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Artigo – Importância da publicização processual: função jurídica da averbação premonitória

07-11-2025

Por Victor Porto Abreu

Como consabido, a aquisição de bens imóveis é um dos atos jurídicos de maior relevância sob a ótica da segurança jurídica e da confiança nas relações civis, especialmente por ser recorrente.

Ocorre que, não raramente, verifica-se a ocorrência de constrições judiciais sobre imóveis adquiridos por indivíduos que, no momento da compra, desconheciam a existência de demandas ou execuções em face do antigo proprietário.

Diante dessa situação, surge o conflito entre o direito do adquirente de boa-fé e o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito, impondo-se a análise do alcance da averbação premonitória como instrumento de publicidade e proteção da boa-fé objetiva.

A averbação premonitória, prevista no artigo 828 do Código de Processo Civil, é o mecanismo processual que permite ao exequente registrar, no ofício de registro de imóveis competente, a existência de uma execução admitida judicialmente.

O ato em pauta objetiva dar publicidade à demanda, permitindo que terceiros interessados tomem ciência da existência de processo que possa resultar em futura constrição sobre o bem.

O § 4º do referido artigo estabelece que se presume em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a citada averbação, presumindo-se que sem essa anotação registral não há presunção de fraude, in verbis:

“Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. § 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.”

Em reforço, o artigo 792, nos seus incisos I e II, do mesmo diploma legal, deixa expresso que a alienação será considerada fraude à execução apenas quando sobre o bem pender ação averbada no registro público:

“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828.”

Dessa forma, o sistema processual brasileiro condiciona a caracterização da má-fé e da fraude à execução à existência de publicidade formal da demanda. Se não há averbação, não há como imputar ao terceiro adquirente o conhecimento de eventual litígio, devendo ser-lhe reconhecida a boa-fé.

No ponto, o adquirente que sofre constrição judicial sobre bem que lhe pertence ou cuja posse exerce, sem ter participado do processo de origem, é amparado pelo instituto dos embargos de terceiro, previsto nos artigos 674 e seguintes do Código de Processo Civil.

Jurisprudência sobre o tema e o cabimento de embargos

Abreviadamente, esse instrumento é o meio processual adequado para proteger o direito de propriedade ou de posse do terceiro de boa-fé, cuja esfera patrimonial é atingida de forma prematura e errônea, por conta de fatos/dívidas que não lhe dizem respeito.

Nos termos da mencionada norma “quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro”.

Pontua-se, por oportuno, que “os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor”, consoante craveja a lei em evidência (§ 1º).

Isso posto, a boa-fé, nesse contexto, é presumida, cabendo à parte embargada o ônus de demonstrar o contrário. Em outras palavras, caberá à parte passiva dos embargos comprovar que o embargante sabia do procedimento judicial que restringiu, ou ameaça restringir, o imóvel.

Eis um aspecto importante: a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao reconhecer que a ausência de registro da escritura pública de compra e venda na matrícula do imóvel não impede o reconhecimento da boa-fé.

Diz-se isso porque, conforme a Súmula 84 da corte sobredita, “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.

Por conseguinte, mesmo que a transação ainda não tenha sido levada a registro, a posse derivada de título legítimo e a inexistência de averbação premonitória ou penhora anterior são suficientes para afastar qualquer alegação de fraude.

Não é despiciendo destacar que em situações de risco iminente, nas quais o terceiro de boa-fé se vê diante da ameaça de constrição ou bloqueio judicial efetivo, é plenamente cabível o manejo de embargos de terceiro com pedido de tutela de urgência, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil:

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

A medida em voga ostenta inequívoca aplicabilidade quando se evidenciam elementos de convicção idôneos a demonstrar, com razoável verossimilhança, os famigerados fumus boni iuris e periculum in mora, este último consubstanciado no risco de dano grave ou de difícil reparação, bem como na possibilidade de frustração do resultado útil do processo.

Nessas hipóteses, a plausibilidade do direito de domínio ou da posse legítima, quando cotejada com a potencialidade lesiva da constrição judicial indevidamente mantida, revela-se suficiente para legitimar a concessão da liminar de caráter acautelatório, ad referendum do juízo de mérito, a fim de suspender, pro tempore, os efeitos do ato constritivo impugnado, até ulterior deliberação definitiva nos autos dos embargos de terceiro.

Afinal, o requerimento excepcional em comento visa resguardar o terceiro de boa-fé de constrições injustas, preservando o equilíbrio processual e a efetividade da tutela jurisdicional.

Com isso em mente, vislumbra-se que a má-fé, para ser reconhecida, exige demonstração de que o adquirente tinha conhecimento do litígio ou da execução que recaía sobre o bem no tempo da aquisição do imóvel. Por isso, a averbação é requisito essencial à configuração da fraude, pois apenas ela confere publicidade oponível a terceiros.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada nesse sentido:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DESPROVIDA DE REGISTRO. IRRELEVÂNCIA. PENHORA NÃO REGISTRADA. MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE NÃO COMPROVADA. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 84 E 375 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula 375/STJ). 2. “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro” (Súmula 84/STJ) 3. No caso dos autos, a Corte de origem julgou procedentes os embargos de terceiros, tendo em vista que, quando da aquisição do bem, não havia registro de penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória em relação à demanda executiva originária e que não há nenhuma prova nos autos de que a parte embargante não tenha agido de boa-fé quando da aquisição do imóvel. Incidência da Súmula 83/STJ .4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt no AREsp: 2159270 MT 2022/0197926-5, relator.: Raul Araújo, Data de Julgamento: 28/11/2022, T4 – 4ª Turma, data de publicação: DJe 02/12/2022)

Na mesma ótica, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem reiteradamente reconhecido que a ausência de averbação no registro imobiliário impede o reconhecimento da fraude e resguarda o direito do adquirente de boa-fé:

“DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. INSURGÊNCIA DO EMBARGADO. ALEGADA NULIDADE NA COMPRA E VENDA DO IMÓVEL. INACOLHIMENTO. APLICAÇÃO SÚMULA 84 DO STJ. CONTRATO ANTERIOR A PENHORA. EMBARGANTE POSSUIDOR DE BOA FÉ. RECURSO DO EMBARGANTE. PRETENDIDA INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. IMÓVEL NÃO REGISTRADO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos dos Embargos de Terceiro, declarando a validade do contrato de compra e venda do imóvel e determinando o levantamento da penhora. 2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se a compra do imóvel pelo embargante é nula por falta de anuência da instituição financeira fiduciante; (ii) saber se a ausência de registro do contrato de compra e venda impede a proteção do bem em embargos de terceiro. 3. A decisão de primeira instância foi mantida com base na Súmula 84 do STJ, que admite a oposição de embargos de terceiro fundados em posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro. O contrato de compra e venda, embora não registrado, possui efeito jurídico entre as partes e perante terceiros, afastando a penhora sobre o imóvel adquirido de boa-fé. 4. Recursos não providos. Tese de julgamento: A compra do imóvel pelo embargante não é nula por falta de anuência da instituição financeira fiduciante. A ausência de registro do contrato de compra e venda não impede a proteção do bem em embargos de terceiro. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 108; CPC, art. 373; Súmula 84 do STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 1222042 SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 28 .5.2019. (TJSC, Apelação n. 0300316-81 .2019.8.24.0081, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Erica Lourenco de Lima Ferreira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2024). (TJ-SC – Apelação: 03003168120198240081, Relator.: Erica Lourenco de Lima Ferreira, Data de Julgamento: 28/11/2024, Quarta Câmara de Direito Civil)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA EMBARGADA – REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL POSTERIOR A PENHORA QUE NÃO INVALIDA A NEGOCIAÇÃO REALIZADA ATRAVÉS DE CONTRATO – CARÊNCIA DE PROVA CAPAZ DE DERRUIR A BOA-FÉ DA PARTE EMBARGANTE ADQUIRENTE – AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO, OUTROSSIM, IRRELEVANTE. APLICABILIDADE DA SÚMULA N. 84 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RECURSO CONHECIDO – DECISÃO MANTIDA – PROVIMENTO NEGADO. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente, sendo certo que, no caso dos autos, houve o registro do bloqueio somente após a aquisição do imóvel, bem como não há qualquer prova de que a embargante tenha agido de má-fé.” (TJSC, Apelação n. 5006916-49.2024.8 .24.0011, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 06-03-2025).

Conclusão

Sem mais delongas, constata-se que a publicidade registral é o elemento delimitador entre a boa e a má-fé. Ausente a averbação, inexiste presunção de fraude.

Pode-se dizer, com a devida cautela, que penalizar o terceiro adquirente que desconhecia a existência de ação ou execução em curso seria violar princípios basilares do Direito civil contemporâneo.

Portanto, a posição consolidada do STJ e do TJ-SC reforça que a boa-fé do adquirente prevalece sobre a negligência do credor que não promoveu a averbação, preservando a segurança das transações imobiliárias e impedindo que a omissão do credor recaia sobre o patrimônio de quem agiu de forma lícita e transparente.

 

Fonte: Conjur