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ArpenSP – “A desjudicialização é um movimento que traz garantias de que as atividades cartorárias podem ser melhor exploradas”

Presidente de Comissão da OAB-SP comenta a atuação dos oficiais de cartório e as principais atividades prestadas nas serventias

18-10-2021

Rachel Leticia Curcio Ximenes de Lima Almeida, presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP), comentou, em entrevista exclusiva à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), sobre a atividade registral e notarial do estado paulista.

Os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais, a desjudicialização dos atos, o movimento de migração ao meio eletrônico e as expectativas futuras da área foram alguns dos assuntos tratados pela advogada, mestra, doutora e especialista em Direito Notarial e Registral.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Arpen/SP: São Paulo está em vias de iniciar um novo concurso público para os serviços extrajudiciais. Como avalia a importância do concurso para a atividade?

Rachel Almeida: É preciso ter em mente a importância das atividades desempenhadas pelos notários e registradores como mecanismo capaz de atender as principais necessidades sociais, atendendo princípios constitucionais, tal como o acesso à justiça, trazendo toda a segurança jurídica necessária aos negócios feitos. Embora o instituto de ingresso nas atividades tenha mudado com os anos, é preciso observar que a realização de concurso público para ingresso em cargos e funções públicas encontra respaldo constitucional (artigo 37, II), tendo a particularidade de que exercem uma função pública delegada não remunerada pelos cofres do Estado e sim por emolumentos pagos diretamente pelos usuários dos serviços, também submetidos a concursos público (artigo 236, §3º).

Ao serem estabelecidos concursos para ingresso nas atividades, assegura-se aos indivíduos a igualdade, corroborando com a isonomia de oportunidade para a nomeação ao cargo, selecionando, deste modo, os candidatos que apresentem maior e melhor capacidade para a prestação do serviço. Deste modo, torna-se absolutamente indispensável a aprovação em concurso público, assim como o preenchimento dos requisitos legais, de forma a atender as exigências normativas e desempenhar a função da melhor maneira possível.

 

Arpen/SP: Quais atos ainda poderiam ser desjudicializados para melhor atender aos cidadãos?

Rachel Almeida: Temos as serventias extrajudiciais como uma forma de estrutura (organização e procedimento) que permite uma ampliação do acesso à justiça. Há de se observar que o sistema extrajudicial mostra-se cada vez mais eficiente e capaz de atender a demanda social de prestação de serviços jurídicos, no qual a intervenção do Estado é essencial, mas não necessariamente através da utilização do poder jurisdicional. É inegável a importância das diversas iniciativas transferindo atividades antes exclusivas do Poder Judiciário para a estrutura das serventias extrajudiciais. Os cartórios auxiliam no processo de agilização das demandas judiciais, dando todo o apoio extrajudicial necessário as variadas questões que surgem, de modo a trazer celeridade e eficiência aos atos. Inúmeros são os exemplos de mecanismos que contribuíram diretamente para um desafogamento judicial.

Tida por muitos como um marco na relação extrajudicial e pioneira no processo de desjudicialização das lides, a Lei nº 11.441/07 surge no ordenamento jurídico de modo a facilitar a vida do cidadão, permitindo que os atos de inventário e partilha, e de separação e divórcio fossem feitos de forma extrajudicial, por meio de uma escritura pública. Podemos citar ainda a usucapião extrajudicial, que é uma alternativa para aquisição e registro de imóvel, de modo a regularizar a aquisição de bens não escriturados, frente a ausência de propriedade. Por fim, temos a Ata Notarial, que pode ser qualificada como uma comprovação oficial, dotada de fé pública, que atesta fatos presenciados ou que sejam apresentados em cartório. Nesse sentido, trazemos que os cartórios são capacitados para lidar com todos os atos passíveis de desjudicialização, que possam auxiliar o judiciário em seu desafogamento, como é o caso da desjudicialização da execução civil e a fiscal, que, segundo estudos levantados, representará uma economia de 65 bilhões de reais para os cofres públicos. Podemos destacar ainda a ampliação das hipóteses de realização de divórcios e separações quando envolvam filhos menores; a regulamentação das hipóteses de realização de inventários com testamento em todos os Estados; o sigilo nos procedimentos de separação, divórcios e inventários extrajudiciais; a oitiva de testemunhas pelos delegatários e a mediação e a conciliação em acordos trabalhistas.

A ação de desjudicialização vem, cada dia mais, galgando novos ares e tem força para intensificar suas atividades nos próximos anos. A desjudicialização é um movimento que traz garantias de que as atividades realizadas pelos cartórios podem ser melhor exploradas, sendo indispensáveis para um bom desenvolver da justiça, desafogando-a e trazer um maior ganho em celeridade, economia e segurança jurídica. Uma outra norma desjudicializante com impacto no dia-a-dia é a possibilidade da retificação extrajudicial do registro civil (artigo 110, da Lei Federal nº 6.015/1973, com a redação dada pela Lei Federal nº 13.484/2017). Não podemos deixar de mencionar também a possibilidade de registro tardio de nascimento de maiores de 12 anos sem intervenção judicial (artigo 46, da Lei Federal nº 6.015/1973 com a redação dada pela Lei Federal nº 11.790/2008) e o reconhecimento de paternidade socioafetiva e registro de filhos havidos por reprodução assistida sem intervenção judicial (Provimentos 63/2017 e 83/2019 do CNJ).

A  mudança de prenome e gênero no registro civil em razão de transexualidade, dispensando-se a intervenção judicial (Provimento 73/2018 do CNJ) e a averbação direta de separação e divórcio puros decretados no exterior, dispensando-se a homologação de sentença estrangeira pelo STJ (Artigo 961, §5º, CPC/2015 e Provimento nº 53/2016 do CNJ) não poderiam deixar de receberem seu devido destaque.

 

Arpen/SP: Como vê este movimento de atos antes realizados apenas pela via judicial, serem possíveis de se realizar em cartórios?

Rachel Almeida: A desjudicialização de demandas é um movimento que auxilia no maior acesso à Justiça, posto que a implementação de meios alternativos de soluções de conflitos descarrega a atividade previamente estabelecida ao Poder Judiciário, a possibilitar uma atuação mais ampla dos cartórios e ainda, acesso mais rápido, simplificado e eficaz de demandas. A realidade destas mudanças não só vem a desobstruir as atividades de magistrados e todo âmbito laboral que os circunscreve, mas também denotou escopo deveras seguro, prático e ágil, que vem a ser utilizado como parâmetro e oportunidade de se rever algumas operações, posto que a segurança jurídica não se mostrou limitada ao advento do trânsito em julgado das serventias pelos togados.

O reconhecimento das atividades por profissionais dotados de fé pública, como se é conferido no desempenho de notários e registradores, é o que confere legitimidade das relações negociais, a terem os atos extrajudiciais realizados nos cartórios o gozo de segurança jurídica; em conseguinte, há uma grande tendência de algumas restrições estabelecidas em leis diversas. Um bom exemplo de ato que poderá ser alvo de desjudicialização é admissão de administração de separações, divórcios, partilhas e inventários à flexibilizar algumas restrições previamente estabelecidas em Lei nº 11.441/07, que trata sobre a viabilidade administrativa de tais atos, uma vez que estes atos podem ser livremente lavrados pelo notário, sem qualquer interferência judicial e, em conseguinte, haveria uma correlação que justificaria o não impedimento do mesmo profissional que lavrou o ato de poder atuar administrativamente nas demandas consequentes.

Outra possibilidade de maior abrangência futura aos atos cartoriais está demonstrada em Projeto de Lei nº 5243/2009, a possibilitar a Arbitragem em âmbito notarial, posto que tabeliães e notários são profissionais do direito, dotados de fé pública, e, em conseguinte, já gozam de grande credibilidade em meio à população. A concessão destas atividades exemplificadas tem por possibilidade a real efetivação dos direitos alinhados à cidadania, uma vez que estes verossímeis meios de solução de conflitos são possibilidades que não afetam a segurança jurídica dos atos em si; pelo contrário, a segurança jurídica se mantém de forma descomplicada.

 

Arpen/SP: Os serviços dos cartórios migraram para o meio eletrônico e hoje muitos atos e certidões podem ser obtidas de forma digital. Como avalia o impacto desta mudança para a sociedade?

Rachel Almeida: Os cartórios, assim como todo o âmbito que circunscreve os atos em sociedade, vêm a sofrer mudanças diversas devido à implementação de novas tecnologias. As atividades cartoriais, ao caminhar alinhadas aos avanços tecnológicos, demonstram propósito de manifestar maior e melhor amplitude de seus serviços, a não limitar sua atuação em perímetro físico.

O progresso em conjuntura digital impacta na qualidade e celeridade dos cartórios, posto que auxilia a agilizar as demandas, torna desnecessário o deslocamento da pessoa ao local, diminui as filas em ambiente cartorial e, ainda, descomplica trâmites burocráticos que acabam prejudicando a experiência do solicitante.

Porém, há de se atentar que a presença de funcionários e cartórios físicos são essenciais, visto que, além de ser relevante a proposição de local físico onde se pode realizar solicitações, reclamações ou até mesmo tirar dúvidas, deve-se entender que boa parte da população não está familiarizada com as evoluções computacionais, seja pela não compreensão de como se solicitar demanda cartorial via digital ou pelo não acesso às tecnologias necessárias à solicitação. As tecnologias, portanto, devem ampliar o âmbito de atuação dos cartórios, a expandir os parâmetros de acessibilidade e igualdade na prestação de serviços.

 

Arpen/SP: Como vê a atividade cartorária no futuro?

Rachel Almeida: Com o avanço da tecnologia não só em cartórios, mas de toda a gestão de serviços – a incluir a esfera pública –, as necessidades burocráticas serão respondidas em tempo ainda mais hábil, posto que as novidades digitais corroborarão para a agilidade e conformidade dos serviços em domínio cartorial. O serviço notarial, assim como de todo atendimento público, buscará, ainda mais, os ditames de praticidade e celeridade, dentro dos limites e normativas que precisam ser respeitados para o bom funcionamento. Ainda, os cartórios objetivarão à prática centralizada da cidadania em si, a oferecer a emissão de diversas certidões e documentos em seu parâmetro de atividade, como carteiras de identidade e de trabalho, passaportes, carteira de habilitação; logo, os cartórios se determinação como núcleos de serviços, a efetivar não só em conjuntura física, mas também em circunscrição computacional, o efetivo acesso às condições de direitos e deveres cidatinos.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/SP