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Artigo – Limites da legitimidade do confrontante para ação de usucapião de bem imóvel
A ação de usucapião tem como atores aqueles que desejam usucapir um imóvel, denominado possuidor, e o proprietário do imóvel objeto da usucapião. Ademais, deve estar presente a necessidade de publicidade para eventuais terceiros interessados (artigo 259, I do Código de Processo Civil), bem como os confrontantes.
Antes de adentrar-se ao mérito do artigo, deve ser feita a distinção dos termos confrontantes e confinantes, os quais acabam por serem usados como sinônimos, seja pela doutrina, pela jurisprudência e até mesmo pela legislação.
Confinante é o imóvel vizinho ao do proprietário, objeto da usucapião, já confrontante é o termo que se refere ao proprietário do imóvel confinante. Estas conclusões são extraídas da lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), a saber:
“Artigo 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:
(…)
- 10. Entendem-se como confrontantes não só os proprietários dos imóveis contíguos, mas, também, seus eventuais ocupantes; o condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será representado por qualquer dos condôminos e o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado, conforme o caso, pelo síndico ou pela Comissão de Representantes. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes;”.
Apesar da diferença dos termos, a própria legislação os confunde, um exemplo é o §3º do artigo 246 do CPC, uma vez que manda citar pessoalmente o confinante na ação de usucapião, quando o termo correto seria o confrontante:
“Artigo 246. A citação será feita:
(…)
- 3º Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada”.
Superado o breve preâmbulo, é salutar a transcrição de trecho da doutrina ao tratar da presença do confrontante na ação de usucapião:
“(…) em razão da maior probabilidade de serem eles interessados no objeto da demanda. Essa suposição de interesse justifica-se, de um lado, pela contigüidade dos imóveis, que facilmente ensejaria dúvidas ou divergências quanto aos limites. Outrossim, é muito viva a possibilidade de interpenetração de posses (…). (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nª 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. VIII, tomo III: artigos 890 a 945 / Adroaldo Furtado Fabrício. — Rio de Janeiro, Forense, 2001. P.567)”.
Para a avaliação se o confrontante deve ou não figurar na ação de usucapião [1], deve-se ter em atenção à ocorrência de interpenetração possessória, ou melhor, se há por parte do confrontante conflito de direitos reais. Aqui deve ser feito um conciso parêntese, um mergulho na doutrina de Sílvio de Salvo Venosa, o qual de forma bastante compreensível faz cisão entre direitos reais e pessoais:
“A ideia básica é que o direito pessoal une dois ou mais sujeitos, enquanto os direitos reais traduzem relação jurídica entre uma coisa, ou conjunto de coisas, e um ou mais sujeitos, pessoas naturais ou jurídicas. O exemplo perfeito de direito pessoal é a obrigação, e o exemplo perfeito e acabado de direito real é a propriedade. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, 3ª ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 20)”.
Ou seja, se o confrontante não possui qualquer direito real com relação ao imóvel e apenas direito pessoal em face do proprietário do imóvel que se busca usucapir, este não pode obstar o mérito da ação, haja vista esta ser circunscrita à discussão de direitos reais, limitando-se apenas à demarcação do terreno, sendo até mesmo dispensável sua citação.
A argumentação acima se confirma ao se verificar acórdão do REsp 1.432.579 publicado no DJe em 23/11/2017, de lavratura do eminente ministro Relator Luís Felipe Salomão, a saber:
“(…) Em verdade, na espécie, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira. A sentença que declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos (…)”.
Como se observa, o confrontante que não possua qualquer direito real sobre o imóvel não é imprescindível a um dos polos da ação, ou seja, não possui legitimidade para litigar e tentar obstar a discussão de mérito, pois em uma ação de usucapião, discute-se direitos reais, estando a eles resguardados apenas a demarcação do terreno.
Uma vez elevado à condição de parte, pode o confrontante fazer uso desta condição indevida como se réu fosse, para protelar a justiça e o devido andamento do processo, por razões que não são admissíveis em uma usucapião, devendo ser rechaçada sua participação na hipótese que esteja ausente algum direito real sobre o bem.
Referências bibliográficas:
FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nª 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. VIII, tomo III: artigos 890 a 945 / Adroaldo Furtado Fabrício. — Rio de Janeiro, Forense, 2001. P.567.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, 3ª ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 20.
DOS SANTOS, Felipe Silva. A Usucapião e a Limitação dos Direitos do Confinante. Trabalho de conclusão do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais — Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 54 páginas. 2010.
[1] Há entendimento do STJ (REsp 1.432.579) de que a ausência de citação de confrontante que não possui discussão com o mérito da ação, qual seja, direito real sobre bem imóvel, não é causa de invalidade do processo, pois apesar de o CPC determinar sua citação, a ausência de direito real desse sobre o bem não terá prejuízo com sua ausência, haja vista sua atuação se limitar apenas à demarcação de terreno.
Renato Marques dos Santos é advogado civilista do escritório Gabriel Quintanilha Advogados e pós-graduando em Direito Privado pelo Centro Universitário de Valença (Unifaa).
Fonte: ConJur