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Artigo – Migalhas – O direito de arrependimento na aquisição de imóveis na planta: a proteção da precipitação – Por Iuri Bontempo Costa

14-10-2020

A nova “Lei dos Distratos” trouxe à tona a figura do arrependimento no âmbito dos contratos imobiliários a fim de evitar que decisões precipitadas sejam tomadas pelo consumidor

Quem já teve a oportunidade de se fazer presente em estandes de vendas de novos empreendimentos no ramo de loteamentos e incorporações, sabe bem o quanto as estratégias de vendas das empresas podem ser persuasivas. Em meio a um papo amigável de sucessivas reduções, concessões, inovações de formas de pagamento, enumeração de benefícios, não raras as vezes são oferecidos verdadeiros banquetes, acompanhados de bebidas alcoólicas do mais alto padrão, com exaltante música de plano de fundo.

Não é difícil imaginar que, nesse cenário quase que festivo, decisões precipitadas e cheias de emoção venham a ser tomadas, sendo o instituto do arrependimento, remédio indispensável aos acamados pela “ressaca negocial” gerada pelas técnicas de marketing das incorporadoras.

O direito de arrependimento ganhou notoriedade no sistema jurídico brasileiro após sua implementação no Código de Defesa do Consumidor. Em seu artigo 49, o CDC resguarda o consumidor nas compras realizadas fora do estabelecimento comercial, sendo um instituto de extrema importância nos dias de hoje. 

Além da previsão no CDC, o Código Civil, em seu artigo 420, também tratou do arrependimento, só que nesse caso, do arrependimento estipulado por um instrumento contratual, muito comum nas promessas de compra e venda.

Conquanto existam semelhanças entre o arrependimento previsto nesses códigos normativos, não podemos confundi-los com o direito de se arrepender aplicado ao mercado imobiliário, ou mais precisamente, na aquisição de imóveis na planta oferecidos pelas incorporadoras.

A aplicabilidade legal e regulamentação precisa do arrependimento ao direito imobiliário, nos quase mesmos moldes do Código de Defesa do Consumidor, só ocorreu 28 anos após a instituição do regramento consumerista, uma vez que só em 2018 fora editada a lei 13.786/18, comumente denominada “lei dos Distratos”, cuja novidade legislativa impôs diversas modificações na lei 4.591/64 que regula os condomínios em edificações e as incorporações imobiliárias.

No mesmo sentido do arrependimento estipulado pelo CDC, a lei 13.786/18 guia-se pelo critério objetivo do lugar em que o negócio foi realizado para a determinação da possibilidade de incidência ou não do direito de se arrepender do negócio.

Segundo o artigo 67-A, §10º, da lei em comento, os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador permitem o exercício do direito ao arrependimento. Vejamos:

Art. 67-A. […]
§ 10. Os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador permitem ao adquirente o exercício do direito de arrependimento, durante o prazo improrrogável de 7 (sete) dias, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem.

Diferentemente das regras relativas às resilições e resoluções previstas no caput e §1º do art. 67-A da “Lei dos Distratos”, que preveem a dedução de 25% a 50% do que já foi pago pelo adquirente mais a comissão de corretagem, quando se fala em arrependimento, não há previsão de retenção, pelas incorporadoras, de valores pagos a qualquer título pelo consumidor, devendo este último se ver integralmente ressarcido.

Mas qual seria o motivo para “tanta” cautela e protecionismo por parte do legislador nesses casos? Bom, nas palavras de Carlos E. Elias de Oliveira e Bruno Mattos e Silva1, o prazo de 7 dias para exercer o direito de arrependimento nada mais é que “um verdadeiro prazo de reflexão que a lei garante ao adquirente para livrar-se de eventual precipitação”. Precipitação esta, diga-se de passagem, capaz de ser gerada pela vulnerabilidade do adquirente frente às técnicas de marketing adotadas pelas incorporadoras e construtoras.

Como já demonstrado no início do artigo, as incorporadoras podem ser um tanto quanto persuasivas e incisivas em seus estandes de vendas, pois que procuram vender a todo custo, o máximo de unidades imobiliárias, a fim de viabilizar o investimento na construção do empreendimento.

É aí que o direito de arrependimento se torna indispensável.

Ou ao menos em tese, se tornaria.

Argumento dessa forma pois, na contramão da indispensabilidade, a lei 13.786/18 impôs alguns entraves, um tanto quanto desnecessários, ao exercício do direito de se arrepender. Como exemplo, podemos citar o que dispõe o §11 do artigo 67-A, no que diz respeito à necessidade de comunicação do arrependimento via carta registrada, com aviso de recebimento.

Entendo como a maioria dos excepcionais doutrinadores da área, que tal cautela representa tão somente um burocrático obstáculo ao consumidor no exercício de seu direito legal de se arrepender da compra. Veja, não há mal nenhum em se comunicar o arrependimento via e-mail, ou qualquer outro meio que garanta a ciência inequívoca da decisão final do comprador. A segurança jurídica, característica do ato, é a mesma, contanto que se possa provar que o adquirente de fato comunicou, em tempo hábil, a desistência do negócio (aqui já pensando em eventual ação judicial que por ventura discuta a existência ou não de comunicação do arrependimento).

Não bastasse tal entrave, é preciso alertar para os novos costumes de mercado que poderão surgir a fim de mitigar esse direito conferido ao consumidor. As incorporadoras, por exemplo, poderão cada vez mais atrair o interessado em adquirir o imóvel na planta à sua sede, para que assim o negócio não seja efetuado em estandes de vendas e por consequência não sejam passíveis de serem desfeitos por força do arrependimento.

É interessante que os juízes estejam atentos à essas práticas, que, sem dúvida, contrariam os princípios do direito do consumidor. Talvez, estender a proteção conferida aos negócios realizados nos estandes de vendas às sedes das empresas seria uma opção.        

No mais, pela contemporaneidade do assunto, é apenas com o passar dos tempos que vislumbraremos os novos rumos do mercado e, consequentemente, os novos rumos das decisões judiciais. A única coisa que podemos alegar, inegavelmente, por tudo que foi exposto, é que o instituto do arrependimento deve ser visto com bons olhos, não podendo esse se ver com “seus dias contados”, já que consiste em uma gota de resguardo ao consumidor frente a um oceano de desvantagens advindas da recente “lei dos Distratos”.

Fonte: Migalhas