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Artigo – STJ tem oportunidade de pacificar se cabe taxa de fruição por lote não edificado
Por Danilo Vital
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de pacificar se quem desiste da compra de um terreno não edificado deve pagar a taxa de fruição autorizada pela Lei do Distrato (Lei 13.786/2018).
O colegiado tem em mãos embargos de divergência para resolver uma diferença de posição entre as turmas de Direito Privado da corte. A relatoria ainda não foi sorteada.
A taxa de fruição é descontada dos valores já pagos e que devem ser devolvidos pelo vendedor ao comprador por causa da desistência do negócio. O artigo 32-A da Lei 6.766/1979, inserido pela Lei do Distrato, prevê as retenções que podem ser feitas. O seu inciso I diz que, se a extinção do contrato for causada pelo comprador, podem ser descontados valores correspondentes à eventual fruição do imóvel até o equivalente a 0,75% do valor do acordo.
O recurso embargado foi julgado pela 4ª Turma do STJ. Por maioria de votos, o colegiado entendeu que a taxa de fruição é devida mesmo para o lote não edificado, bastando previsão contratual e vigência da lei em questão.
A parte embargante apresentou dois acórdãos paradigmas em que a 3ª Turma do STJ entendeu que a taxa é indevida quando o lote não é edificado, mesmo para os contratos posteriores à Lei do Distrato, já que não houve fruição econômica do bem.
Retenção total
O impacto dessa decisão da 2ª Seção se projeta no mercado porque a Lei 6.766/1979 autoriza também a retenção de cláusula penal de até 10% do valor atualizado do contrato. Já a taxa de fruição, de até 0,75% ao mês, representa 9% ao ano.
Os contratos de financiamento direto firmados por loteadoras costumam ter prazos mínimos de dez anos (120 meses), sem entrada relevante, análise de crédito ou capacidade financeira do comprador, facilidades usadas como estratégia comercial para aumentar as vendas.
Nesse cenário, segundo o advogado Antonio Carlos Tessitore, a rescisão do contrato após um ano pode resultar em retenção de 19% do valor total, embora o comprador não tenha pago sequer 10% do montante. Para dois anos, a retenção chega a 28%.
Assim, a soma da multa contratual com a taxa de fruição, nesses casos, conduz quase sempre à retenção integral dos valores pagos, o que viola o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor.
A norma considera nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas quando o consumidor pedir a extinção do contrato de compra e venda de imóveis. Tessitore avalia que, se prevalecer a posição da 4ª Turma, a retenção total se tornará a regra.
“Uma decisão nesse sentido pode ser questionada até mesmo no STF, já que a defesa do consumidor é um direito garantido pela Constituição. Se a intenção é pacificar o tema, isso terá que ser analisado de forma ampla pelo tribunal. A análise terá que extrapolar o texto frio da Lei do Distrato.”
Prevalência da Lei do Distrato
O acórdão embargado da 4ª Turma do STJ mostra como o colegiado tem posição mais favorável às incorporadoras imobiliárias e construtoras.
Relatora do recurso, a ministra Isabel Gallotti apontou que a jurisprudência do STJ, que afastava a cobrança de taxa de ocupação de imóvel quando se trata de terreno sem edificação, não cabe mais por causa da Lei do Distrato.
Assim, se a retenção da taxa de fruição estava prevista no contrato e o comprador foi previamente informado das consequências da desistência do negócio, afastar a cobrança implicaria não aplicar a lei sem sequer analisar a sua constitucionalidade.
Para ela, o tipo de empreendimento que havia no lote adquirido no momento da desistência do contrato serve apenas para fixação do valor da taxa de fruição dentro do limite previsto na lei, mas não para afastá-la.
“O uso ou não uso do imóvel não deve afetar a esfera jurídica do loteador, que cumpriu sua obrigação e perdeu a disponibilidade sobre o bem”, ponderou a ministra.
Salvo devedor
O julgamento na 4ª Turma foi por maioria de votos. Ficou vencido o ministro Marco Buzzi, que votou por afastar a incidência da taxa de fruição porque ela implicaria abrir um saldo devedor para o comprador.
O caso é o de um lote comprado por R$ 111 mil cujo interessado desistiu depois de pagar apenas R$ 6,5 mil. Com as retenções autorizadas em contrato (taxa de fruição, indenização, comissão de corretagem e despesas), ele perderia o valor pago e ainda teria de desembolsar R$ 21 mil.
Para Buzzi, não há na lei qualquer dispositivo que seja capaz de autorizar a cobrança de saldo residual decorrente da aplicação dos descontos mencionados na norma.
“Há uma diferença abissal entre descontar dos valores pagos os itens referidos nos incisos do texto legal e, no outro extremo — diga-se, em franca violação ao texto expresso de lei —, aplicar os encargos referidos nos incisos I a V, para, além de não restituir quantias vertidas pelo adquirente desistente, impingir-lhe tais penalidades de forma destacada.”
Perda total
Essa situação é totalmente rechaçada pela jurisprudência da 3ª Turma. O colegiado não só rejeita a cobrança da taxa de fruição quando o lote não é edificado, mesmo que a construção já tenha sido iniciada, como também a perda total dos valores pagos. Os precedentes mais recentes foram julgados com maioria apertada de votos.
Para o colegiado, a Lei do Distrato, ao autorizar a taxa de fruição, instituiu limites máximos, não imposições automáticas. Assim, sua retenção depende de prova de uso efetivo e vantagem econômica, o que não existe no caso de terreno nu.
Mais do que isso, a 3ª Turma defende que a retenção do vendedor não pode levar à perda total dos valores pagos pelo comprador, sob pena de ofensa ao artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor.
Foi com base nessa norma que a 2ª Seção do STJ consolidou, em 2021, a jurisprudência segundo a qual o padrão-base da retenção pela construtora é entre 10% e 25% dos valores já pagos.
Fonte: Conjur