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Artigo – Proteção ou burocracia desgovernada? Do provimento do CNJ sobre imóvei
Por Henrique de Vasconcelos Lucas
Como é de conhecimento daqueles que lidam com operações relacionadas a imóveis, uma das formas mais comuns de realização das operações, principalmente com particulares de renda média, é a realização da compra e venda mediante pacto de alienação fiduciária, regulada pela Lei nº 9.514/97.
Segundo a referida lei, especialmente no que concerne à celebração desses contratos e registro imobiliário, especifica-se, por meio de seu artigo 38, que esta pode ser realizada tanto por escritura pública quanto por particular, garantindo uma faculdade das partes em optarem por seguir com instrumento público ou particular, a depender daquele que melhor atenda às necessidades de ambas.
Desse modo, importa destacar que o dispositivo em questão em muito é passível de desonerar as partes e promover a celeridade ao negócio jurídico que tenha por objeto um bem imóvel, uma vez que põe a faculdade da realização do negócio pela via pública ou particular. A lei, portanto, pondo à disposição das partes a respectiva faculdade, põe em primeiro plano a autonomia da vontade destas, garantindo a possibilidade de escolherem a via mais adequada e viável.
Não se nega aqui, de forma alguma, a importância dos instrumentos públicos para garantia da segurança jurídica dessas operações. Neste ponto, para ambas as partes, sempre que for possível, é sempre recomendável que o instrumento público para operações imobiliárias seja utilizado, como forma de resguardar tanto o comprador como o vendedor nas referidas operações imobiliárias.
Não se pode olvidar, entretanto, que a realidade do setor imobiliário brasileiro e a realidade financeira da população média deve ser levada em conta para tal questão.
Aqui, observa-se que, conforme dados de 2019 do Ministério de Integração e do Desenvolvimento Regional, cerca de 50% dos imóveis do Brasil possuem algum tipo de irregularidade, seja por falta de escritura ou ausência de adaptação do registro à realidade do imóvel. [1]
Mesmo com a referida realidade, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no uso de suas atividades regulatórias, editou o Provimento n.º 172/2024, em que menciona que o Título Único do Livro III da Parte Especial do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ passará a ter a redação modificada em seu artigo 440-AO, mencionando que:
“A permissão de que trata o art. 38 da 9.514/1997 para a formalização, por instrumento particular, com efeitos de escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI (art. 2º da Lei n. 9.514/1997), incluindo as cooperativas de crédito. ”
Justificativa
A justificativa, baseada na necessidade de fomento à política de desjudicialização e proteção à população hipossuficiente, ainda que louvável e que considere o fato incontroverso da maior segurança auferida à forma pública de instrumentos de operações imobiliárias, aparenta olvidar a latente realidade fático-jurídica da desregularização imobiliária no Brasil.
Neste ponto, observa-se que as operações particulares, ainda que intermediadas por pessoas jurídicas não vinculadas ao SFH (Sistema Financeiro de Habitação), também possuem um condão social e econômico fundamental para democratização e acesso da população base à moradia digna.
Em verdade, observa-se que a extrema burocratização de tais operações poderia ser considerada como desfavorável, primordialmente, ao particular, que irá submeter-se a mais custos e diligências para finalização de atendimento de sua operação, além de cercear sua possibilidade de escolha, onerando excessivamente um setor em detrimento do outro. Em ato contínuo, a instituição financiadora poderá, também, ser prejudicada diretamente com a potencial ausência de novas operações, ocorrendo, portanto, o desequilíbrio econômico-financeiro tão temido pelo setor privado.
Sabe-se, de fato, — repita-se — que sempre, quando possível, há de se sugerir, como forma de promover mais segurança jurídica, a prioridade da via pública para estes instrumentos. Esta opção, no entanto, tem que ser economicamente viável e operacionalmente desburocratizada para que a submissão de tal via para instituições pontuais não ponha estas em desvantagem excessiva no mercado.
Da mesma forma, impiedoso destacar que a via particular não está mais suscetível, tão somente em sua forma, de ilegalidades ou irregularidades. Neste ponto, o próprio registrador tem o dever legal e o direito de sempre intervir quando o negócio não cumprir os requisitos legais dispostos na Lei nº 9.514/97, seja ele regulado pelo SFH ou não.
Eventuais irregularidades ou posteriores discordâncias, seja pela via pública ou particular, sempre serão revistas pela via judicial, pelo que a justificativa da política de desjudicialização pode ser compreendida como de frágil fundamentação.
Louváveis são as intenções do CNJ ao tentar garantir a segurança jurídica dessas operações financeiras. Mais louvável, ainda, é a tentativa de padronizar o entendimento sobre a forma exigida em tais contratações, como uma maneira de evitar medidas conflitantes pelos Registros de Imóveis de diferentes localidades. No entanto, tem sempre que, antes de estabelecer um marco regulatório, entender-se o contexto daquele instrumento que se regula para não promover o efeito contrário daquele pretendido.
Pode ocorrer de tal padronização, de fato, ser favorável aos particulares. No entanto, tais decisões que encontram um choque evidente com a própria letra de lei (que não impõe tal diferenciação), antes de mais nada, precisam ser bem avaliadas e ponderadas, como forma de garantir a segurança de todos os integrantes do Estado democrático de Direito.
Fonte: Conjur