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Clipping – Huff Post Brasil – As conquistas e a visibilidade que as pessoas transexuais alcançaram em 2018
“Todas as nossas pautas são urgentes”, afirma Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
O ano de 2018 foi marcado por importantes avanços para garantir a cidadania e os direitos de pessoas transexuais no Brasil. Entre os principais marcos estão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer o direito a alteração do gênero e prenome sem a necessidade de autorização judicial ou cirurgia de readequação sexual, a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a presença e vitória de mulheres trans na corrida eleitoral, fortalecida pela decisão do TSE de permitir o uso do nome social para candidatos e eleitores transgênero.
As conquistas ainda contrastam com a violência e pela exclusão vivenciada por boa parte da população trans no País. Segundo levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), 148 travestis, mulheres transexuais e homens trans foram mortos de janeiro a dezembro de 2018.
O Brasil se mantém no posto de País que mais mata transexuais do mundo, segundo levantamento da ONG Transgender Europe. Ao todo, o país já responde por 1.238 dos 2.982 casos contabilizados pela organização desde 2008, equivalente a 46,1% dos assassinatos registrados nos 72 países analisados.
“Todas as nossas pautas são urgentes” – Keila Simpson, presidente da Antra
O ano de 2019 começa com a expectativa do julgamento da criminalização da LGBTfobiapelo STF, em fevereiro, mas com temores de possíveis retrocessos no governo de do presidente eleito Jair Bolsonaro. “Não temos nenhum prognóstico de que teremos um período tranquilo com esse governo que vai iniciar em janeiro, então todas as nossas pautas são urgentes”, afirma a ativista Keila Simpson, presidente da Antra.
“Enquanto a gente tiver exclusão, estigmatização e violência contra a população LGBT, especificamente contra a população trans, a gente vai estar atuando. Todas as bandeiras são importantes, considerando que a população trans não tem nenhuma legislação para garantir seus direitos”, completa, fazendo referência ao fato de que direitos como o à mudança de nome e gênero, por exemplo, foram assegurados por decisões judiciais, e não por leis aprovadas pelo Congresso Nacional.
Uma proposta de Lei de Identidade de Gênero tramita desde 2013 no Câmara dos Deputados. Proposto pelos deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF), o PL 5.002/13 foi batizado de Lei João W. Nery, em homenagem ao ativista, psicólogo e escritor, considerado o 1º homem trans a ser operado no Brasil. Nery morreu em outubro deste ano, aos 68 anos, vítima de um câncer de pulmão.
Em março, o Supremo decidiu que pessoas transgênero podem alterar o nome e gênero no registro civil sem a necessidade de autorização judicial, laudo médico ou cirurgia de readequação sexual. Na decisão, proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, a maioria dos ministros invocou o princípio da dignidade humana para assegurar o direito à adequação das informações de identificação civil à identidade autopercebida pelas pessoas trans.
A decisão do STF foi muito importante, porque funcionou como uma ‘Lei de Identidade de Gênero’. – Leonardo Tenório, coordenador da AHTM
Em junho, o Conselho Nacional de Justiça publicou as regras para que a mudança na certidão de nascimento ou casamento pudesse ser feita diretamente nos cartórios de todo o Brasil. Desde então, pessoas maiores de 18 anos podem requerer a alteração desses dados, desde que tenham capacidade de expressar sua vontade de forma inequívoca e livre.
Alguns estados se anteciparam a regulação do CNJ e já haviam editado regras para os seus cartórios, entre eles São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Norte, Pará, Pernambuco, Sergipe, Ceará e Maranhão.
Em SP, a mudança de nome e gênero foi padronizada em maio. Desde aquele mês até o início de novembro, 1.160 pessoas trans alteraram seus registros no estado, segundo dados levantados pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) a pedido do HuffPost Brasil.
“A decisão do STF foi muito importante, porque funcionou como uma ‘Lei de Identidade de Gênero’, como são chamadas as leis que garantem direitos às pessoas trans no mundo todo”, avalia Leonardo Tenório, coordenador da Associação de Homens Trans & Transmasculinidades (AHTM) de Pernambuco.
O ativista aguardava a autorização da Justiça para alterar seu nome no registro civil havia três anos. Para ele, as decisões do Supremo e do CNJ influenciaram na sentença favorável proferida neste ano pela vara judicial onde tramitava a sua ação.
Ser trans não é ser doente mental
Em junho, a Organização Mundial da Saúde, acompanhando a luta do movimento pela despatologização das identidades trans, retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Com a atualização, a transexualidade passou a integrar um novo capítulo na CID, intitulado “condições relacionadas à saúde sexual”, como “incongruência de gênero”. “Nós deixamos de ser considerados portadores de transtorno. Mas ainda consta lá uma categoria para a gente ter acesso à saúde pública e privada”, afirma Tenório.
O ativista lembra, no entanto, que no Brasil, ainda falta o Conselho Federal de Medicina (CFM) atualizar a resolução que regulamenta o atendimento às pessoas trans de acordo com a CID-11 da OMS. A última atualização da resolução do conselho é de 2010 e ainda define a pessoa trans como portadora de “de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”.
Em nota enviada à reportagem em junho, o CFM afirmou que analisava o tema, mas que até aquele momento, não havia “qualquer deliberação sobre esse assunto específico”. Procurado novamente em dezembro, o Conselho não respondeu.
A representatividade nas eleições de 2018
Levantamento da Antra compilou 53 candidaturas de travestis e mulheres transexuais nestas eleições. De acordo com o TSE, 27 candidatos e candidatas trans solicitaram a utilização do nome social nas urnas, conforme decisão do tribunal proferida em março.
A Justiça Eleitoral permitiu que candidatos travestis e transgênero utilizassem o nome social para se identificar nas urnas e assegurou que fosse considerado o gênero e não o sexo biológico para a cota prevista na Lei das Eleições, determinando que mulheres trans fossem beneficiadas pela cota determinada às candidatas do gênero feminino. O uso do nome social foi estendido aos eleitores e 6.280 fizeram a alteração no título de eleitor e estavam aptos para votar em outubro, segundo dados do TSE.
“É preciso estar lá para fazer política por nós e para nós”. Robeyoncé Lima
As urnas trouxeram resultados positivos: Erica Malunguinho será a primeira deputada estadual transgênero da história e ocupará uma cadeira da Assembleia Legislativa de São Paulo e Erika Hilton e Robeyoncé Lima integram os primeiros mandatos coletivos eleitos para as casas legislativas estaduais, em São Paulo e Pernambuco, respectivamente.
“As eleições traçaram um panorama muito importante e positivo para a nossa população, dado o número de candidaturas que a gente teve e as pessoas que foram eleitas e também traçam um horizonte para as próxima eleições municipais”, avalia Keila Simpson, da Antra.
“Se a gente não tiver lá dentro, fazendo política e fazendo articulações para as pautas feministas e LGBTs, a política que está posta hoje em dia não vai fazer nada pela gente. É preciso estar lá para fazer política por nós e para nós”, disse Robeyoncé Lima ao HuffPost Brasil em entrevista após as eleições.
Fonte: Huff Post Brasil