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Artigo – Os direitos e deveres ao dividir bens e heranças – Por Anderson Albuquerque
A dor da perda de um ente querido é imensurável. Enfrentar a burocracia que se segue após este momento tão delicado infelizmente é necessário quando existem bens a serem divididos entre os herdeiros.
Dá-se início então à partilha de bens, que é o processo onde a herança é dividida entre seus herdeiros ou pessoas de direito. O primeiro passo é verificar se há um testamento, uma vez que este documento, que é criado em vida pelo ente falecido e expressa seus desejos com relação ao seu patrimônio, não é obrigatório.
Se realmente houver um testamento, ele terá efeito sobre 50% da herança – os outros 50% serão destinados ao cônjuge e aos descendentes. O testamento é, portanto, utilizado em somente metade do patrimônio do falecido e, caso não haja herdeiros, metade seguirá as regras do testamento e metade será da União.
Uma vez verificada a existência ou não de um testamento, o próximo passo é o inventário, que consiste no levantamento de todos os bens que fazem parte do patrimônio do falecido, e deve ser realizado em até 60 dias depois do falecimento.
Após o término do inventário é possível dar início efetivo à partilha de bens. Esse processo pode ocorrer de forma judicial ou extrajudicial, já que se todas as partes concordarem, forem legalmente responsáveis e não existirem dívidas tributárias, a partilha pode ser feita através de um acordo fora do tribunal, no cartório de notas da cidade onde o falecido residia.
No entanto, se um dos herdeiros for menor de idade, incapaz ou estiver ausente em local desconhecido, será preciso fazer um inventário judicial, que consiste no levantamento de todos os bens do falecido. Em suma, é necessário fazer um inventário em todos os casos, mesmo quando existe testamento ou quando os herdeiros iniciam uma disputa pela divisão de bens.
Se a partilha de bens for realizada de forma pacífica entre as partes, não há necessidade de recorrer ao Judiciário, sendo somente recomendável que um advogado acompanhe o processo. Porém, se os herdeiros optarem por realizar a partilha judicialmente, o Judiciário será acionado e será necessário também contratar advogados.
O processo extrajudicial geralmente é mais caro do que o processo judicial, e não permite que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é cobrado nesses casos, seja parcelado. O tributo pode ser de até 8%, como definido na Constituição Federal, mas varia conforme a legislação de cada estado.
Já no processo judicial, é possível parcelar o tributo em até 12 vezes, e enquanto não terminar o parcelamento o inventário não é concluído. Portanto, o processo judicial é mais célere, uma vez que o tributo é pago em uma só vez.
É importante ressaltar também que mesmo que já haja um inventário judicial em andamento, os herdeiros têm o direito de, a qualquer momento, mudar de ideia e decidir por realizar a partilha de bens de maneira extrajudicial.
Com relação aos direitos dos cônjuges no que diz respeito à herança, é preciso saber a diferença entre herança e meação. Meação diz respeito ao regime de partilha de bens escolhido pelo casal.
No regime de comunhão total ou parcial de bens, o cônjuge já tem direito à metade dos bens que foram adquiridos durante o casamento, mas não tem direito aos bens adquiridos exclusivamente pelo cônjuge falecido depois do casamento.
A exceção acontece quando não existirem bens comuns entre o casal ou herança para o cônjuge. Assim, o cônjuge é sempre herdeiro e entrará na partilha da herança com os descendentes, a não ser que já esteja divorciado legalmente.
Os descendentes, que são todos os filhos da pessoa que faleceu ou netos de filhos já falecidos, têm direito à partilha de bens adquiridos depois do casamento – 50% pertence aos descendentes e 50% pertence ao cônjuge.
Quando não existirem cônjuges, descendentes e testamento, os familiares ascendentes da pessoa falecida são os herdeiros, como os pais ou os avós, por exemplo. Se também não existirem ascendentes, os próximos na linha de sucessão para a herança são os irmãos e, em último caso, os parentes de até 4.º grau. Caso se busque pelos ascendentes e os parentes de até 4.º grau e ninguém for encontrado para receber a herança, está passará então a pertencer à União.
Uma dúvida frequente com relação à herança é se os filhos herdam a dívida dos pais, se é possível herdar dívidas. A resposta é bem simples: não existe herança de dívidas. Quando uma pessoa morre, quem paga as dívidas é o espólio.
Espólio é o conjunto de bens, direitos e obrigações que compõem o patrimônio deixado pelo “de cujus”, o falecido. Portanto, os herdeiros não possuem obrigação de arcar, eles próprios, com as dívidas deixadas pelos pais – é o patrimônio da pessoa falecida que pagará estas dívidas, mesmo que seja insuficiente.
Se a dívida deixada for menor do que os recursos, ela será paga e o restante será dividido entre os herdeiros. Agora, se a dívida for equivalente aos recursos, ela será paga e os herdeiros não receberão nada.
A última situação possível é quando a dívida é maior do que os recursos. Neste caso, a dívida será paga parcialmente e os herdeiros também não receberão nada. No entanto, o restante da dívida não deve ser pago pelos herdeiros, tornando-se assim um prejuízo para o credor.
Algumas das principais dívidas deixadas são hipotecas, empréstimos de carro, financiamentos de longo prazo, empréstimos pessoais e cartões de crédito e empréstimos estudantis.
Nos casos de financiamento de longo prazo, como imóveis ou veículos, há quase sempre o seguro prestamista obrigatório. Quando não há seguros prestamistas, como no caso de cartões de crédito e empréstimos pessoais, a herança é usada para quitar os débitos da pessoa.
No caso dos cartões de crédito, é muito importante realizar o cancelamento, pois pode ser cobrada uma multa de atraso no pagamento que poderá ser debitada do espólio, o que prejudicará a herança.
No que diz respeito aos empréstimos pessoais, as dívidas também devem ser quitadas com dinheiro e bens do espólio. Caso não haja bens suficientes para o pagamento, o dinheiro será dividido entre os credores, e o resto da dívida será assumida como prejuízo.
Se a dívida for uma hipoteca, há diversas opções. Caso o falecido tenha os recursos necessários, eles podem ser usados para quitar a hipoteca, e assim os herdeiros podem tomar posse do imóvel.
Um herdeiro também pode escolher assumir a hipoteca e a propriedade e, portanto, continuará a efetuar os pagamentos normalmente. Uma outra hipótese é a de o herdeiro vender ou refinanciar o imóvel para quitar a soma total, ou o seguro prestamista quitar de forma definitiva o financiamento.
Empréstimos de carro possuem as mesmas opções que a hipoteca: pagar o empréstimo com os bens do falecido, refinanciar ou vender o carro ou transferir o empréstimo para o nome dos herdeiros.
Já os empréstimos estudantis garantidos pelo governo são perdoados, o que não ocorre com os empréstimos privados, que precisam ser quitados, assim como os empréstimos pessoais.
Se o falecido possuía um crédito consignado, a dívida referente a este empréstimo, que é descontado direto da folha de pagamento, é diferente. Neste caso é aplicada a Lei 1.046/50, Art. 16. “Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha”.
Há somente dois casos em que os filhos são considerados judicialmente responsáveis a pagar a dívida dos pais: empréstimos com mais de um titular e contas conjuntas.
No primeiro caso, se a segunda pessoa responsável pelo empréstimo ainda estiver viva, terá que assumir a dívida de cartões de crédito e empréstimos comuns. Já os titulares de conta conjunta com renda, caso adquiram um empréstimo ou cartão de crédito, terão que assumir o pagamento das dívidas conjuntas, se um deles vier a falecer.
É preciso que os filhos conversem com os pais e que os cônjuges conversem entre si sobre sua a situação financeira e eventuais dívidas que podem ser deixadas em caso de falecimento. Por mais que este assunto seja difícil, é essencial para garantir a segurança econômica dos herdeiros e evitar complicações futuras.
*Anderson Albuquerque, advogado do escritório Albuquerque & Alvarenga.
Fonte: Estadão