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Clipping – A Cidade On – Aos 76 anos, Dora realiza sonho e deixa de se chamar Sergio
Ela foi uma das beneficiadas por serviço de mudança de nome e gênero agora oferecido pelos cartórios
Apresentar o documento de identidade durante uma compra ou uma viagem parece uma tarefa simples. Para Sergio Ferreira Rocha, de 76 anos, nunca foi. Durante toda sua vida ele não se via um homem e, sim, uma mulher. Passava sempre por constrangimentos. Há 10 dias, no entanto, Sergio não existe mais. Deu lugar à vaidosa Dora Ferreira Rocha, que agora pode mostrar com orgulho o seu novo RG.
No final de maio, a Corregedoria Nacional de Justiça regulamentou a mudança de nome e gênero para transexuais diretamente nos cartórios, sem que seja necessário apresentar provas de mudança de sexo ou acionar a Justiça. Desde então, em Campinas, foram 37 pedidos feitos.
Apesar do longo caminho da mudança da lei no Brasil, Dora comemora essa conquista. “Eu nunca deixei por menos. Teria trocado minha documentação mesmo que fosse no último dia da minha vida. O padre agora vai dizer: descanse em paz, Dora!”
Assim que ficou sabendo que poderia trocar a identidade no cartório de Campinas, a aposentada ligou e recebeu a informação que o documento demoraria de 10 a 15 dias para ficar pronto.
Sem paciência e ansiosa pela mudança, ela fez contato com o cartório de Resende (RJ), cidade onde nasceu, e descobriu que poderia pegar o documento no mesmo dia. Comprou a passagem de ônibus. Embarcou à noite e chegou de madrugada. Separou todos os documentos. Achou um absurdo a quantidade de exigências. Mesmo assim, fez questão de levar um por um, até alguns não solicitados.
“O moço do cartório me disse que estava mais nervoso do que eu. E que eu era a primeira a fazer a documentação lá. Mas pedem muita coisa, viu? Até carteira de reservista. Achei uma burocracia sem fim. Fui na Junta Militar, contei a minha história e eles me ajudaram.”
CONQUISTAS
Dora nunca foi menino. Aos 2 anos, conta, ela já sabia qual era o seu gênero. Afastava tudo o que era do mundo dos meninos e usava as camisolas feitas pela mãe. “Já o meu pai me empurrava para o futebol. Imagine, naquela época, na década de 40, isso era um absurdo. Minha família teve muita dificuldade em aceitar. Alguns nunca aceitaram. Sofri muito preconceito e quer saber o que é pior? Sofro até hoje”, disse.
A SEREIA E O JACARÉ
Na adolescência, Dora também passou por momentos complicados na escola. Foi do terceiro para o quarto ano que ela resolveu dar um jeito na situação. Conta que se impôs e conquistou o respeito dos colegas. Também era ótima aluna e sempre acumulava notas muito altas. Como ela ia para a escola? Que roupa usava? “Meio sereia, meio jacaré. Era assim que minha mãe dizia.”
HISTÓRIA
A aposentada vive há 40 anos em Campinas. Trabalhou 10 anos em uma multinacional como gerente de recursos humanos. Foi nessa época que ela assumiu sua verdadeira identidade. “Foi um susto para muita gente. Meu chefe me disse: não importa a roupa que você usa. O que importa é a sua competência”.
Após se aposentar, passou duas temporadas na Itália e uma na França. Dora é casada, gosta de cuidar dos amigos, dos vizinhos e leva a vida sempre com otimismo. Conheceu o marido há 40 anos, no metrô em São Paulo. Com uma identidade novinha em folha, ela agora planeja novas aventuras. Não quer parar de viajar. Já decidiu que o seu próximo destino será a Índia. Seja lá ou em outros caminhos, uma certeza: nunca mais sofrerá o constrangimento de portar um documento masculino.
Fonte: A Cidade On