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Artigo – Fundir matrículas de imóveis não faz nascer um novo bem

11-11-2025

Por Daniel Bijos Faidiga e Joana Bethonico Braga

A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 221/2025, consolidou entendimento de relevante repercussão no âmbito do direito tributário. De acordo com o referido ato interpretativo, a fusão de matrículas autônomas de imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, com o consequente cancelamento das matrículas originais e a abertura de novo registro unificado, não configura nova aquisição de bens imóveis.

Em termos fiscais, tal operação é qualificada como uma reorganização formal do patrimônio imobiliário, sem impacto sobre a data de aquisição para fins de apuração do ganho de capital. Dessa forma, permanecem válidas as datas originais de aquisição de cada matrícula individualmente considerada, sendo preservados os efeitos de isenção, progressividade ou redução da base de cálculo vinculados ao tempo de titularidade do bem.

Em outras palavras, fundir matrículas não faz nascer um novo bem. Essa conclusão é importante porque, no futuro, ao vender o imóvel, o proprietário continuará usando as datas antigas para calcular o ganho de capital. Assim, quem tem o imóvel há mais tempo mantém o benefício de pagar menos imposto ou até se enquadrar em isenção.

Tema relevante para propriedades rurais

O entendimento assume especial relevância no contexto das propriedades rurais, em que é comum a existência de extensas áreas fracionadas em diversas matrículas contíguas. A Receita Federal reconhece, portanto, que a fusão desses registros não reinicia o prazo de detenção da propriedade, afastando qualquer presunção de nova aquisição ou de ganho patrimonial decorrente do ato de unificação registral.

Entretanto, a análise do tema ganha novos contornos com a promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), nos termos da Emenda Constitucional nº 132/2023.

O artigo 251 da mencionada lei dispõe que pessoas físicas poderão ser enquadradas como contribuintes de IBS e CBS nas operações com bens imóveis tais como locação, venda e arrendamento, desde que verificados determinados requisitos de habitualidade e volume econômico.

Nos termos do § 1º do mesmo dispositivo, será considerado contribuinte o sujeito que, no ano-calendário anterior:

I – tenha auferido receita superior a R$ 240.000,00 com locação, cessão onerosa ou arrendamento de bens imóveis envolvendo mais de três imóveis distintos; ou
II – tenha realizado alienação ou cessão de direitos de bem imóvel sobre mais de três imóveis distintos.

Unificação registral de matrículas

A partir dessa redação, surge uma questão interpretativa de grande relevância prática: a unificação registral de diversas matrículas contíguas — formando uma única matrícula imobiliária — seria capaz de reduzir o número de “imóveis distintos” para fins de aferição do enquadramento tributário do contribuinte no regime do IBS e da CBS?

Se adotada, por analogia, a linha interpretativa consagrada pela Solução de Consulta Cosit nº 221/2025, a resposta tenderia a ser negativa. A unificação de matrículas, sob esse prisma, não implica modificação da substância econômica ou da identidade jurídica dos imóveis originários, mas apenas uma simplificação formal do registro. Em consequência, para efeitos de contagem do número de bens distintos, poder-se-ia considerar que subsistem, na essência, as propriedades originais, ainda que representadas por uma matrícula única.

Ocorre que o § 6º do artigo 251 da Lei Complementar nº 214/2025 expressamente remete à futura regulamentação a definição do conceito de “bens imóveis distintos”, estabelecendo que: “O regulamento definirá o que são bens imóveis distintos, para fins do disposto nos incisos I e II do § 1º do caput.” Essa remissão normativa abre margem para interpretações diversas, podendo o regulamento adotar critérios de diferenciação baseados em matrícula, unidade territorial, destinação econômica ou, ainda, no Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB).

Caso o CIB venha a ser adotado como parâmetro de distinção, a consolidação de diversas matrículas sob um mesmo cadastro poderia levar à caracterização de um único imóvel para fins tributários, mitigando a incidência do IBS e da CBS em hipóteses de arrendamento, locação ou alienação da propriedade. Por outro lado, se prevalecer o critério de origem registral, cada matrícula pré-existente — ainda que incorporada à matrícula unificada — poderá continuar sendo considerada individualmente para efeitos de contagem do limite de três imóveis previsto em lei.

Incerteza para aplicar regra

À luz do atual cenário, observa-se que a ausência de regulamentação específica cria incerteza quanto à aplicação prática da regra, especialmente no contexto de propriedades rurais que, por razões históricas, muitas vezes encontram-se fracionadas em múltiplas matrículas. Em termos de risco fiscal, é plausível que a Receita Federal venha a replicar, para o IBS e a CBS, o mesmo raciocínio da Solução de Consulta nº 221/2025, entendendo que a unificação registral não descaracteriza os imóveis originais.

Em conclusão, embora a fusão de matrículas não configure nova aquisição para fins de apuração do ganho de capital, não há segurança jurídica para afirmar que essa unificação implicará redução do número de imóveis distintos para efeito de incidência dos novos tributos sobre bens e serviços.

Até que sobrevenha regulamentação do conceito de “imóvel distinto”, recomenda-se cautela na adoção de operações de unificação fundiária ou reorganização patrimonial com objetivo tributário, sendo prudente proceder à análise prévia dos efeitos fiscais e registrais de cada caso concreto.

Fonte: Conjur