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Artigo – A herança não vem com manual de instruções – Por Renato Bernhoeft
A expressão herança pode ser aplicada a várias situações. Não apenas à transferência de patrimônio entre gerações. Ética, valores, princípios e formas de encarar a vida por descendentes de um grupo familiar ou cultural também podem ser interpretados como uma herança de caráter cultural.
Neste artigo pretendo abordar o tema do livro que relancei sob o título “Cartas a um Jovem Herdeiro”, dedicado a herdeiros de empresas familiares. Sejam elas unifamiliar ou multifamiliar. Em empresas de um fundador, diferentemente daquelas que foram criadas por um grupo de fundadores de diferentes famílias, houve a liberdade da escolha na primeira geração.
Logo no início do livro procuro explicar os significados de uma “carta”, tendo em vista que ela já deixou de ser um instrumento de comunicação interpessoal faz bom tempo. Especialmente diante do surgimento de recursos eletrônicos que tornam as comunicações mais rápida, diretas e interativas.
Uma “carta” é algo unilateral, pensado, escrito e lido em momentos bem diferentes. O que permite interpretações de ambos os lados de forma mais lenta em suas manifestações.
As cartas procuram estimular os herdeiros a considerarem a herança de uma empresa como algo que ultrapassa, em muito, de um mero patrimônio.
Em primeiro lugar um alerta para que o fundador considere o tema, preferencialmente, ainda em vida, não deixando para depois do seu desaparecimento, e inclua o “legado” da sua obra com a mesma importância que atribui ao patrimônio construído.
Aos herdeiros importa saber, ou tomar consciência, de que nasceram em uma família onde não houve a liberdade das escolhas. Seus pais, irmãos e demais familiares foram impostos pelas relações da geração anterior. Mesmo nas famílias que declaram um “amor eterno” essas diferenças nem sempre são respeitadas na sua individualidade.
A empresa herdada vai gerar uma segunda circunstância muito pouco compreendida, tanto por fundadores como por herdeiros.
O patrimônio herdado cria um vínculo societário entre pessoas que muitas vezes não estão preparadas para esta nova dinâmica. Especialmente quando o modelo anterior tinha uma única figura forte, que representava, simultaneamente, os papéis de Patriarca, Dono e Gestor. Este modelo não se aplica, ou transfere, às próximas gerações de filhos/irmãos ou primos.
Assumir o papel de sócio exige preparo intenso e prolongado. Afinal, embora alguns possam assumir papel de gestores na empresa, não podem deixar de considerar as opiniões, expectativas e diferenças dos que estão fora da gestão. Afinal, eles também são sócios pela via do capital.
Uma das características de uma sociedade saudável está em sua capacidade de administrar conflitos de interesses e personalidades distintas. Na essência, três indicadores são vitais. Construir uma relação de confiança mútua. Ter clareza, e legitimação da estrutura de poder, tanto no âmbito da família, na sociedade e da empresa.
Não menos importante, há a forma como cada um se relaciona com seus recursos financeiros, tanto no nível individual como coletivo. O livro apresenta um conjunto mais amplo de temas em suas cartas, com provocações e pontos para serem debatidos.
Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria.
Fonte: Valor Econômico