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Artigo – Compreendendo o prazo de carência ou de denúncia nas incorporações imobiliárias à luz do artigo 34 da lei 4.591/646
Por Debora de Castro da Rocha e Edilson Santos da Rocha
Prazo de carência na lei de incorporações permite ao incorporador desistir do projeto até 180 dias após registro, com declaração e motivo especificados.
Atualmente, há muitos debates, especialmente nas relações de consumo, sobre a legalidade e outras nuances acerca do prazo de tolerância de 180 dias em caso de atrasos na entrega de obras. No entanto, há menos discussões sobre outro prazo não menos importante, também de 180 dias, o qual permite a um incorporador reconsiderar sua decisão de prosseguir com um projeto sob a égide da lei de incorporações. Este é o “prazo de carência” ou de “denúncia”, estabelecido no art. 34 da lei 4.591/64.
O prazo de carência refere-se ao período de até 180 dias após o registro da incorporação, durante o qual o incorporador imobiliário tem o direito de desistir do empreendimento imobiliário. Isso se deve ao fato de que a iniciativa de uma incorporação imobiliária envolve estudos detalhados sobre a viabilidade técnica e econômica do projeto, incluindo o cálculo do custo do empreendimento e a estimativa do valor geral de vendas do projeto, dentre outros critérios.
A lei 4.591/64 estabelece regras acerca do “prazo de carência” na incorporação imobiliária, permitindo ao incorporador fixar um prazo, durante o qual ele tem o direito de desistir do empreendimento, dispondo sobre:
a) Fixação do Prazo de Carência
De acordo com o § 1º do art. 34, a fixação do prazo de carência é procedida por meio de uma declaração, referida na alínea “n”, do art. 32. Em outras palavras, o dispositivo exige que o incorporador arquive uma declaração expressa no Registro de Imóveis competente, na qual se fixe o prazo de carência, caso exista.
Ademais, o incorporador precisa explicitar o motivo da desistência de acordo com o art. 34, § 1º, da lei 4.591/64, uma vez que quando o incorporador estabelece o prazo de carência, ele também deve definir as condições que o autorizam a desistir do empreendimento. Portanto, ao manifestar sua desistência, deve explicar o motivo, dentre os previamente estabelecidos, que o levou a desistir.
Os empreendedores em regra estabelecem vários motivos para a desistência, os quais podem incluir dificuldades jurídicas ou administrativas, problemas técnicos na construção, situação financeira adversa ou reação negativa do mercado ao empreendimento. No entanto, esses são apenas exemplos e o incorporador tem a liberdade de definir os motivos que considerar mais relevantes para a sua situação.
b) Limites do Prazo de Carência
O incorporador tem a liberdade de definir um prazo que melhor se adapte às suas necessidades, contanto que não exceda o prazo máximo de 180 dias estabelecido para a validade do registro da incorporação, conforme os arts. 34, § 2º e 33, da lei 4.591/64. Este prazo começa a contar a partir da data em que o incorporador leva o memorial de incorporação à registro, necessário à futura negociação do empreendimento.
O § 2º estabelece que o prazo de carência não pode ultrapassar o termo final do prazo de validade do registro da incorporação, ou, se for o caso, de sua revalidação. Isso significa que o incorporador tem um limite de tempo definido para exercer seu direito de desistência.
Caso o incorporador defina um prazo menor que 180 dias e deseje estendê-lo, ainda que não ultrapasse o limite de 180 dias, tal não será permitido. Isso ocorre porque o art. 34, § 6º, da lei 4.591/64 estabelece que o prazo de carência é improrrogável.
Por outro lado, se o incorporador não definir um prazo de carência, ele só terá a opção de desistir do empreendimento se nenhuma unidade tiver sido negociada. Se ao menos uma unidade for negociada, a desistência do empreendimento não será mais uma opção para o incorporador.
c) Menção ao Prazo de Carência nos Documentos Preliminares
O § 3º determina que os documentos preliminares de ajuste, se houver, devem mencionar obrigatoriamente o prazo de carência. Isso é importante para garantir que todas as partes envolvidas estejam cientes deste prazo e de suas implicações.
d) Desistência da Incorporação
O § 4º detalha o processo de desistência da incorporação. A desistência deve ser apresentada, por escrito, ao registro de imóveis e comunicada, também por escrito, a cada um dos adquirentes ou promitentes à aquisição, sob pena de resultar em responsabilidade civil e criminal para o incorporador.
e) Averbação da Desistência
O § 5º estabelece que a desistência da incorporação deve ser averbada no registro da incorporação, e o respectivo documento deve ser arquivado em cartório, garantindo que haja um registro oficial e, portanto, seja dada a devida publicidade à desistência.
f) Improrrogabilidade do Prazo de Carência
Por fim, o § 6º estabelece que o prazo de carência é improrrogável, significando que, uma vez fixado, não pode ser estendido.
O prazo de carência é uma ferramenta valiosa para as incorporadoras, pois permite que elas avaliem o mercado imobiliário e determinem a viabilidade do projeto dentro desse período. O objetivo é prevenir a execução de um empreendimento de baixo potencial técnico ou financeiro.
Por exemplo, uma construção com um número limitado de unidades vendidas pode resultar em custos elevados e a necessidade de maiores investimentos, além de possíveis atrasos na entrega, entre outros problemas. Assim, o prazo de carência funciona como um mecanismo de proteção para o negócio e todas as partes envolvidas.
Entretanto, ressalte-se que, uma vez denunciada a incorporação, o incorporador não tem a capacidade de reavê-la e caso decida prosseguir deverá iniciar um novo processo de incorporação no registro de imóveis.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA REGISTRAL – POSSIBILIDADE DE DISPENSA DA REVALIDAÇÃO DA INCORPORAÇÃO E PROVA DA CONCRETIZAÇÃO NO PRAZO DE 180 DIAS CONTADOS A PARTIR DO REGISTRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA MANUTENÇÃO DAS EXIGÊNCIAS FORMULADAS PELO OFICIAL DO 4º SERVIÇO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CURITIBA – INSURGÊNCIA DAS SUSCITADAS – ARGUIÇÃO DE COMPROVAÇÃO DA CONCRETIZAÇÃO DA INCORPORAÇÃO E DESNECESSIDADE DE REVALIDAÇÃO. 1. Renúncia ao prazo de carência previsto no art. 34 da lei 4.591/64 que não implica, por si só, a concretização; 2. Documentos trazidos aos autos que tampouco comprovam a concretização, pois anteriores ao registro da incorporação – vedação prevista no art. 32, caput, da lei 4.591/64; 3. Necessidade de revalidação com averbação de certidões atualizadas, nos termos do art. 33 da lei 4.591/64; 4. Manutenção da sentença de procedência da suscitação, pela revalidação condicionada à apresentação da documentação elencada no art. 32 da lei 4.591/64.5. Recurso conhecido e desprovido. (TJ/PR – 17ª C.Cível – 0001058-04.2019.8.16.0179 – Curitiba – Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANGELA MARIA MACHADO COSTA – J. 23.6.22)
(TJ-PR – APL: 00010580420198160179 Curitiba 0001058-04.2019.8.16.0179 (Acórdão), Relator: Angela Maria Machado Costa, Data de Julgamento: 23/6/22, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/6/22)
Ademais, a decisão enfatiza que a renúncia ao prazo de carência previsto no art. 34 da lei 4.591/64 não implica, por si só, na concretização da incorporação, sendo, por outro lado, salientada a necessidade de revalidação com averbação de certidões atualizadas, nos termos do art. 33 da mesma lei.
Findo o prazo, o incorporador não poderá mais negociar as unidades autônomas ou deverá revalidar as certidões apresentadas, o prazo tem como objetivo a desistência ou prosseguimento do projeto de incorporação.
Com as devidas cautelas, mostra-se, portanto, absolutamente factível que o incorporador inicie o processo de incorporação imobiliária com o objetivo de avaliar a receptividade do mercado imobiliário. Se, durante o prazo de carência, o incorporador perceber que o empreendimento não é viável, ele tem a opção de desistir do projeto sem causar danos aos investidores e adquirentes.
Diante disso, mesmo sendo lícito ao incorporador imobiliário estipular um prazo para desistência da construção, se mostra fundamental que a análise das questões jurídicas, comerciais e contratuais em todas as fases do projeto sejam muito bem estudadas para o sucesso do empreendimento.
O prazo de carência a partir do registro do memorial de incorporação se dá em virtude do termo final de validade do registro para formalizar a alienação ou oneração de alguma unidade autônoma; a contratação de financiamento para a construção e o início da obra.
Este período é um marco que permite aos incorporadores um prazo razoável para avaliar a viabilidade da incorporação e seu alinhamento com os seus objetivos econômicos. Durante este prazo, os incorporadores têm a opção de “denunciar” ou, didaticamente falando, “desistir” do empreendimento, formalizando sua decisão no cartório de registro de imóveis.
A decisão de denunciar uma incorporação não é apenas uma formalidade administrativa, mas um procedimento que efetivamente anula a incorporação, alterando assim as obrigações contratuais e as expectativas de todas as partes envolvidas, devendo ser formalizado o registro da decisão de denúncia no mesmo cartório onde foi inicialmente registrada a incorporação.
O período de carência/denúncia na incorporação imobiliária serve como uma forma de proteção para os incorporadores, facultando-lhes a oportunidade de reconsiderar e desistir de um empreendimento mesmo após o seu registro.
Isso porque, o marco temporal proporciona aos incorporadores um tempo razoável para formalizarem sua decisão de prosseguimento ou não do empreendimento perante o registro de imóveis, garantindo clareza e segurança jurídica para a incorporação imobiliária.
Todavia, há que se considerar que as implicações da denúncia se estendem a todas as partes envolvidas na incorporação, o que ressalta a importância de uma análise minuciosa e de termos contratuais muito bem explicitados nas transações comerciais formalizadas durante o período.
O período de carência evidencia a importância de proteger os interesses e direitos dos incorporadores no cenário dinâmico das incorporações imobiliárias, eis que para o incorporador, a denúncia pode ser uma decisão estratégica para mitigar riscos ou redirecionar recursos para empreendimentos mais viáveis.
Mesmo assim, há que se garantir que todos os instrumentos jurídicos relacionados à incorporação, de forma transparente, detalhem as condições contratuais a partir de possíveis repercussões jurídicas e financeiras decorrentes de uma eventual desistência perante os envolvidos.
Por fim, vale destacar que, uma vez tomada a decisão pela denúncia, é fundamental que o Incorporador a faça dentro do prazo estipulado de 180 dias. Atrasar a decisão ou ação para além deste prazo pode resultar na perda do direito de desistência, o que poderá acarretar graves consequências jurídicas e financeiras para o empreendedor e demais interessados.
Fonte: Migalhas