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Artigo – Usucapião extrajudicial sai do papel – por Luciana Freitas
Os parâmetros para a usucapião extrajudicial foram definidos pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Provimento 65, editado em 14 de dezembro de 2017 e aprovado no último dia 10 de maio, pelo CNJ, regulamenta a realização da usucapião em cartórios. Isso tornará muito mais célere o processo, cuja tramitação judicial para os casos menos complexos chega, hoje, a três anos. Trata-se de uma medida simples, mas cujos reflexos positivos, por todo o país, não devem ser subestimados. Ainda mais em um contexto social de histórico déficit habitacional que se soma à atual crise econômica e à descrença generalizada da população nas instituições governamentais.
A usucapião extrajudicial foi criada pela Lei 11.977/09, com modificações pela Lei 12.424/11, que dispunham, entre outros, sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Já alterada também por essas leis, a Lei de Registro Públicos (Lei 6.015/73) também foi modificada pelo Código de Processo Civil de 2015, que nela incluiu o art. 216-A. Assim, consolidou-se a usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto, nove anos após sua primeira previsão legal, tal procedimento ainda não possuía efetividade. Até porque o CPC exigia, para resolver os casos nos Registros de Imóveis, que constasse concordância expressa do proprietário com nome na matrícula do imóvel, de todos os vizinhos e das instituições financeiras, na hipótese de os imóveis vizinhos serem financiados. De acordo com a lei, o silêncio era interpretado como discordância ao procedimento.
Faltava regulamentar a usucapião extrajudicial para que os Registros de Imóveis pudessem passar a realizar esse tipo de processo
Ora, pedidos de usucapião costumam ser feitos muito tempo depois da ocupação e é muito raro encontrar quem conheça os proprietários que constam das matrículas.
O caminho para solução do impasse começou a ser aberto, afinal, com a Lei 13.465/17. A partir de então, se o autor do pedido não tiver a anuência prévia do titular da matrícula, o cartório fará a intimação. E caso não consiga provocar a manifestação do titular nem por meio de editais publicados em jornais locais de grande circulação, o silêncio será considerado como concordância e o imóvel ficará liberado para receber nova matrícula.
Assim, faltava apenas regulamentar a usucapião extrajudicial para que os Registros de Imóveis pudessem passar a realizar esse tipo de processo. Foi o que o CNJ fez. Segundo o Provimento 65, para acessar essa nova via de solução de conflitos é necessário um requerimento assinado por advogado ou defensor público preenchendo os requisitos do art. 319 do CPC, com: (1) indicação da modalidade da usucapião, se extraordinário, ordinário, rural ou especial urbana; (2) especificação da origem e características da posse; (3) informação da existência de benfeitorias, edificação e o número da matrícula ou transcrição do imóvel; e (4) valor atribuído ao bem usucapiendo.
Tal requerimento deverá ser apresentado ao Registro de Imóveis instruído com ata notarial lavrada por Cartório de Notas. Esse documento precisa atestar a descrição do imóvel, o tempo e características da posse, a forma de aquisição da posse, a modalidade da usucapião pretendida, o número de imóveis atingidos pelo pedido de usucapião e o valor do imóvel com base do valor venal do último lançamento de imposto ou de mercado, se não houver.
Além da ata, o requerimento deve incluir (1) planta e memorial descritivo assinado por profissional qualificado e pelas partes envolvidas, exceto se o imóvel for um apartamento ou casa em loteamento regular; (2) certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e Federal do local do imóvel; (3) descrição georreferenciada; (4) procuração ao advogado do requerente e de seu cônjuge, se houver; (5) certidão de órgãos municipais e/ou federais que indiquem se o imóvel é de natureza urbana ou rural.
Caso não sejam preenchidos todos os requisitos exigidos pelo Provimento 65 do CNJ, o pedido será rejeitado, somente restando a via judicial ao requerente. Se houver impugnação ao pedido de usucapião por algum interessado, o oficial do Registro de Imóveis poderá tentar uma mediação. Se não houver sucesso, o procedimento de usucapião extrajudicial será indeferido. Registre-se que doravante será possível a desistência do processo judicial para se optar pelo procedimento extrajudicial ou, ao menos, sua suspensão por 30 dias para tentativa de solução pela via extrajudicial.
Importante notar que após deferido o registro da usucapião, eventuais restrições administrativas ou gravames judiciais anteriores não serão automaticamente extintos, sendo necessário que o requerente diligencie junto os pedidos de baixa das anotações com os interessados. Em um primeiro momento, tem-se a impressão de que são muitas exigências. De fato, são, mas a burocracia se justifica por ser preciso cercar-se de meios que busquem garantir a segurança jurídica de que a transferência da propriedade seja feita de forma correta. Vale notar que, ainda assim, as exigências da usucapião extrajudicial são muito menores do que as impostas pela via judicial.
A usucapião extrajudicial é de fato um avanço na luta pela efetivação do direito à moradia e da função social da propriedade. A partir de agora, já é possível regularizar a titularidade da propriedade de forma mais rápida e barata, o que também produzirá economias para a tão sobrecarregada máquina do Poder Judiciário, além de ganhos inestimáveis para toda a sociedade.
Luciana Freitas é sócia de Miceli Advogados
Fonte: Valor Econômico