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Cessão de créditos trabalhistas a terceiros e a empregado falecido

12-02-2016

Aparecida Tokumi Hashimoto

1. Cessão de crédito
Uma das formas de transmissão das obrigações é a cessão de crédito, regulamentada nos artigos 286 e seguintes do Código Civil de 2002.

Dispõe o artigo 286, do Código Civil que:

“O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser à natureza da obrigação, à lei ou à convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.

Segundo Maria Helena Diniz, no Código Civil Anotado, “a cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independentemente do consenso do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional(Resolução 1.962/92; RT, 430:156 e 644:154)“.

No plano do direito material, o terceiro é aquele que “não participa do negócio jurídico, para quem a relação é absolutamente alheia”(Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, volume II, Editora Atlas, 2005, p. 519).

No plano do direito processual, terceiro é todo aquele que não é parte no processo pendente. Quando uma das partes do processo falece, dá-se a sua substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, independentemente de consentimento da parte contrária, conforme se vê do disposto no artigo 43, do Código de Processo Civil: “Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no artigo265″.

Já quando há a cessão de crédito durante o curso de uma reclamação trabalhista, a substituição do cedente-empregado pelo cessionário-terceiro no pólo ativo da demanda só se dá se a parte contrária consentir, consoante artigo 42, parágrafo 1º, do CPC: “O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária”. Isso porque, conforme preceitua o artigo 42 do CPC, “a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

2. Tratamento dado pela Lei de Recuperação de Empresas e Falência em relação ao crédito trabalhista cedido a terceiro
De acordo com o artigo 83, I, da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência), o crédito trabalhista continua sendo preferencial, no que tange ao limite de até 150 salários mínimos, sendo que o saldo do crédito que exceder o limite estabelecido no inciso I do caput do referido artigo é considerado crédito quirografário, consoante inciso VI, letra “c”.

Por sua vez, o § 4º, alínea “b”, do inciso VIII, do artigo 83, da mesma lei dispõe que “os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários”.

Significa que a cessão do crédito trabalhista a terceiro retira seu privilégio, tornando-o quirografário, o que foi estabelecido pelo legislador para afastar eventuais oportunistas que fazem propostas aviltantes a credores empregados necessitados do recebimento do crédito.

Veja, a propósito, os comentários de Carlos Henrique Abrão (in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenadores: Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão, Ed. Saraiva, 2005, pág.215):

“A cessão do crédito trabalhista retira seu privilégio e o torna comum, na qualidade de quirografário, sem a perspectiva de recebimento prioritário. A cessão tanto onerosa como gratuita repercute no título, ainda que judicial, por não mais ser considerado preferencial.

Na sua essência, a regra visa evitar a compra ou cessão de créditos em mãos de terceiros que contariam com as mesmas regalias do credor originário.

Cedido o crédito trabalhista, o cessionário será incluído como quirografário sem ressalvas, na condição de credor comum”.

3. Crédito trabalhista de empregado falecido (sucessão causa mortis)
Na cessão de crédito, a sucessão se dá a título particular por ato entre vivos. Nessa hipótese, o terceiro assume a posição do contratante anterior (credor ou devedor).

Já na sucessão causa mortis, o herdeiro sucede o de cujus em direitos e obrigações, portanto, a transmissão do crédito trabalhista (direito) do empregado falecido se dá por via hereditária.

Quando a sucessão no contrato se dá a título universal, por causa mortis, o herdeiro ingressa na relação contratual, substituindo o de cujus, como parte no negócio jurídico e não como terceiro propriamente dito.

Nesse sentido, a lição de Sílvio de Salvo Venosa ensina:

“Existem sucessores que tomam o lugar das partes no contrato, sem que dele tenham participado. Os sucessores a título universal, basicamente decorrentes da sucessão causa mortis, acabam envolvidos pelo contrato, tanto como credores quanto como devedores. O crédito é bem economicamente apreciável que integra o patrimônio do morto. O herdeiro sucede o de cujus nesse valor positivo, assim como responderá pelas dívidas do falecido, até as forças da herança. A transmissão das obrigações por via hereditária é fator de segurança social. Seria estabelecida total incerteza caso as obrigações em geral simplesmente se extinguissem com a morte de seus titulares.

Os sucessores mortis causa são continuadores do patrimônio do morto. Extinguem-se apenas as obrigações personalíssimas. Enquanto não se faz a partilha, o espólio materializa a massa de bens do falecido. Como já examinamos, o espólio é uma massa patrimonial que permanece coesa até a atribuição dos quinhões hereditários aos herdeiros.

Do ponto de vista passivo, a herança deve bastar-se a si mesma para atender às responsabilidades do espólio. O herdeiro tem o ônus de fazer inventário exatamente para que não se confunda seu patrimônio com o patrimônio hereditário. O Código Civil menciona no artigo 1.997 (antigo, artigo 1.796) que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido. Responde cada herdeiro na proporção de seus quinhões. A herança, entre nós, sempre é recebida sob benefício de inventário, o que não impede o herdeiro de suceder o de cujus em direitos e obrigações.

No contrato, também existe a sucessão a título particular por ato entre vivos. Vimos que créditos e débitos podem ser transferidos, assim como a própria posição contratual (ver capítulo 7). Nessas hipóteses, terceiros assumem posição de contratantes anteriores. O comprador recebe a coisa do vendedor e é um sucessor de sua posse.

No entanto, nessas situações de sucessão no contrato aqui mencionadas não existem propriamente efeitos de contratos com relação a terceiros, porque esses novos integrantes ingressam na relação contratual e substituem os predecessores, integrando-se como parte no negócio jurídico. Não fogem eles ao conceito de parte nessa relação jurídica de direito material”.

Em outras palavras: o herdeiro, que passa a ocupar a posição de credor do crédito trabalhista do empregado falecido, o faz na qualidade de sucessor mortis causa e, portanto, é considerado parte na relação jurídica de direito material e não um terceiro.

Assim, ent
endemos que a ressalva feita no parágrafo 4º, alínea “b”, do inciso VIII, do artigo 83, da Lei 11.101/05, segundo o qual os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários, não abrange os casos de sucessão causa mortis em que o herdeiro sucede no direito ao crédito trabalhista em razão do falecimento do empregado.

O fato de o credor empregado ter falecido não transmuda a natureza do seu crédito quando transmitido aos seus sucessores, porque continua sendo derivado da legislação do trabalho, de onde se originou. E nos termos do artigo 83, I, da Lei 11.101/05, todo crédito derivado da legislação do trabalho, até o limite de 150 salários mínimos, é privilegiado. Esse privilégio só é retirado do crédito trabalhista quando é objeto de cessão a terceiro em ato inter vivos.

Por fim, cumpre destacar que a herança pode ser objeto de cessão, gratuita ou onerosa, e consiste na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo quinhão hereditário ou de parte dele, após a abertura da sucessão (artigo 1.793 e seguintes do Código Civil de 2002).