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Artigo – Não incidência de ITBI na meação de bens em divórcio consensual sem compensação financeira

19-08-2025

Por Lara Hoeltz Sperb

TJ/SP confirma que ITBI não incide sobre imóveis partilhados em divórcio consensual sem compensação financeira, reconhecendo reorganização patrimonial sem caráter oneroso.

A partilha de bens em processos de divórcio consensual levanta recorrentes discussões sobre a incidência do ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Para melhor ilustrar a atual controvérsia, imagine a situação de dois casais, ambos casados em comunhão parcial de bens, dividindo seus bens em um divórcio consensual. No primeiro casal, durante a partilha, um imóvel é atribuído integralmente a um dos cônjuges, sem que o outro receba qualquer compensação financeira. No segundo casal, a situação é semelhante, mas com uma diferença crucial: o cônjuge que recebe o imóvel transfere ao outro, como compensação, valor em dinheiro ou bens – valor correspondente ao excesso de sua meação.

A comparação entre os dois exemplos evidencia o critério jurídico relevante: não é a desigualdade formal na divisão dos bens que importa, mas sim a presença ou ausência de contraprestação.

Quando a partilha ocorre de forma equânime, sem qualquer compensação financeira entre os cônjuges, o entendimento jurídico consolidado é o de que não se configura fato gerador para cobrança do tributo, que é o caso do primeiro casal. Já em situação que exista contraprestação, como a do segundo casal, incidirá ITBI.

A Constituição Federal, em seu art. 156, inciso II, condiciona a cobrança do ITBI à transmissão “intervivos”, por ato oneroso. Assim, a mera reorganização patrimonial entre os cônjuges – ainda que implique transferência de titularidade formal sobre bens imóveis – não atende ao critério constitucional de incidência do imposto, na hipótese de não haver contraprestação pecuniária.

O STJ firmou a orientação de que o ITBI não incide sobre partilhas decorrentes do divórcio, mesmo quando desiguais, desde que não haja caráter oneroso (REsp 1.111.589/SP, AgRg no REsp 1.605.245/SP e REsp 1.733.560/PR). No mesmo sentido, os Tribunais de Justiça estaduais têm seguido essa linha interpretativa, afastando a cobrança do imposto em situações análogas.

O município de São Paulo, no entanto, deixa de aplicar este entendimento quando da averbação da documentação de divórcio consensual em Registro de Imóveis. O entendimento tem sido reiteradamente desacolhido pelos tribunais.

 

A 18ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, ao julgar a apelação 1010120 86.2024.8.26.0053, reconheceu por unanimidade a não incidência do ITBI sobre a transferência de imóvel realizada em partilha de bens no contexto de um divórcio consensual, desde que não haja qualquer compensação financeira entre os cônjuges. O entendimento reforça que a partilha de bens em divórcio é um ato de reorganização patrimonial e não uma transmissão onerosa de propriedade.

Um aspecto relevante da fundamentação é a compreensão de que o critério de incidência deve considerar o conjunto do patrimônio partilhado, e não cada bem individualmente. Quando a divisão do acervo comum se dá de forma equitativa e sem contrapartida econômica, não há fato gerador do imposto. Assim, apenas situações com compensação financeira – como pagamento em dinheiro ou entrega de outro bem – ensejam a incidência do ITBI sobre a parcela correspondente à onerosidade.

O ITBI é um imposto de competência municipal, e por isso sua regulamentação varia entre os entes federativos. No município de São Paulo, por exemplo, a lei 11.154/1991 rege a cobrança do imposto, prevendo alíquota de 3% sobre o valor venal de referência dos bens transmitidos. Ainda assim, essa legislação deve ser interpretada conforme os limites constitucionais, o que impede sua aplicação a atos que não configurem onerosidade. O TJ/SP, em diversas decisões, afasta o entendimento do Município, confirmando que a mera formalização da titularidade de bens na partilha, sem pagamento, não enseja a cobrança do imposto, alinhando a legislação municipal ao texto constitucional.

Essa mesma lógica tem sido aplicada por outros tribunais estaduais. No Rio de Janeiro, aplica-se a súmula 66 do TJ/RJ, que afasta a incidência do ITBI na partilha sem caráter oneroso e direciona eventual tributação ao ITCMD quando houver excesso de meação gratuito. Em Porto Alegre, o TJ/RS adota posição semelhante, reconhecendo que a partilha sem compensação deve ser tratada como doação apenas quando configurado excesso, mas sem gerar incidência de ITBI.

Portanto, a jurisprudência nacional converge para o entendimento de que a partilha de bens decorrente de divórcio, quando realizada sem compensação financeira, constitui ato de reorganização patrimonial interna, sem natureza onerosa, e, por isso, está fora do campo de incidência do ITBI. Tal interpretação reforça a segurança jurídica nas dissoluções da sociedade conjugal, evitando a exigência indevida de tributos e promovendo a justiça fiscal.

 

Lara Hoeltz Sperb: Sócia da área tributária do Andrade Maia Advogados, com atuação focada no contencioso administrativo e judicial de alta complexidade. Possui experiência estratégica em processos envolvendo tributos diretos e indiretos perante os tribunais estaduais e federais.

 

Fonte: Migalhas