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Artigo – Eficiência através da especialização – Por Eduardo Sadalla Bucci
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) surgiu com o advento da Lei 2.642, de 9 de novembro de 1955 [1], tendo sido modificada pelo Decreto-Lei 147, de 3 de fevereiro de 1967, ainda em vigor.
No entanto, é com promulgação da Constituição Federal de 1988 que a PGFN ganha novos contornos, com a sua mais nova e especial função: a competência para representar judicialmente a União, até então exercida pelo Ministério Público na execução da dívida ativa.
Assim, a Constituição Federal, em seu §3° do art. 131, determinou que a execução da dívida ativa de natureza tributária é de competência da PGFN, observado o disposto em lei.
Tal ato normativo é a Lei Complementar n. 73, de 1993, que em seus arts. 12 e 13 delimitou as competências da PGFN, quais sejam, a de controlar a dívida ativa da União de natureza tributária, representando privativamente a União em sua execução, bem como representar a União nas causas de natureza fiscal, além de servir como órgão de consultoria e assessoramento jurídico do Ministério da Fazenda e seus órgão autônomos e entes tutelados.
Também, foi mantida a atribuição da PGFN de apurar e inscrever em dívida ativa da União os créditos não-tributários (inc. II do art. 1° do Decreto-lei 147/67 c.c §2° do art. 39 da Lei 4.320/64), sendo estas apenas em relação ao crédito da Administração Pública Direta (art. 4° do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967), não abarcando a Administração Indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas).
Concretamente, com os dados de maio de 2018, a PGFN cobra 14.943.392 inscrições no valor total de R$ 1.939.949.776.517,46 (quase dois trilhões de reais) de créditos tributários. Já no que tange aos créditos não tributários, são 2.129.667 inscrições totalizando R$ 132.988.198.454,34 (pouco mais de cem bilhões de reais).
Veja-se que a dívida ativa tributária representa 93,5% dos débitos em cobrança pela PGFN, enquanto a dívida ativa não-tributária totaliza apenas 6,5%. No entanto, em relação à quantidade de inscrições cobradas, a dívida tributária é de 86%, enquanto a não-tributária sobe para 14%.
O grande ponto de distinção, além dos foros descentralizados [2], é a especificidade do crédito tributário, tendo todas as prerrogativas basilares no Código Tributário Nacional – CTN (Lei 8.172/66), gozando de muitas outras, dentre eles a mais famosa (e também a mais polêmica): o acesso a dados bancários dos contribuintes sem necessidade de autorização judicial, conforme a LC 105/01.
Já no que tange ao crédito não-tributário, a importância não está vinculada ao funcionamento do próprio Estado, por isso mesmo, não goza dos mesmos privilégios e prerrogativas do crédito tributário, estando vedada à PGFN a utilização de dados que tem acesso na cobrança destes tipos de créditos.
Assim, a PGFN vem se especializando cada vez mais em sua atuação principal: a cobrança de créditos tributários, criando procedimentos e sistemas eletrônicos, firmando diversos convênios com órgãos de inteligências, para trazer maior eficiência à recuperação deste crédito, que, por sua própria natureza, tem como finalidade assegurar recursos à consecução de políticas públicas.
No entanto, com os recursos limitados que tem, o gasto de energia com a cobrança de dívida ativa não-tributária impede que a eficiência seja aumentada, pois há um grande gargalo na atuação da PGFN, já que ela não pode usar toda a sua expertise e ferramentas, ante o não privilégio de tais créditos públicos. Ademais, os maiores devedores de créditos tributários utilizam do chamado “planejamento tributário”, cada vez mais especializado e complexo, cuja fronteira entre elisão e evasão é muitas vezes ultrapassada, consumindo uma parte preciosa do tempo e do orçamento para descortinar as atividades ilegais.
Também, os incontáveis órgãos da Administração Direta que encaminham créditos não-tributários para a cobrança não estão preparados para seguir a rotina da celeridade da inscrição em dívida ativa da União estabelecida pela PGFN, ante a sua especialização e sintonia com a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), que caminham conjuntamente para diminuir a evasão e sonegação fiscal e a promoção da justiça fiscal.
Some-se a isso a alteração legislativa (Lei 13.043/14) que revogou a suspensão da prescrição dos créditos não-tributários (Súmula Vinculante 08) de baixo valor (parágrafo único do art. 5° do Decreto-Lei 1.569/77), assim considerado pelo Ministro da Fazenda (Portaria MF 75/2012).
Ainda, com o art. 20-C da Lei 10.522/02, a PGFN agora pode ajuizar apenas execuções que tenha probabilidade de satisfação do crédito, sendo que o Procurador-Geral da Fazenda Nacional poderá definir limites, critérios e parâmetros para tanto, que, tal como já realizado pelo Ministro da Fazenda, na Portaria MF 75/2012, levará em consideração a importância dos créditos tributários, fazendo com que os demais sejam inseridos nesta lógica, afetando a sua própria arrecadação, em razão da quantidade de débitos existentes e de sua finalidade não prioritária frente aos fiscais.
Inegável, portanto, que a PGFN necessita se especializar cada vez mais na administração e cobrança dos créditos com natureza tributária, mormente pelo seu mote constitucionalmente determinado.
De outro lado, a Lei 10.480/02 criou a Procuradoria-Geral Federal (PGF), que unificou a representação judicial e extrajudicial das autarquias e das fundações públicas federais, exceto o Banco Central.
Entre suas atribuições está a de inscrever em dívida ativa e a de cobrar os créditos não-tributários de autarquias ou de fundações públicas federais (art. 10 da Lei 10.480/02 c.c art 17 da LC 73/93).
Passados mais de 16 anos, houve a implementação da PGF, conseguindo convergir de forma eficiente e com qualidade a representação judicial e extrajudicial, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico, e a apuração da liquidez e certeza dos créditos, inscrevendo-os em dívida ativa e realizando a respectiva cobrança de mais de 154 entidades (Portaria PGF 530, de 13 de julho de 2007, atualizada pela Portaria PGF 866, de 01 de novembro de 2012).
A PGF, naquele momento que estava sendo criada, não poderia já ter a competência da administração de toda a dívida ativa não-tributária. Foi necessário ser instalada, crescer e solidificar-se, o que a tornou um dos órgãos vinculados à Advocacia Geral da União – AGU – altamente qualificados para a assunção na atualidade do gerenciamento de toda a dívida não-tributária da União [3], sendo que, em 2005, gerenciava 75,5 mil créditos inscritos em dívida, totalizando R$ 2,5 bilhões.
A lógica é simples: se dois órgãos estão fazendo a mesma coisa, é evidente que se está tendo gastos dúplices totalmente desnecessários. A especialização, por sua própria natureza, implica que cada um faça exclusivamente algo que o outro órgão não faz, mesmo que pudesse, para que as energias sejam equalizadas ao ponto de se chegar a sua máxima efetividade.
Note-se que a Procuradoria-Geral da União (PGU) não tem qualquer competência para inscrever em dívida ativa e/ou cobrar tais créditos, sejam eles tributários ou não. Portanto, falta-lhe expertise para tanto, mesmo que o ideal fosse a consecução da representação judicial da União antes e depois da inscrição em dívida ativa não-tributária, conferindo-lhe a atribuição de apuração e administração de tais débitos.
Ademais, a PGU está presente em apenas 68 cidades [4]. Já a PGF está instalada em 180 municípios [5].
À luz deste cenário, tal como ocorreu em 2002, é necessário que seja realizada experiência transitória.
Mas como se fazer?
A primeira maneira é através de delegação de competência à PGF para a inscrição em dívida ativa dos créditos não-tributários, exceto aqueles oriundos do Ministério da Fazenda, para cobrança e representação judicial e extrajudicial, no mesmo molde realizado com a Caixa Econômica Federal – CEF, para os débitos do Fundo de Garantia do Tempo de serviço – FGTS (art. 2° da Lei 8.8844/94), e com a própria PGF, de débitos tributários reconhecidos por sentença trabalhista (art. 16, §3°, inc. II da Lei 11.457/07).
Como segunda hipótese, é a alteração da própria competência, modificando-se o inc. II do art. 1° do Decreto-Lei 147/67, para suprimir a expressão “ou de qualquer outra natureza”, conferindo à PGF, por meio da remodelação do art. 10 da Lei 10.480/02, a competência para apurar a liquidez e a certeza de todos os créditos não-tributários da União, exceto os provenientes do Ministério da Fazenda, e para realizar a cobrança e a representação judicial e extrajudicial referente a tais créditos.
Em relação à transição, a expertise adquirida pela RFB e pela PGFN quando da transferência da competência do INSS, pela Lei 11.457/07, deverá ser utilizada, para que possa ser realizada tal delegação ou alteração de competência da forma que maximize a eficiência e celeridade, com a racionalidade e economicidade necessárias à recuperação do crédito público.
Devemos, portanto, melhorar cada vez mais a utilização do precioso recurso público, transformando a prestação do serviço, para que se possa alcançar o ápice de suas possibilidades, com a utilização de todos os recursos já à disposição, sem a necessidade de se tentar tirar leite da pedra, pois a organização bem estruturada faz surgir naturalmente a eficiência.
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[1] A Lei 12.636/2012 instituiu o dia 07 de março como o Dia Nacional da Advocacia Pública, em homenagem ao dia 7 de março de 1609, quando foi criado o cargo de Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, na época do Brasil-Colônia, função essa originou os atuais cargos dos advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda e procuradores do Banco Central
[2] Os créditos tributários, exceto aqueles apurados por sentença trabalhista (inc. VIII, art. 114, CF), são cobrados, atualmente, apenas na Justiça Federal (a Lei 13.043/14 revogou a competência delegada à Justiça Estadual de ações de execução federal existente no inc. I do art. 15 da Lei 5.010/66). Já os créditos não-tributários são cobrados na justiça de pertinência, p.ex. multa eleitoral é competência da Justiça Eleitoral; multa trabalhista é competência da Justiça Trabalhista, etc. Pontua-se, no entanto, que há delegação de competência da PGFN para a Procuradoria-Geral Federal para a inscrição e cobrança das contribuições previdenciárias decorrentes da Justiça do Trabalho (art. 16, §3°, inc. II da Lei 11.457/07 c.c. Portaria Conjunta PGF/PGFN/PGU nº 40 de 26/02/2010)
[3] Atualmente, dentro do Sistema AGU de Inteligência Jurídica – SAPIENS, que é o sistema de processo administrativo eletrônico adotado pela Advocacia-Geral da União, tem o módulo de Dívida Ativa da PGF, desde 2016, possibilitando a consolidação da gestão de todos os créditos inscritos em Dívida Ativa em nome das autarquias e fundações públicas federais, que antes era feita de forma descentralizada
[4] Divididas em Procuradorias Regionais da União, Procuradorias da União nos Estados e Procuradorias Seccionais da União (em relação aos órgãos de execução)
[5] Divididas em Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais, Escritórios de Representação, Escritórios Avançados e Procuradorias Federais junto às autarquias e fundações públicas federais (em relação aos órgãos de execução)