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Artigo – Estadão – Recuperação extrajudicial de empresas pode ser ferramenta importante na superação da crise – Por Lucius Marcus Oliveira e Jefferson Kaminski
A súbita redução do crédito e a desaceleração da cadeia produtiva empresarial (indústria, comércio e serviços) neste período de pandemia redesenhou o panorama econômico do Brasil.
A instalação de uma crise de perfil sistêmico, com descompasso entre os recebíveis a curto e em médio prazo, a necessidade de postergação de obrigações e uma nebulosa visão quanto ao futuro, levam a adoção de medidas de estruturação do fluxo de caixa, com contenção dos gastos em volume necessário e suficiente a permitir continuidade e sobrevida das empresas visando a retomada com capacidade de gerar resultados.
Se de um lado isto se deve ao ataque do novo coronavírus às bases do sistema econômico do país, do outro está levando as empresas a descobrirem no Direito instrumentos de apoio, de socorro, que favoreçam um ambiente de retorno à normalidade dos negócios.
Se pudéssemos traçar um paralelo, enquanto a área médica, com o fito de combater a epidemia, ameniza os sintomas e usa dos remédios já conhecidos, acrescentando medidas emergenciais e imediatas, até o restabelecimento do paciente rumo à cura, na área jurídica a situação não é diferente.
O empresário hoje tem à sua disposição instrumentos prescritos na Lei 11.105/2005, que trata da recuperação judicial e falência. A recuperação extrajudicial é um destes instrumentos que visa fornecer meios para o enfrentamento da crise, capaz de melhorar os sinais vitais de uma empresa que ora se encontra em difícil situação econômica.
Mas a aplicação deste remédio deve ser precedida de exames prévios para a obtenção de dados cruciais que permitam um prognóstico e assim a recomendação do melhor tratamento.
O instrumento da recuperação extrajudicial está previsto nos artigos 161 a 167 da Lei 11.101/2005. Como em outros mecanismos de reestruturação empresarial, medidas de cunho preparatório são essenciais. Dentre estas são fundamentais: (i) a análise pormenorizada do passivo envolvido (qualidade e volume do endividamento); (ii) o estudo do fluxo de caixa, do endividamento e das condições de captação de recursos; (iii) o mapeamento do perfil dos credores e posição que cada um ocupa na cadeia produtiva e como cada um se relaciona com os setores afetados; iv) a pré-negociação tanto com credores e fornecedores; e enfim (v) e o desenvolvimento de um plano com métricas financeiras para soerguer a empresa.
Ainda, é fundamental monitorar todos os sinais vitais da empresa, garantindo o cumprimento de sua função social com a manutenção dos postos de trabalho e a geração de renda suficiente para tanto.
O procedimento da recuperação extrajudicial permite a realização da negociação direta com os credores, com posterior homologação em juízo do plano de recuperação então aprovado com quórum próprio, de 3/5 do valor total dos créditos a este submetidos. O processo é simplificado, apresentando ao magistrado este plano para recuperação, já aprovado pela maioria qualificada dos credores, requerendo à Justiça que dê efeitos jurídicos às disposições nele contidas.
Inicia-se com a apresentação do plano, seguindo-se da publicação de edital com prazo de 30 dias para eventual impugnação pelos credores e juntada da prova de seu crédito, encaminhando-se na sequência para as considerações da recuperanda e, enfim, para deliberação judicial sobre a homologação do plano.
Ao contrário da recuperação judicial, o procedimento extrajudicial é menos burocrático, dispensa a realização da Assembleia Geral de Credores, a nomeação de administrador judicial e a futura supervisão da Justiça pelo período de dois anos. Todavia, isto não significa dizer que não obedece aos rigores da lei ou não está sob a égide da Justiça. A vantagem da recuperação extrajudicial é a de permitir o uso de um formato mais célere e menos custoso.
Já a principal desvantagem é a inaplicabilidade do período de suspensão de cobrança das dívidas, o denominado “stay period”, previsto no art. 6º da Lei 11.1001/2005, que impede o uso de medidas constritivas (bloqueio de ativos financeiros, penhora de bens móveis e imóveis, dentre outras) contra a empresa em prol da preservação desta, conferindo assim um fôlego para a negociação com credores até a deliberação do plano.
Casos de sucesso na aplicação deste procedimento são representados pela Recuperação Extrajudicial do Grupo Triunfo e do Grupo Ricardo Eletro, que lograram êxito em homologar seus planos de recuperação extrajudicial, renegociando gigantescos passivos e possibilitando a continuidade das suas atividades, com a manutenção dos empregos e o incremento da circulação econômica de bens e serviços, permitindo a retomada, exemplos que transmitem credibilidade ao uso deste mecanismo.
Sabe-se que a modernização do sistema de insolvência brasileiro – é premente – tramitando em regime de urgência no Congresso Nacional o Projeto Substitutivo de Lei nº 6.299/05, de alteração da Lei 11.101/2005 e medida excepcional, de cunho autônomo do Projeto de Lei nº 1.397/2020, onde em suma propõe-se: mecanismos de inovação a negociação preventiva e flexibilização legislativa nos instrumentos dos sistemas de insolvência.
Mas, enquanto tais alterações legais não chegam, servir-se de instrumento jurídico existente a fim de garantir a sobrevivência das atividades é alternativa legal à disposição do empresário diante deste árido momento pelo qual passa a economia nacional. Nesse sentido a recuperação extrajudicial é remédio importante com bom prognóstico, de superação e cura.
*Lucius Marcus Oliveira e Jefferson Kaminski são advogados especializados em Direito Empresarial. Sócios da Batista Pereira e Oliveira Advogados Associados
Fonte: Estadão