércio – Recuperação de empresas ganha novo fôlego

02-12-2020

Empresas que lutam na Justiça para não fecharem as portas podem respirar um pouco mais aliviadas. Agora, depende apenas da sanção do presidente Jair Bolsonaro para que entrem em vigor as mudanças promovidas na Lei de Falências (Lei 11.101/2005). O Projeto de Lei 4.458/2020, que modifica as regras, foi aprovado pelo Senado na quarta-feira passada (25).

Entre as principais alterações, está aquela que se refere à recuperação extrajudicial instrumento que incentiva a negociação entre devedor e credores. A proposta modifica diversos pontos da Lei 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência empresarial. Na recuperação extrajudicial, devedores e credores tentam entrar em um acordo, sem que seja preciso a intervenção da Justiça.

Já a recuperação judicial conta com a intervenção da Justiça para negociar uma alternativa para a empresa em dificuldades continuar a funcionar. Assim, a recuperação judicial serve para tentar evitar a falência. Na falência, a empresa encerra suas atividades e todos os seus ativos equipamentos, maquinários, edifícios, entre outros são recolhidos pela Justiça e vendidos para o pagamento das dívidas.

Um dos objetivos do PL 4.458/2020 é acelerar a conclusão do processo de falência, que deverá se dar em seis meses. Hoje isso pode levar mais de 10 anos. Isso facilita que o empresário possa, inclusive, voltar a empreender.

O projeto também regulamenta empréstimo para devedor em fase de recuperação judicial. Esse tipo de empréstimo, conhecido como dip financing (debtor in possession financing), implica muitos riscos para o financiador, e por isso poucos bancos aceitam fazê-lo. Na avaliação de representantes do empresariado, esse é um dos pontos altos do projeto.

A regulamentação do dip financing poderá auxiliar o devedor em crise profunda, mas cuja empresa pode ainda ser viável, a obter créditos de última hora, afastando-o da falência. Conforme o texto aprovado, se autorizado pelo juiz, o devedor em recuperação judicial poderá fazer contratos de financiamento para tentar salvar a empresa da falência.

Se a falência for decretada antes da liberação de todo o dinheiro do financiamento, o contrato será rescindido sem multas ou encargos.

Outra mudança é a ampliação das possibilidades de parcelamento de dívidas com a União para a empresa em recuperação judicial. O texto aumenta o número de prestações de 84 para 120 e diminui o valor de cada uma.

A empresa também poderá quitar até 30% da dívida consolidada e dividir o restante em até 84 parcelas. Para pagar essa entrada, será possível usar 25% do prejuízo fiscal e 9%, 17% ou 25%, conforme o tipo de empresa, da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Também será possível dividir em até 24 meses débitos atualmente proibidos de serem parcelados, como os relativos a tributos com retenção na fonte ou de terceiros (imposto de renda do empregado, por exemplo) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Modalidade extrajudicial de recuperação de empresas deve se disseminar no ambiente corporativo do País

A expectativa é grande para que as mudanças na Lei da Falência sejam sancionadas. Com as alterações entrando em vigor, a tendência é que haja uma redução significativa de processos na Justiça. A recuperação extrajudicial, acordo entre empresários e credores sem a necessidade de trâmites no Judiciário, já estava prevista na legislação, mas era muito pouco utilizada.

É que, com a mudança na lei permitirá, também, que uma recuperação judicial seja transformada em extrajudicial, facilitando e acelerando o entendimento entre as partes. Ao contrário da proibição atual de incluir créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na recuperação extrajudicial, o projeto permite essa inclusão se houver negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.

Esse pode ser um passo importante para transformar a cultura do litígio brasileira, estima Juliana. Com grande potencial para desafogar o poder Judiciário, o mecanismo, agora, pode ser adotado com quórum de aprovação de 50%. Anteriormente, era exigida a validação de 60% dos credores.

Para a contadora Daniela Lemos Abel, a principal mudança é a garantia de que, quando for firmado um acordo de recuperação extrajudicial, poderá ser suspenso o prazo das execuções das dívidas, o que não é possível atualmente.

“Isso tudo tornará o processo de recuperação extrajudicial mais seguro e menos custoso para todos os envolvidos”, projeta Daniela.

Juliana destaca que os avanços são cruciais para a consolidação de ambientes menos litigiosos de renegociação de dívidas. “Pela minha experiência, o caminho da recuperação extrajudicial deve ser sempre o Plano A de um projeto”, diz.

De acordo com ela, as mudanças introduzidas, essa tendência se consolida e o instrumento sai fortalecido. A melhora no ambiente de negócios é nítida. Com isso, toda a sociedade ganha”, ressalta Juliana.

Ainda dentre as novidades, destacam-se o novo sistema de pré-insolvência empresarial, no qual estão contempladas regras claras para consolidação substancial de grupos empresariais. O objetivo desses artigos é o de acelerar a falência e insolvência transnacional, entre outros.

A aceleração do processo de falência é vista por especialistas como fundamental para a melhoria do ambiente de negócios brasileiro. “Hoje, a situação é muito grave. Leva entre 10 e 15 anos para conseguir decretar falência. O empreendedor vira um pária”, diz Juliana Biolchi.

Garantia de acesso ao crédito ganha destaque na nova legislação

Considerada um marco para a modernização do ambiente de negócios brasileiro, a Lei 11.101//2005 está em vigor há 15 anos, porém, esse tempo todo não foi suficiente para a pacificação jurisprudencial de muitos dilemas sensíveis ao soerguimento e ao encerramento de empresas no País. As mudanças trazidas pelo 4.458/2020 são, portanto, comemoradas por especialistas e empresários.

O presidente do Grupo de Líderes Empresariais do Rio Grande do Sul (Lide/RS), Eduardo Fernandez, acredita que a nova lei é benéfica para os empresários e destaca a promoção do uso do chamado DIP Financing como um dos grandes avanços. O debtor-in-possession é uma modalidade de novo financiamento para uma empresa que está em processo de recuperação judicial, ou seja, que já possui um plano aprovado ou em discussão por seus credores para o pagamento de suas dívidas.

Para Fernandez, impulsionar sua utilização irá facilitar o acesso ao crédito e agilizar os processos de recuperação e/ou liquidação das empresas que estiverem em dificuldade. “Ela também vai ampliar as garantias para os investidores que financiarem estas empresas, o que irá impactar positivamente na retomada econômica”, salienta Fernandez.

Para o presidente do Lide/RS, a Lei torna-se ainda mais necessária neste ano atípico devido à pandemia, com baixo crescimento, o que levou as empresas a enfrentarem sérios problemas. “Agora, este instrumento, mais acessível e fácil de ser utilizado, traz esperança para muitos que não viam como enfrentar este momento”, complementa.

O sócio fundador da Martins, Rillo Advogados e presidente da Comissão de Falências e Recuperação Judicial da OAB/RS, Roberto Martins, concorda que podem ser esperados inúmeros impactos positivos no ambiente empresarial e de tratamento da crise nas empresas brasileiras. Para Martins, as alterações apresentadas chancelaram a jurisprudência dos tribunais nos últimos 15 anos sobre a matéria, incluindo no texto legal o que judiciário já vinha acolhendo.

Além de dar maior segurança ao investidor para o financiamento das empresas em crise, o advogado ressalta que, ainda que pareça paradoxal, dar mais agilidade ao processo de falência pode contribuir com o empreendedorismo. Isso, segundo Martins, acarretará no retorno do empresário falido mais rápido para o mercado, impulsionando o chamado fresh start.

Busca de grupos por solução conjunta é avanço, diz especialista

Dentre os diversos pontos e temas prestes a serem alterados na Lei de Falências, chama atenção o esforço para atribuir maior celeridade e, concomitantemente, reduzir a burocracia dos processos ressurrecionais e falimentares. Nessa linha, é de extrema relevância a regulamentação da recuperação judicial de grupos econômicos, destaca a advogada do escritório Feijó Lopes, Paula Cirne Lima.

A legislação em vigor não previa expressamente a possibilidade de diversas empresas ajuizarem, em conjunto, ações de recuperação judicial – “mas a doutrina e a jurisprudência o autorizavam”, pontua. Ela recorda que o STJ já havia enfrentado o tema e concluído pela possibilidade de litisconsórcio ativo no processo de recuperação judicial (Recurso Especial n. 1.665.042/RS). Contudo, até então não havia entendimento jurisprudencial ou doutrinário sobre a necessidade ou não de apresentação de planos individuais para cada empresa.

Em regra, as empresas de um mesmo grupo econômico apresentavam plano único, com lista única de credores, o que era admitido e pouco questionado pelos tribunais. “Isso era extremamente prejudicial para alguns credores, principalmente financiadores que haviam emprestado recursos para empresa sólida e sadia, mas acabavam sujeitando-se ao patrimônio de outras empresas em situação calamitosa”, revela a especialista.

O Projeto de Lei resolveu esse problema ao instituir e diferenciar a “consolidação processual” e a “consolidação substancial”, explica Paula. A primeira autoriza o litisconsórcio ativo na recuperação judicial, mas exige lista de credores, plano de recuperação e assembleia geral individuais. Já a segunda opção autoriza a unificação do procedimento. “O PL resolveu uma importante lacuna do direito falimentar, ao proteger credores que haviam auditado seus devedores antes da realização de negócios, mas acabavam prejudicados pela imposição de um plano único para todo o grupo econômico”, sustenta.

Fonte: Jornal do Comércio