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Artigo – Estadão – A recuperação judicial pode não ser o melhor caminho – Por Bruno Chatack Marins
Elementos como a natureza da dívida, garantias ofertadas aos credores e o aval dos acionistas da empresa podem transformar a RJ em verdadeiro pesadelo
Em março de 2020, de forma repentina e inesperada, a população mundial transformou uma quarentena epidemiológica em uma verdadeira revolução de seu cotidiano. Após dias, semanas e meses isoladas, as pessoas entenderam que a retomada da economia e das relações pessoais não se daria em uma velocidade sequer razoável.
Passados 6 meses desde então, o mercado vem dando sinais de que irá se adaptar ao – já bordão – “novo normal”. Entretanto, antes que sejam traçadas novas rotas e, também, realinhadas algumas outras já em curso, o empresariado brasileiro tem o dever de quantificar as perdas sofridas em razão da COVID-19, bem como se preparar para os futuros desafios, que demandarão muita criatividade.
Para que se tenha uma exata noção das feridas abertas em nossa economia, é preciso destacar os dados recentes coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (“IBGE”), conforme medição realizada no mês de julho, havendo a indicação de que 37% das empresas do país foram afetadas negativamente pela pandemia. Quando falamos especificamente do segmento de serviços profissionais, administrativos e complementares, o tombo chegou ao incrível patamar de 53,8%[1] do setor.
Não bastassem os últimos 7 (sete) anos de recessão econômica do Brasil, uma onda de fechamento de empresas, pequeno e médio comércio, e redução de postos de trabalhos passou a fazer parte de nosso cotidiano. Em resumo, a conciliação entre a necessidade de capital de giro e o custeio das despesas correntes da pessoa jurídica se tornou uma tarefa ainda mais complexa para os empreendedores brasileiros.
Nesse contexto, o instituto da Recuperação Judicial (“RJ”) passou a ganhar ainda mais holofotes e atenção dos empresários, advogados especializados, consultores financeiros e, involuntariamente, credores (esses últimos, menos esperançosos em efetivarem seus recebíveis). Para que se tenha uma melhor noção sobre esse cenário, dados oficiais do Serviço Central de Proteção ao Crédito (“SCPC”) reportam um aumento de 31,4% dos pedidos de RJ, no período acumulado dos últimos 12 (doze) meses em relação ao mesmo período do ano passado[2].
No entanto, apesar de uma grande euforia e boa intenção em evitar que muitas empresas acabem decretando falência, a RJ não é o foro universal para que se renegociem todos as dívidas de uma sociedade empresária que passa por dificuldades. Existem dívidas não sujeitas ao Procedimento de RJ, as quais, a depender de cada caso, podem representar grande parte do passivo. A estas dívidas, atribui-se a denominação de “créditos extraconcursais”.
Visando melhor expor alguns elementos importantes para a análise da viabilidade de uma RJ, serão destacados abaixo três elementos de crucial observação por parte das empresas em crise.
Débitos Tributários
O primeiro exemplo desses créditos extraconcursais diz respeito aos débitos tributários, não abarcados pela RJ em razão do que dispõe o caput do artigo 187 do Código Tributário Nacional[3]. Ou seja, se grande parte da dívida de uma empresa é composta por tributos devidos e não pagos, o ajuizamento da RJ pode ter baixa efetividade em relação à renegociação extrajudicial de seu passivo.
De tal forma, caso uma empresa em crise tenha dificuldade na manutenção de suas atividades decorrente de penhoras judiciais oriundas de, por exemplo, execuções fiscais, recomenda-se a buscar pelo parcelamento e/ou anulação das referidas cobranças, o invés de apostar em um Procedimento de RJ.
A Alienação Fiduciária
Na mesma linha, importante mencionar as dívidas garantidas por alienação fiduciária de bens móveis e imóveis, excluídas do Procedimento de RJ em razão do que determina o artigo 49, §3º, da Lei Federal nº 11.101/2005 (“Lei de Recuperação Judicial e Falência”). Referidas garantias têm enorme destaque, uma vez que os principais empréstimos bancários, hoje, preveem como condição de liberação dos valores, uma garantia desta mesma natureza como contrapartida.
Este é o caso da Cédula de Crédito Bancária, atualmente o principal e mais recorrente instrumento contratual de pactuação, concessão e liberação de empréstimos bancários às pessoas jurídicas no Brasil. Referido instrumento, em sua grande maioria, requer um anexo de garantia de bens móveis ou imóveis, que assegurem às instituições concedentes do empréstimos uma garantia que se constitua justamente como um crédito extraconcursal.
Assim, um empresa que tenha se financiado através desse tipo de instrumento e garantias, deve calcular que o Procedimento de RJ surtirá efeitos limitadíssimos em relação à repactuação das dívidas garantidas por alienação fiduciária, que poderão ser executadas pelo credor em foro paralelo e não sujeito ao juízo onde tramitar a RJ.
O avalista de empréstimos concedidos à empresa
Como último e importante elemento, ainda na linha dos empréstimos, financiamentos e aportes de terceiros, podemos destacar a posição do avalista nesse tipo de operação de concessão de crédito. Em síntese, temos o avalista como sendo, por exemplo, o sócio ou acionista que concorda em estender seu patrimônio pessoal como forma de cobertura/garantia da dívida contraída.
Nesse tipo de situação, ainda que, em regra, exista um período de suspensão das cobranças tão somente em favor da empresa que pede RJ, no caso da dívida garantida por um avalista, os credores têm a possibilidade de prosseguir com ações e execuções em desfavor dos avalistas[4]. Isso significa que há real risco de afetação e bloqueio do patrimônio pessoal dos avalistas, independentemente da existência de pedido recuperacional.
Ou seja, a utilização da RJ para fins meramente protelatórios em relação à efetivação de garantias pessoais prestadas pelos avalistas para a concessão de empréstimos empresariais não apenas é um equívoco, como trará custos inócuos à empresa que já atravessa outras diversas dificuldades financeiras.
Conclusão
Considerando todos os fatores expostos acima, cabe às empresas em RJ, bem como aos seus advogados, consultores financeiros e demais contratados, realizarem uma detalhada e sóbria avaliação da natureza do passivo da pessoa jurídica, para que exista uma mínima certeza sobre a viabilidade do pedido.
Isto porque, ao contrário do que compreende o “senso comum”, o ajuizamento desnecessário de uma RJ pode se revelar uma opção custosa e ineficiente, uma vez que a empresa recuperanda terá que batalhar em mais um flanco negocial, em paralelo às demais discussões que possam existir junto às autoridades fiscais e credores financeiros.
Finalmente, a partir da observância dos supracitados pontos, será possível entender se o ajuizamento de uma Recuperação Judicial é (ou não) o melhor caminho na árdua luta pela sobrevivência da empresa.
Fonte: O Estado de São Paulo