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Artigo – A vitória da legalidade – Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Não se pode admitir que o casamento, repleto de formalidades em sua realização, fosse desfeito numa penada unilateral e meramente cartorária
A Corregedoria Nacional de Justiça decidiu revogar os divórcios impositivos feitos com base nos Provimentos Estaduais de Pernambuco e do Maranhão que criaram o “divórcio impositivo”. Segundo a Recomendação número 36, publicada nesta sexta (31), os tribunais de justiça estaduais e do Distrito Federal devem se abster de editar atos regulamentando a averbação de divórcio extrajudicial por declaração unilateral.
O pedido de Providências à Corregedoria Nacional foi feito pela Adfas (Associação de Direito de Família e das Sucessões), no qual foi apontada a ilegalidade daqueles Provimentos.
Ao tentarem “inovar” a maneira como se realiza o divórcio no Brasil, instituindo o “divórcio impositivo” as corregedorias gerais de Pernambuco e do Maranhão extrapolaram os limites de suas competências, legislando, como se, por um passe de mágica, se transformassem em Poder Legislativo. E, com outra varinha mágica, pretenderam transformar os cartórios de registro civil em Poder Judiciário.
Essas corregedorias pretenderam criar um novo procedimento de divórcio, ilegal e altamente perigoso, que desestabilizaria a principal função do direito, que é organização da sociedade em prol da segurança jurídica.
Segundo esses provimentos 06/2019 (PE) e 25/2019 (MA), quem fosse casado, depois de uma discussão em casa, nada mais comum nas relações conjugais, poderia ir correndo ao cartório e requerer ao oficial do registro civil que averbasse o divórcio em sua certidão de casamento. Daí poderia voltar para sua casa e surpreender o seu cônjuge com a notícia enviada pelo cartório de que estariam divorciados. Para isso, bastaria que estivesse acompanhado de advogado, não tivesse filhos menores, incapazes ou que a mulher não estivesse grávida.
Esses provimentos queriam banalizar o casamento, sob um manto negro de uma inexistente autonomia da vontade, como se pudesse prevalecer a individualidade numa relação a dois.
O paradoxo evidente, como se a liberdade não tivesse limites na relação familiar, e pior, com citação da Constituição Federal como fundamento nesses provimentos, foi observado pelo CNJ, em decisão de 30 de maio, que determina a revogação de divórcios impositivos.
A Constituição Federal não regulamenta as formas de dissolução do casamento, não é este o seu papel. A separação e o divórcio estão regulados pelas leis infraconstitucionais.
O divórcio, na conformidade dessas leis, pode ser requerido unilateralmente a um juiz de direito, sendo o Poder Judiciário que o decreta e não um órgão meramente registral. E, se houver acordo entre os cônjuges, não havendo filhos incapazes ou gravidez, o divórcio pode ser realizado perante um Tabelionato de Notas.
Não se poderia admitir que o casamento, repleto de formalidades em sua realização, fosse desfeito numa penada unilateral e meramente cartorária.
A lei não autoriza o registrador civil a averbar o divórcio a pedido de um dos cônjuges, ou mesmo a pedido de ambos. Aliás não cabe ao registrador averbar uma vontade, seja ela qual for, mesmo que fosse impositiva ou potestativa, o Cartório de Registro Civil somente pode averbar o ato que a formalizou, ou seja, a decisão judicial de divórcio por pedido unilateral ou conjunto ou a escritura pública lavrada em Tabelionato de Notas de divórcio consensual.
Esses provimentos pretendiam transformar o casamento em um mero contrato de consumo. Aliás, menos do que isto, porque quando há defeito na mercadoria, o Código de Defesa do Consumidor dá chance ao fornecedor de serviços ou de produtos de se defender.
Onde queriam chegar? Transformar o casamento num nada jurídico?
Qualquer que fosse a intenção, não prosperou.
Venceu a legalidade!
Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente Nacional da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS)
Fonte: Folha de S. Paulo