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Artigo – Nossa vontade nem sempre prevalece – Por Marcia Dessen
Cônjuge é herdeiro necessário no regime da separação convencional (total) de bens
Foi-se o tempo em que os casais eram necessariamente hétero e viviam um único casamento, tradicional, que durava a vida inteira. Atualmente, relacionamentos modernos desafiam os legisladores a contemplar novos modelos de união.
Também é fato que uma vida mais longeva nos permite casar de novo, e de novo, quando a primeira tentativa falha. E, nesse caso, como fica nosso patrimônio? A quem pertencem os bens adquiridos durante relacionamentos anteriores?
O regime de bens escolhido pelo casal deixa clara a vontade de ambos. Entretanto, escolhido o regime de separação convencional de bens, é importante saber que o pacto antenupcial dispõe somente acerca da incomunicabilidade de bens (e o seu modo de administração) no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte.
Principais erros dos investidores
João, 55 anos, e Maria, 50 anos, ambos divorciados, resolveram se casar. Maria tem dois filhos do casamento anterior, e João não tem filhos. Após enfrentarem divórcios conturbados, com dificuldades na partilha dos bens, tinham a certeza de que a melhor forma de tratar as questões patrimoniais no novo casamento se daria pela escolha do regime da separação de bens, mediante pacto antenupcial regrando que cada um deles permaneceria com os bens que já possuíam, administrando-os sem nenhuma interferência.
Maria morreu. Como o legislador incluiu o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (artigo 1.845 do Código Civil), no curso do inventário João foi incluso como herdeiro, estabelecendo-se a concorrência sucessória entre ele e os filhos de Maria.
Estes, indignados, alegaram que eles foram casados sob o regime da separação total de bens e que a inclusão dele como herdeiro era inadmissível, lembrando não ser essa a vontade da mãe e de João quando se casaram.
Ainda que existam entendimentos similares aos dos filhos de Maria, no sentido de que o cônjuge acaba sendo presenteado com parte dos bens do morto, mesmo que este jamais tenha sido o desejo do casal, a advogada Andrea Angélico Massa lembra que tal regime não foi arrolado como exceção à regra de concorrência no artigo do Código Civil que trata do assunto. João é herdeiro de Maria e concorre com os filhos dela na sucessão patrimonial, ponto final.
Exploramos as hipóteses possíveis de escapar dessa situação e fazer prevalecer a vontade do casal, manifestada em vida e formalizada na escolha do regime de bens.
Testamento, doação em vida, VGBL são instrumentos que permitem organizar a partilha de bens. Entretanto, todos os instrumentos devem respeitar a legítima dos herdeiros, segundo o legislador.
Maria poderia ter disposto livremente, em testamento, de 50% do patrimônio. Os outros 50% devem respeitar a legítima: 16,666% para cada filho e 16,666% para João.
Se ela tivesse testamentado que 50% da parte disponível é dos dois filhos, cada filho ficaria com 25% + 16,66%, e João, apenas com 16,66%. Se nada for manifestado em vida, João receberá exatamente o mesmo quinhão dos filhos de Maria: 33,33% para cada um.
Depois de analisar todas as hipóteses, e procurando dar um pouco de humor e leveza ao texto, encontrei as seguintes saídas para que o cônjuge sobrevivente seja excluído da partilha de bens: casar depois dos 70 anos quando o regime de separação obrigatória de bens será adotado, afastando o cônjuge da concorrência com os descendentes; ou contar com a generosidade da renúncia do cônjuge sobrevivente da parte que lhe cabe.
Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.
Fonte: Folha