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ANOREG/PR entrevista presidente da Comissão Nacional dos Notários e Registradores do IBDFAM para falar sobre o papel dos Cartórios no reconhecimento da identidade de gênero
A possibilidade de alterar o nome ou sobrenome no Brasil é um direito assegurado pela legislação e pode ser realizada tanto em Cartório quanto por via judicial, dependendo das circunstâncias. No Paraná, mais de 2.500 mudanças de nome foram registradas desde a entrada em vigor da nova legislação, que ampliou os casos passíveis de alteração diretamente nos Cartórios.
Os recentes casos envolvendo os filhos de Cristian Cravinhos e Elize Matsunaga, ambos ligados a crimes de grande repercussão, trouxeram novamente a discussão sobre a exclusão de sobrenomes paternos ou maternos em razão de associação a atos criminosos. Essas situações, no entanto, exigem um processo judicial, principalmente por envolverem menores de idade e pela tentativa de exclusão de sobrenomes sem vínculo com casamento ou divórcio.
No entanto, existem situações em que a mudança de nome pode ser realizada de forma extrajudicial, diretamente em Cartório. Um exemplo é a correção de erros gramaticais ou de grafia que gerem constrangimento ou dificultem a pronúncia do nome. Além dos casos de correção de grafia e exclusão de sobrenomes relacionados a situações específicas, outra importante vertente do direito à mudança de nome envolve pessoas transgênero. A possibilidade de adequar o nome e o gênero no registro civil é fundamental para assegurar o reconhecimento da identidade de pessoas trans, promovendo respeito, dignidade e inclusão social.
No Brasil, a alteração do nome e gênero para pessoas trans pode ser realizada extrajudicialmente desde que sejam apresentadas as documentações exigidas, sem a necessidade de processos judiciais longos e custosos, conforme decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Paraná, Cartórios têm se mostrado preparados para atender a essas demandas, aplicando a legislação com sensibilidade e agilidade. A mudança do nome e gênero no registro civil representa o reconhecimento legal de uma identidade que respeita a pessoa em sua totalidade.
Segundo Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional dos Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), embora o país tenha avançado, ainda existem lacunas importantes a serem preenchidas. “O direito à autodeterminação de gênero foi reconhecido como manifestação legítima da personalidade humana, desvinculada de qualquer caráter patologizante, e isso foi um divisor de águas na história dos direitos civis no país. No entanto, ainda carecemos de uma lei federal específica que trate da identidade de gênero de forma ampla, clara e acessível, especialmente no que diz respeito à inclusão de pessoas não-binárias e intersexo, que ainda seguem invisibilizadas pela estrutura binária predominante dos documentos civis.”
A presidente também destaca a importante função do sistema cartorário no reconhecimento dos direitos de pessoas trans. “O sistema registral brasileiro, ao assumir a competência para os pedidos de alteração de nome e gênero com base na autodeclaração, passou a exercer um papel essencial na promoção da dignidade das pessoas trans. Esse é um modelo bem-sucedido de desjudicialização e acesso à cidadania plena.”
A importância dos Cartórios vai além do aspecto formal. Para Fidelis, a regularização documental impacta diretamente o acesso a direitos básicos. “Ao garantir, de forma célere e segura, a adequação do registro civil à identidade de gênero declarada pelo indivíduo, os registradores civis contribuem para que essas pessoas possam viver sua verdade de forma íntegra, sem a dor da incongruência documental. A regularização dos documentos não é apenas uma questão simbólica — ela impacta diretamente a efetividade de direitos constitucionais, como o acesso ao trabalho formal, à matrícula em instituições de ensino e ao atendimento digno em serviços de saúde.” Ela reforça o papel social dos registradores: “O registrador civil deixa de ser visto socialmente apenas como um técnico do direito e passa a ser reconhecido como um agente direto de inclusão, igualdade e justiça social.”
Apesar dos avanços já conquistados no âmbito extrajudicial, Márcia defende a ampliação das possibilidades legais para que os Cartórios possam atuar ainda mais como agentes de cidadania e inclusão, sempre com segurança jurídica e respaldo normativo. “O Cartório pode — e deve — ser um espaço de reconhecimento da pluralidade familiar, desde que respeitados os princípios da boa-fé, da afetividade, da dignidade da pessoa humana e da parentalidade responsável.”
Fonte: Anoreg/BR