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“O futuro é extrajudicial”, afirma o vice-presidente da Anoreg/RJ, Alexis Cavichini

17-10-2025

Em uma série especial de entrevistas com a Diretoria da Anoreg/RJ, o 2º vice-presidente fala sobre o avanço da desjudicialização, o lançamento de seu novo livro “Teoria dos Contratos Imobiliários: Um Estudo Comparado Brasil e Espanha” e como os Cartórios estão se aproximando cada vez mais da sociedade

Nos últimos anos, a atividade notarial e registral tem passado por uma verdadeira revolução silenciosa. A digitalização dos serviços, a ampliação das competências dos Cartórios e o avanço da desjudicialização vêm transformando a forma como o cidadão brasileiro acessa a Justiça. Nesse contexto, os cartórios reafirmaram seu papel essencial na promoção da eficiência, da segurança jurídica e da cidadania.

No centro dessa transformação estão profissionais que aliam técnica, gestão e visão de futuro. Entre eles, destaca-se o Alexis Mendonça Cavichini Teixeira de Siqueira, segundo vice-presidente da ANOREG/RJ, oficial do 4º Registro de Imóveis, diretor da Escola Nacional de Notários e Registradores (ENNOR) e membro do Fórum Permanente do Direito Notarial e Registral da Emerj.

Com uma carreira marcada pela dedicação ao ensino e à modernização dos serviços públicos, o registrador se tornou referência na integração entre prática jurídica, tecnologia e educação continuada.

Carioca, apaixonado pelo Rio de Janeiro e torcedor do Botafogo, recentemente, lançou o livro “Teoria dos Contratos Imobiliários: Um Estudo Comparado Brasil e Espanha”, pela YK Editora. Para ele, a maior motivação é ver o impacto concreto do seu trabalho na vida das pessoas: “Minha inspiração vem de fazer o melhor possível e ver as coisas acontecerem do jeito certo”.

Nesta entrevista, Alexis fala sobre os desafios da classe, seu novo projeto literário e da consolidação da desjudicialização como o caminho mais promissor para um serviço público mais ágil, acessível e humano. Confira!

ANOREG/RJ – Alexis, pode nos contar um pouco sobre sua trajetória profissional? O sr. vem de uma família de advogados?

Alexis Cavichini: Na verdade, meus pais não têm nada a ver com Direito. Minha mãe é pesquisadora da Fiocruz, formada em Farmácia Bioquímica, e continua lá até hoje. Meu pai era professor de Administração na UFRJ, agora aposentado. Ambos sempre gostaram muito de estudar, os dois têm doutorado. E passaram esse gosto para nós filhos. Eu sempre gostei de humanas no colégio, estudei no (Colégio) Santo Inácio, aqui no Rio, e depois fui para a UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).  Minha trajetória profissional sempre foi na cidade: cresci em Botafogo, morei em Copacabana e agora moro no Flamengo.

Comecei atuando como advogado nas áreas de Direito Imobiliário e Direitos Humanos, porque sempre quis me especializar em algo além do caminho mais tradicional de recém-formado, como trabalhista ou pequenas causas. Trabalhei oito anos em Direito Imobiliário e, nesse período, tive muito contato com cartórios, o que despertou meu interesse na área. Passei no concurso para cartório aqui no Rio e fiquei muito feliz, pois sempre quis atuar na cidade, na área de Direito Imobiliário e agora no registro de imóveis. Paralelamente, fiz mestrado e doutorado.

ANOREG/RJ – Qual o principal papel da ANOREG/RJ hoje na defesa dos notários e registradores?

Alexis: A associação tem como missão fortalecer os voluntários e registradores por meio de uma atuação institucional sólida. Essa atuação envolve tanto a representação da classe junto aos poderes constituídos — Executivo, Legislativo e, principalmente, o Judiciário — quanto ações voltadas à valorização e ao aprimoramento dos serviços notariais e registrais.

O Poder Judiciário exerce um papel central nessa relação, pois é o órgão responsável pela fiscalização da atividade. Podemos dizer que ele atua, em nosso caso, como uma espécie de agência reguladora, à semelhança da Anatel, que regula as telecomunicações, ou da ANAC, que regula a aviação civil. No âmbito estadual, essa função é desempenhada pela Corregedoria-Geral da Justiça, que supervisiona a atuação dos notários e registradores.

Além da representação institucional, a associação também atua fortemente na área educacional. Sob a coordenação do Dr. Marcelo (Brandão Marcelo da Silva Borges Brandão – Ofício Único de Varre e Sai, Diretor a ENOREG), vem sendo desenvolvido um trabalho importante de formação e disseminação de conhecimento, tanto para os profissionais dos cartórios quanto para a população em geral.

Um dos objetivos é divulgar os diversos serviços que podem ser realizados em cartório, muitos dos quais ainda são pouco conhecidos pela sociedade. A maioria das pessoas associa os cartórios apenas a atos tradicionais, como lavratura e registro de escrituras, reconhecimentos de firma, autenticações, e registros de nascimento, casamento e óbito.

No entanto, a atuação extrajudicial vai muito além disso. Hoje, é possível realizar inventários, partilhas e divórcios diretamente em cartório, sem necessidade de recorrer ao Judiciário. Também é possível reconhecer a usucapião extrajudicialmente, regularizando a propriedade de um imóvel de forma mais ágil e segura.

Outros exemplos incluem a notificação extrajudicial, que muitas vezes evita litígios, o protesto de títulos, que facilita a recuperação de créditos, e até mesmo a mudança de nome, que agora pode ser feita diretamente no Registro Civil.

Essas possibilidades mostram o quanto os cartórios são instrumentos de cidadania, eficiência e pacificação social, aproximando a Justiça do cidadão e contribuindo para um país mais ágil e seguro juridicamente.

ANOREG/RJ – Muitos cidadãos ainda não conhecem a amplitude dos serviços extrajudiciais. Quais são os mais relevantes?

Alexis: De fato, o público ainda associa o cartório a escrituras, registros e autenticações. Mas o leque é imenso, existe uma gama de possibilidades que as pessoas podem fazer em cartórios hoje em dia.

Temos notificações extrajudiciais que evitam litígios, protesto de títulos para cobrança de créditos, inventários, partilhas e divórcios consensuais, que hoje podem ser feitos em cartório de forma rápida e segura, usucapião extrajudicial, retificação de área e até alteração de nome.

Há ainda convênios que permitem solicitar segunda via de identidade e carteira de motorista, o apostilamento de Haia para documentos com validade internacional e até o registro da vontade de doação de órgãos (AEDO).

ANOREG/RJ – Como a ANOREG/RJ e os cartórios têm buscado se aproximar da sociedade?

Alexis: A ideia de aproximar os cartórios da sociedade é permanente e faz parte da nossa missão. Nós buscamos essa aproximação de várias formas, por meio de palestras, cursos e eventos realizados em parceria com outros atores da sociedade. Há sempre colegas compartilhando conhecimento, e eu mesmo costumo participar ativamente dessas iniciativas.

Por exemplo, frequentemente ministro palestras na Escola da Magistratura, que tem um alcance bastante expressivo entre juízes e servidores do Judiciário. Também mantemos uma presença constante junto à comunidade jurídica, especialmente entre os advogados. Aliás, hoje mesmo, por coincidência, darei uma palestra no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), justamente com esse objetivo de fortalecer esse diálogo.

Buscamos essa aproximação, porque entendemos que o advogado é, muitas vezes, o primeiro ponto de contato do cidadão com o mundo jurídico. Por isso, é importante que eles conheçam bem as possibilidades e soluções oferecidas pelos cartórios, para que possam orientar melhor seus clientes.

Assim, a nossa atuação é bastante ampla nesse sentido, sempre voltada a construir pontes entre os cartórios, o Judiciário e os demais profissionais do Direito, aproximando cada vez mais o serviço extrajudicial da sociedade.

ANOREG/RJ – O sr. também é diretor da Escola Nacional de Notários e Registradores (Ennor). Como a capacitação tem transformado a atividade notarial e registral?

Alexis: A escola tem uma atuação em nível nacional, o que nos leva a adotar um formato principalmente virtual, justamente para alcançar profissionais de todas as regiões do país. Nosso país tem dimensões continentais, então o formato online é essencial para garantir o acesso de todos. A escola realiza uma série de cursos — parte deles gratuitos e disponíveis no canal do YouTube da Ennor, e outros cursos pagos, que ajudam a manter a estrutura da instituição. Além disso, promovemos lives mensais com interação direta com o público, nas quais tratamos de temas relevantes do Direito Notarial e Registral. As pessoas podem enviar perguntas e participar das discussões, o que torna o aprendizado ainda mais dinâmico.

ANOREG/RJ – Seu novo livro (“Teoria dos Contratos Imobiliários: Um Estudo Comparado Brasil e Espanha”, recém lançado pela YK Editora) trata da teoria da imprevisão aplicada aos contratos imobiliários. O que o motivou a escrever sobre esse tema?

Alexis: A obra nasceu de um estudo iniciado durante a pandemia, quando surgiram inúmeros pedidos de revisão contratual. Mas o tema vai além desse contexto. O Brasil é um país historicamente instável, o que afeta diretamente contratos de longa duração, como os imobiliários: são locações de anos ou financiamentos que chegam a 20 ou 30 anos. Em um cenário tão imprevisível, é natural questionar quando um contrato pode ou não ser revisto.

O livro busca justamente delimitar esses critérios, analisando as bases jurídicas da teoria da imprevisão e sua aplicação prática no Direito brasileiro. Como dizia Heráclito, “não se entra duas vezes no mesmo rio”, ou seja, as circunstâncias mudam, mas nem toda mudança justifica uma revisão.

A pesquisa também faz um paralelo com a Espanha, que viveu um grande boom imobiliário nas décadas de 1990 e 2000, seguido da crise de 2008, quando milhares de financiamentos foram abandonados. Esse episódio levou o país a discutir intensamente a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos imobiliários.

A comparação mostra como Brasil e Espanha enfrentam, cada um à sua maneira, o desafio de equilibrar segurança jurídica e realidade econômica. A ideia é contribuir para um debate atual e necessário sobre como o Direito pode responder às transformações do mercado imobiliário.

ANOREG/RJ – Como membro do Fórum Permanente de Direito Notarial e Registral da Emerj, quais são, na sua visão, os debates mais relevantes hoje?

Alexis: Um dos temas mais importantes — e que continua muito presente — é a desjudicialização, ou seja, a transferência de determinados procedimentos do Poder Judiciário para o âmbito extrajudicial. Esse movimento tem se mostrado extremamente positivo para a sociedade.

Tivemos vários marcos nesse processo. Um dos primeiros foi a Lei nº 9.514, de 1997, que introduziu a execução extrajudicial da alienação fiduciária de bens imóveis. Depois, em 2004, veio a retificação de área extrajudicial (Lei nº 10.931/2004), que resolveu um problema prático antigo: antes, se a metragem do imóvel não coincidia com a da matrícula, era preciso ingressar com uma ação judicial. Hoje, essa correção é feita de forma simples e rápida no cartório, o que impacta até questões como o cálculo do IPTU ou a valorização do bem.

Outro avanço importante foi a Lei nº 11.441/2007, que permitiu a realização de inventários, partilhas e divórcios consensuais diretamente em cartório. Antes disso, mesmo casais de comum acordo precisavam entrar com uma ação judicial — o que tornava o processo mais lento e desgastante.

Hoje, se toda a documentação estiver em ordem, um divórcio extrajudicial pode ser concluído em questão de horas. E o mesmo vale para o inventário, que antes podia levar anos na Justiça. Já vi casos em que o inventário e a partilha foram concluídos e registrados em apenas um mês após o falecimento — algo impensável há alguns anos.

Esses exemplos mostram como a desjudicialização tem tornado os procedimentos mais céleres, menos burocráticos e menos traumáticos, especialmente em temas sensíveis, como o inventário. Além de aliviar o Judiciário, ela oferece ao cidadão uma solução mais humana, eficiente e acessível.

ANOREG/RJ – Quais são os próximos desafios para o setor extrajudicial?

Alexis: Eu destacaria três frentes: Primeiro, educar continuamente a população sobre tudo o que pode ser feito em cartório. Segundo, garantir a excelência técnica dos serviços, especialmente com o avanço da digitalização. E terceiro, acolher os novos colegas que ingressam por concurso público, ajudando-os na integração com os sistemas eletrônicos e na adaptação às práticas cotidianas da atividade.

“Saber que melhoramos a vida das pessoas e criamos oportunidades de desenvolvimento é, sem dúvida, o que me inspira todos os dias” – (Alexis Mendonça Cavichini Teixeira de Siqueira)

PINGUE-PONGUE

Nome Completo: Alexis Mendonça Cavichini Teixeira de Siqueira

Cidade: Rio de Janeiro. Nasci e cresci aqui, e tive a sorte de ser aprovado em concurso na minha própria cidade. Então, para mim, não existe lugar melhor no mundo. Apesar dos desafios que todos conhecemos, o Rio continua sendo, sem dúvida, o meu lugar preferido.

Time: Botafogo

Livro: “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway. Ele tem uma escrita direta, precisa e fluida, consegue usar as palavras certas com maestria. Tento me inspirar nisso: claro que, no texto jurídico, há termos técnicos inevitáveis, mas busco sempre essa clareza e objetividade.

Filme: “O Poderoso Chefão” (1972, dir. Francis Ford Coppola)

Uma inspiração: Minha inspiração sempre vem de fazer o melhor trabalho possível e de ver as coisas acontecerem de forma correta. Isso me motiva todos os dias e me faz acordar alegre, pronto para trabalhar. Ver resultados concretos do nosso trabalho é extremamente gratificante. Saber que melhoramos a vida das pessoas e criamos oportunidades de desenvolvimento é, sem dúvida, o que me inspira todos os dias.

Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/RJ