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Artigo – Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia

29-10-2025

Por Nassim Kassem Fares

A identificação de imóveis rurais no Brasil é historicamente marcada por profunda imprecisão e precariedade, com registros frequentemente baseados em descrições vagas e que deram causa a uma grave insegurança jurídica. Para solucionar este problema crônico, o “georreferenciamento” surgiu como a principal ferramenta de modernização.

Em 2001, através da Lei 10.267, a Lei de Registros Públicos foi alterada para dispor, no § 3° do artigo 176, que:

“Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Os parágrafos seguintes do mesmo artigo da LRP preveem que a identificação pelo georreferenciamento tornar-se-ia obrigatória “para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo” e que caberia ao Incra “certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado”.

Já no ano seguinte, 2002, foi publicado o Decreto 4.449, o qual, dentre outras coisas, fixou os prazos limites para a realização da certificação nas hipóteses de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência. O artigo 10 do referido decreto previu a exigência de forma escalonada, estipulando, após algumas alterações no texto original, prazos entre 90 dias e 22 anos, a depender do tamanho do imóvel.

Alteração de prazos

Naturalmente, ao longo dos anos os prazos sofreram algumas alterações, principalmente em decorrência de inúmeros debates sobre a impossibilidade do cumprimento da exigência dentro do prazo inicial estipulado e os impactos disso no mercado imobiliário. A primeira alteração se deu já em 2005, com o Decreto nº 5.570. Até o dia 20 de outubro de 2025, outros dois decretos alteraram as datas limites.

Paralelamente a esse debate sobre os prazos, o Judiciário também avançou na modernização do controle registral. O Provimento nº 195, de 3 de junho de 2025, da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), alterou o Código Nacional de Normas para criar ferramentas essenciais de fiscalização. Foram instituídos o Inventário Estatístico Eletrônico do Registro de Imóveis (IERI-e) e, principalmente, o Sistema de Informações Geográficas do Registro de Imóveis (SIG-RI). O objetivo do SIG-RI é permitir a formação de um mosaico georreferenciado dos imóveis registrados no país, identificando sobreposições e irregularidades, o que representa um avanço tecnológico fundamental para a segurança dos registros.

Agora, no dia 21 de outubro de 2025, aproximando do mês de novembro, momento em que a obrigação da certificação do georreferenciamento alcançaria todo e qualquer imóvel rural, independente do tamanho, foi publicado o Decreto nº 12.689. A nova norma reescreveu o artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002, revogando expressamente todo o escalonamento anterior que constava nos incisos I a VII e no § 3º do referido artigo, bem como os decretos que os alteraram.

Este decreto foi a consolidação de um debate legislativo que se intensificou em 2025 e que fez nascer o Projeto de Lei nº 1.664, de 2025. O PL, originado na Câmara dos Deputados, propôs inicialmente a prorrogação do prazo de exigência para os imóveis de área inferior a 25 hectares, cujo prazo estava prestes a expirar. O projeto e seu substitutivo, que estendeu a prorrogação para todos os imóveis rurais, tiveram como objetivo oferecer “uma solução legislativa viável, segura e proporcional à realidade fundiária do país”, evitando o travamento do mercado de terras e dando fôlego aos proprietários para a adequação.

O novo texto estabeleceu um prazo único:

Art. 10.  A identificação da área do imóvel rural, a que se refere o art. 176, § 3º e § 4º, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas hipóteses de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma estabelecida no art. 9º, a partir de 21 de outubro de 2029.

Controvérsia do decreto

A publicação do Decreto nº 12.689/2025, no entanto, já tem causado controvérsia entre os profissionais que atuam com imóveis rurais. De um lado aqueles que enxergam a medida como retrocesso e estímulo à manutenção da informalidade das descrições dos imóveis rurais. Do outro, aqueles que aplaudem a prorrogação e respiram aliviados com o novo prazo.

Independente da opinião, o efeito prático e imediato é que, até 2029 ou eventual alteração/revogação, a ausência da certificação do georreferenciamento pelo Incra não pode mais ser utilizada pelo oficial de registro como impedimento para “travar” um desmembramento, remembramento, parcelamento ou qualquer forma de transferência do bem.

Contudo, é fundamental pontuar que, independentemente da prorrogação da obrigatoriedade legal fixada pelo decreto, a realização do georreferenciamento [1], sua certificação [2] e a posterior retificação [3] no Cartório de Registro de Imóveis continua sendo de extrema importância. Ele permanece como a ferramenta definitiva para garantir a segurança jurídica, a correta valoração da propriedade e, finalmente, superar a histórica imprecisão que marcou o registro de terras no Brasil.

[1] Técnica de engenharia que determina a exata localização, forma e dimensões do imóvel através de coordenadas geográficas precisas, vinculadas ao sistema oficial.

[2] A certificação da poligonal no Incra é o procedimento realizado via Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), no qual o instituto atesta que os limites georreferenciados apresentados não se sobrepõem a outros já cadastrados.

[3] A retificação de área posterior ao georreferenciamento e a certificação é o procedimento realizado no Cartório de Registro de Imóveis, que utiliza os dados técnicos do georreferenciamento (e a certificação do INCRA) para corrigir a descrição da propriedade na matrícula, adequando-a à sua realidade física.

Fonte: Conjur