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As repercussões da LGPD nos serviços extrajudiciais

09-12-2020

Último dia de debates do curso promovido pela CGJ-SP e EPM apresentou os impactos da norma nos atos praticados pelas serventias

Promovido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP), em parceria com a Escola Paulista da Magistratura (EPM), o último dia do curso “As repercussões da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nos serviços extrajudiciais de Notas e de Registros e o Provimento nº 23/2020” apresentou a aplicação das normativas em cada especialidade extrajudicial. O evento aconteceu nos dias 3 e 4 de dezembro, e foi transmitido por meio da plataforma Sige da EPM.

RTD e RCPJ

O 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, Ivan Jacopetti do Lago, e sua exposição, apresentou o tema “A LGPD e o Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica”. Ele destacou que ambas as normativas interferem de maneira diferente em cada especialidade extrajudicial.  “Os registros públicos, por exemplo, têm a característica de dar publicidade aos atos. No Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ), se eu tenho a pessoa jurídica, também tenho a pessoa física, responsável pela representação dessa PJ. Já no RTD, há situações em que eu tenho previamente conhecimento do ato”.

Segundo ele, por essas razões, é importante entender que proteção de dados é diferente de sigilo e vem para modular a publicidade desses atos. Lago continuou sua explicação enfatizando que o cidadão pode ter direito às informações constantes em um livro na serventia, mas não ao livro de registros. “A ideia de dado pessoal é muito mais abrangente do que parece. É qualquer informação sobre a pessoa natural que exista e possa ser identificada ou identificável. E os dados sensíveis, segundo a Lei, envolvem também raça, cor, orientação sexual, filiação política e religiosa. O RCPJ está recheado de informações assim e o RTD também pode estar”.

Ele lembrou, ainda, que todo o processo dentro do cartório, desde o lançamento do protocolo a digitalização, é considerado tratamento de dados pessoais. Pontou que mesmo registros de arquivamento histórico, como cartas, receitas, histórias e ideias, podem conter dados sensíveis. Já em relação ao registro de pessoa jurídica, o oficial ressaltou que, a maioria dos documentos de PJ levados ao registro, potencialmente terão algum dado sensível.

A juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, Tânia Mara Ahualli, aproveitou a oportunidade para lembrar de uma decisão, há cerca de 20 anos, que negou a disponibilização do registro do Sindicato das Meretrizes de São Paulo, com a fundamentação muito parecida à LGPD, de não exposição das participantes.

RCPN

Contextualizando o surgimento do Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Jacareí, Marcelo Salaroli de Oliveira, lembrou que a especialidade foi criada para se diferir do registro religioso e que, historicamente, faz o tratamento de dados pessoais. Mas precisará, dentro da legalidade, se adaptar ao modelo de trabalho. “Não há dúvidas de que as normas registrais não foram revogadas, mas poderá surgir um novo vetor de interpretação da lei”, ponderou, destacando que a LGPD não impõe tratamentos, apenas regula a forma como são feitos.

Ele continuou citando que a cópia de documentos arquivados não poderá ser fornecida a qualquer pessoa. Sobre buscas solicitadas por e-mail, Oliveira salientou que não houve mudança na forma de expedição de certidões e que, por isso, a solicitação de busca não precisa ser precedida de identificação.

Ao final, ponderou que apesar da situação parecer complicada no início, o modelo de trabalho não mudou, e que a LGPD está de acordo com a Lei dos Registros Públicos. As adaptações serão necessárias apenas para garantir a atuação da forma correta, dentro da legalidade.

Protesto

O juiz substituto em Segundo Grau do TJSP, Antonio Carlos Alves Braga Júnior, destacou que, no mundo conectado em que vivemos, qualquer mínima informação, desde ferramentas de pesquisa à publicação de fotos em redes sociais, pode levar a dados sensíveis. Na oportunidade, ele apresentou um estudo realizado por meio de curtidas no Facebook que, mesmo sem a identificação dos participantes, levou a dados sensíveis, segundo ele.

Ainda em relação à transformação digital pela qual estamos passando, Braga comentou que no futuro, centrais de informações deverão ser unificadas e cada vez mais visadas por hackers. “É tempo de pensar muito seriamente, diante dessas novas ameaças que surgiram nos últimos meses, porque quanto mais valioso o banco de dados, maior a ameaça e a capacidade do interessado nos dados”.

Em relação ao Protesto de Letras e Títulos, ele citou que os protestos de dívidas publicizados não podem ser passíveis de sanções, pois é uma atividade inerente da área. “Uma coisa que a Lei quer impedir é uso indevido desses dados, ou seja, vender utilizar esses dados. Como por exemplo, a utilização de dados por meio do Serasa. Em uma grande cidade, você não tem mais lista telefônica, então, esse era um meio de encontrar o devedor”.

Notas

O desembargador Luis Paulo Aliende Ribeiro pontuou que a atividade fim do tabelião é proteger o documento e que a LGPD não vem para interferir ou restringir essa atividade. “A impressão que eu tive é que o cuidado maior não vai se dar com a atividade fim, mas com todos as declarações e documentos que ele precisa para realizar os atos notariais”.

De acordo com ele, os tabelionatos poderão ter mais dificuldades no tratamento dos dados porque chegam às serventias com métodos menos formais. Mesmo assim, ele destacou que antes das normativas, as serventias já tratavam os dados pessoais com algumas restrições de sigilo e segredo profissional. “Parece que o maior problema vai ser estruturar as atividades de trabalho para que o fluxo de pequenas informações que entram lá, não possa ser cedido, invadido ou transferido. Mesmo por um descuido do ou falta de orientação dos funcionários”.

RI

Último palestrante do curso, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Juliano Maranhão destacou que os atos registrais de referem a situações jurídicas concretas, sejam para constituir direitos ou comprovar relações jurídicas. Atos que, por si só, necessitam de publicidade para a garantia da eficácia, e que o conhecimento da informação é reflexo dessa atividade, de constituir fatos jurídicos.  “Quando falamos de proteção de dados, não estamos falando de segurança da informação, mas de proteção do indivíduo, diante das inferências que podem ser extraídas desses dados para uma série de finalidades, que podem ser nocivas”.

Maranhão concluiu sua apresentação destacando que a publicidade registral não possui relação com a divulgação da informação, e que a proteção de dados não tem relação com a não exposição da informação. O foco é a maneira de utilização desses dados sensíveis, que podem ou não levar à identificação do cidadão.

Fonte: Assessoria de Imprensa