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Artigo – Mudança de atribuição disfarçada de desburocratização – Por Rainey Marinho*

04-09-2019

Bastou o Senado aprovar, no último dia 23, a MP 881/19, conhecida com a MP da Liberdade Econômica, para parlamentares, de siglas diversas, comemorarem na tribuna e nas redes sociais. A medida é essencial para destravar a economia brasileira e traz avanços fundamentais – fato digno de comemoração.

Entretanto, “jabuti” enxertado de última hora no texto traz enorme insegurança jurídica ao investidor brasileiro. O trecho versa a respeito do registro dos regulamentos dos fundos de investimento junto aos cartórios de Registro de Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica. Agora, pela MP, a atribuição será da Comissão de Valores Mobiliários (MP 811, Art. 1368-C, parágrafo 3º).

A falácia da desburocratização serviu apenas para mudar o registro de lugar. A medida desrespeita os efeitos legalmente gerados pelos Registros Públicos, únicos com real e efetivo alcance junto à sociedade para universalizar a transparência do acesso público aos contratos, e, portanto, capazes de produzir eficácia perante terceiros, autenticidade, publicidade e segurança jurídica.

É válido enfatizar que a regulação atual, que estabelece a necessidade de registro em cartório do regulamento e da ata de assembleia geral que delibere a cisão, fusão, incorporação e transformação do fundo de investimento, foi elaborada pela própria CVM, nos artigos 8º, III, e 136, IV, da instrução 555/2014. Cinco anos depois, a garantia de segurança jurídica deixou de ser necessária?

Além da transferência de atribuição, o texto não especifica as regras que devem ser seguidas pela CVM para fazer o registro, deixando a cargo da própria autarquia regulamentar. Ou seja, um cheque em branco que dará a oportunidade de a CVM cobrar quanto e como quiser pelo serviço.

Por fim, é de se estranhar que tal “jabuti” tenha sido inserido no texto da MP justamente agora, em um momento em que os cartórios assumiram relevante missão no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. Por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além do comunicado à Receita Federal do Brasil, os cartórios terão de notificar também a Unidade de Inteligência Financeira (antigo Coaf) sobre movimentações suspeitas. O pagamento de um imóvel de alto valor em espécie, por exemplo.

Modernização

Nos últimos anos, os cartórios têm empreendido luta dantesca para demonstrar à população brasileira os investimentos na atualização tecnológica e a contribuição para o cotidiano jurídico. A possibilidade de imaginar esse gigante Brasil sem o mínimo de segurança jurídica entre as partes preocupa qualquer segmento corporativo e, principalmente, o cidadão comum.

Em uma economia combalida, a transferência de registro dos fundos de investimento trará prejuízos financeiros na margem de 40% aos 3.423 cartórios de Registro de Títulos e Documentos (RTD) do Brasil. É preciso acabar com o preconceito sobre os lucros dos cartórios. Na maioria dos estados, cerca de 40% da receita têm um só destino: o pagamento de impostos.

Por estarem em todos os municípios brasileiros, os cartórios são hoje considerados um dos segmentos com mais credibilidade e confiança. A fé pública da instituição criou expressões populares como “só é dono quem registra”, “de papel passado” ou “culpa no cartório”, que demonstram o papel fundamental na vida das pessoas.

Os Registros de Títulos e Documentos possuem vasta rede de cartórios conectados que fazem chegar à população o acesso a todos os atos praticados por cada um deles; possuem conectividade e capilaridade, sendo as maiores virtudes junto à segurança jurídica.

Os cartórios são a presença estatal sem custo à União ou aos estados. Os cartorários fazem concurso público e exercem a função pública em caráter privado, fiscalizados pelo Judiciário. Nas palavras do então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sérgio Kukina: “O notário e o registrador são a infantaria do direito”.

*Rainey Marinho, presidente do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJBrasil)

Fonte: Estadão