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TJ/SP reafirma validade de venda de fração ideal com divisão, mas exige regularização ambiental no CAR

11-04-2025

Apelação n° 1000002-36.2024.8.26.0058

 

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000002-36.2024.8.26.0058

Comarca: AGUDOS

 

PODER JUDICIÁRIO

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

 

Apelação n° 1000002-36.2024.8.26.0058

 

Registro: 2025.0000334737

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000002-36.2024.8.26.0058, da Comarca de Agudos, em que é apelante GERALDO RICARDO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AGUDOS – SP.

 

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

 

São Paulo, 1º de abril de 2025.

 

FRANCISCO LOUREIRO

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000002-36.2024.8.26.0058

 

APELANTE: Geraldo Ricardo

 

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Agudos – SP

 

VOTO Nº 43.729

 

Direito Registral – Dúvida – Registro de Imóveis – Propriedade em condomínio – Escritura de venda e compra de fração ideal de cota parte de imóvel rural com destaque da área negociada e adequação do percentual da propriedade cabente aos condôminos da área remanescente – Negócios sucessivos materializados em instrumento único – Princípio da continuidade não violado – Necessidade de retificação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – Afastamento de um dos óbices apresentado pelo registrador, mantida a outra exigência – Apelação não provida.

 

  1. Caso em Exame

 

1.Apelação interposta pelo comprador contra sentença que manteve a recusa de registro de escritura de compra e venda de parte destacada de imóvel. O apelante argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação e defende a regularidade do registro pretendido, argumentando que a área adquirida pertence exclusivamente à condômina vendedora e que todos os condôminos anuíram ao negócio. Ainda, alega ser desnecessária a retificação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

 

  1. Questão em Discussão

 

  1. A questão em discussão consiste em verificar se o registro pretendido fere o princípio da continuidade e se há necessidade de retificação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

 

III. Razões de Decidir

 

3.A sentença recorrida está suficientemente fundamentada.

 

  1. A escritura pública de compra e venda e divisão está em conformidade com o poder de disposição da alienante e contou com a anuência de todos os condôminos, o que afasta a ofensa ao princípio da continuidade registral. No entanto, a inscrição no CAR é obrigatória e o documento apresentado não é suficiente para afastar a necessidade de retificação da inscrição.

 

  1. Dispositivo e Tese

 

  1. Apelação não provida.

 

Tese de julgamento: 1. A preliminar de nulidade da sentença merece ser afasta, pois suficiente a fundamentação apresentada. 2. Possibilidade de registro de negócio jurídico concentrado de venda e compra de fração ideal de cota parte com divisão do imóvel. 3. A inscrição no CAR é obrigatória e deve ser regularizada para o registro do título.

 

Legislação Citada:

 

Lei nº 12.651/2012, art. 29, §3º.

 

Jurisprudência Citada:

 

TJSP, Apelação Cível 1002085-65.2023.8.26.0347, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 25.07.2024.

 

Trata-se de apelação interposta por Geraldo Ricardo contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Agudos/SP, que manteve a recusa de registro de escritura de compra e venda relativa a parte destacada do imóvel matriculado sob nº 18.050 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 63/64).

 

Preliminarmente, argui o apelante a nulidade da sentença recorrida, por ausência de fundamentação e não apreciação da integralidade dos argumentos apresentados. No mérito, sustenta, em síntese, que não há óbice ao registro pretendido, pois a parte destacada do imóvel que lhe foi alienada corresponde a uma parcela da área pertencente exclusivamente à vendedora Emiliana Barbosa Rabelo.

 

Alega ser desnecessária a prévia divisão amigável ou desmembramento do imóvel, tendo em vista que os demais condôminos compareceram e anuíram com o ato praticado, com a consequente extinção parcial do condomínio. Nega haver violação ao princípio da continuidade registral e defende a regularidade da inscrição do imóvel junto ao Cadastro Ambiental Rural – CAR/SICAR, como consta no “Recibo de Inscrição do Imóvel Rural no CAR”, em que há a expressa indicação de área de Reserva Legal. Subsidiariamente, assevera que o imóvel possui área inferior a quatro módulos fiscais e, por isso, não há obrigação de constituição de Reserva Legal, nos termos do art. 67 da Lei nº 12.651/2012 (fls. 68/76).

 

Manifestação do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Agudos/SP (fls. 80).

 

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 96/98).

 

É o relatório.

 

Desde logo, há que ser afastada a alegada nulidade da decisão recorrida, pois, ainda que sucinta, a fundamentação apresentada justifica a conclusão a que chegou o MM. Juiz Corregedor Permanente. No mais, a discordância apresentada em relação ao resultado do julgamento diz respeito, em verdade, ao próprio mérito do processo de dúvida e assim será apreciada.

 

O apelante, por meio de escritura pública de compra e venda lavrada em 03 de junho de 2022 (fls. 12/20) adquiriu “parte ideal de 6,0742 hectares da matrícula, correspondente a 37,38153262929867% da matrícula, em comum na área maior do seguinte imóvel rural (…). A outorgante vendedora declara que VENDE AO OUTORGADO COMPRADOR, DESTACADO DO IMÓVEL ACIMA DESCRITO (ÁREA MAIOR DESCRITA NA MATRÍCULA 18.050, Livro 02, do Registro de Imóveis da Comarca de Agudos-SP), o seguinte imóvel rural, localizado no Distrito de Domélia, Município e Comarca de Agudos-SP, conforme Memorial Descritivo firmado em Santa Cruz do Rio Pardo-SP, em 21 de fevereiro de 2022, pelo Técnico Agrimensor – Evaldo Nogueira – CRT/SP 60761164804 – TRT CFT 2201650309: Gleba 2B – Descrição: Uma Gleba de Terras, denominado Sítio Boa Vista I, identificada como Gleba 2B, (com a área de 6,0742 hectares)”.

 

O registrador negou o registro do título, apresentando a seguinte nota devolutiva (fls. 41/42):

 

“1-) Se a intenção dos proprietários é realizar o desdobro de uma área de 6,0742 hectares para alienação, será necessário constar da escritura como vendedores ambos os proprietários constante da matrícula, uma vez, que são proprietários em comum (condôminos) e a escritura não pode localizar a área alienada como sendo de apenas um dos proprietários e apresentar a descrição da área alienada e remanescente como sendo a área de apenas um proprietário como se já tivesse ocorrido a extinção de condomínio, já que esta não ocorreu e o imóvel todo pertence à ambos os proprietários em comum como fica declarado na própria escritura pública. Princípio da continuidade e artigos 236 e 237 da Lei 6015/73.

 

Neste caso a parte ideal entre os condôminos não se altera já que ocorreu a venda de parte certa de 6,0742 hectares em comum dos proprietários e a área remanescente de 10,175 hectares permanecerá em comum para os proprietários nas mesmas proporções constantes da matrícula. Se houvesse mudança nas partes ideais estaria ocorrendo alienação de parte ideal entre os condôminos sendo necessário escritura pública para tal e recolhimento de respectivo imposto.

 

2-) Agora, caso esteja ocorrendo alienação de parte ideal, e ao que parece não ser este o caso já que foi apresentado memorial descritivo, mapa de desdobro e ainda requerimento constante da escritura pública para a realização do desdobro, da escritura não poderá constar a descrição da área desdobrada, remanescente e a quantidade de área alienada, como consta da mesma. Constará a alienação de uma parte ideal de 37,38153262929867%. E constará como vendedor apenas a proprietária Emiliana Barbosa Rabelo e anuente da alienação o Sr. Edilso e sua mulher já que ao que parece apenas a proprietária Emiliana estaria alienando um percentual de sua parte ideal.

 

3-) Finalmente, desejando realizar a venda de parte certa de 6,0742 hectares de parte pertencente apenas a propriedade de Emiliana Barbosa Rabelo e tendo a mesma como única vendedora será necessário prévia divisão amigável entre os coproprietários constantes da matrícula 18.050.

 

4-) Apresentar cadastro junto ao CAR área de reserva legal referente ao imóvel constante da escritura, devidamente especializado e para as áreas desmembrada e remanescente, nos termos do provimento 25/2023 CGJ. O CAR apresentado não apresenta indicação da área de reserva legal e está pendente de atendimento de notificação pelo proprietário.

 

5-) Houve outras alienações da área remanescente apurada neste título e constantes do mesmo e que anteriormente foram objeto de apresentação nesta serventia e também resultaram em nota de devolução. Sendo que neste momento as partes apresentam apenas um título que é o presente sendo emitida nota de devolução.”

 

O MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial manteve a negativa de registro, confirmando os óbices apresentados pelo registrador.

 

Na matrícula nº 18.050 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Agudos/SP (fls. 27/29), o imóvel está assim descrito: “uma gleba de terras, denominada Sítio Boa Vista I, identificada como Gleba 2, com a área de 16,2492 hectares, resultante da divisão amigável do Sítio Boa Vista I”, figurando como proprietários Emiliana Barbosa Rabelo, com a parte ideal de 57,8439% (9,3991709988 hectares), e Edilso Aparecido Rabelo, casado com Marta Aparecida do Carmo da Silva Rabelo, com a parte ideal de 42,1561% (6,8500290012 hectares).

 

Da escritura pública de compra e venda (fls. 12/20) extrai-se que, com a anuência do condômino, Emiliana Barbosa Rabelo alienou para Geraldo Ricardo, ora apelante, uma parte ideal de sua cota parte, correspondente a 37,38153262929867% (6,0742 hectares), permanecendo com a titularidade do restante da parte ideal que lhe cabia (20,46236737070133% ou 3,3249709988 hectares). Edilso Aparecido Rabelo, casado com Marta Aparecida do Carmo da Silva Rabelo, manteve sua cota parte de 42,1561% (6,8500290012 hectares) do imóvel.

 

No mesmo título, consignaram as partes a intenção de dividir amigavelmente o imóvel, desmembrando, destacando e alienando uma área de 6,0742 hectares, que passaria a pertencer exclusivamente ao adquirente Geraldo Ricardo, ora apelante, alterada a denominação desta gleba destacada para “Sítio Santa Tereza” (Gleba 2B). A área remanescente de 10,175 hectares (Gleba 2A), resultante da soma da fração ideal não alienada pela coproprietária Emiliana Barbosa Rabelo com a integralidade da fração ideal do coproprietário Edilso Aparecido Rabelo, casado com Marta Aparecida do Carmo da Silva Rabelo, permaneceu sob a titularidade de ambos, agora na proporção de 32,67784765405405% (3,3249709988 hectares) para ela e de 67,32215234594595% (6,8500290012 hectares) para ele.

 

Cabe ressaltar, nesse ponto, que não houve transferência de partes ideais entre os condôminos. Em verdade, a alteração dos percentuais cabentes aos coproprietários do imóvel matriculado sob nº 18.050 decorre da venda celebrada por Emiliana Barbosa Rabelo ao comprador Geraldo Ricardo, ora apelante.

 

A intenção das partes de alienar parcela do imóvel e, no mesmo ato, promoverem sua divisão amigável e desmembramento indica tão apenas que negócios jurídicos lícitos e distintos foram materializados em um único instrumento. Ademais, a identificação e localização da área certa destacada foi deliberada por todos os proprietários do imóvel, em recíproca anuência.

 

A propósito, foi recentemente decidido que:

 

“REGISTRO DE IMÓVEIS. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA. REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA E DIVISÃO. PROPRIEDADE EM CONDOMÍNIO INDIVISO. VENDA E COMPRA DA COTA PARTE COM DESDOBRO E DESMEMBRAMENTO. NEGÓCIO JURÍDICO CONCENTRADO. ALIENAÇÃO DAS FRAÇÕES DENTRO DA DISPONIBILIDADE DE CADA TITULAR. PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E CONTINUIDADE PRESERVADOS. ÓBICE AFASTADO. DÚVIDA IMPROCEDENTE. APELAÇÃO PROVIDA. (TJSP; Apelação Cível 1002085-65.2023.8.26.0347; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Matão – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2024; Data de Registro: 01/08/2024).

 

Sendo assim, tão apenas sob esse aspecto, não há justificativa para obstar o ingresso do título ao fólio real.

 

De fato, como consignei no voto proferido na apelação acima referida, que tratava de caso bastante semelhante, oriundo da mesma Comarca, também aqui a proprietária Emiliana Barbosa Rabelo alienou parcela inferior daquilo que detinha de seu percentual do imóvel rural e anuiu, em conjunto com os demais proprietários, Edilso Aparecido Rabelo, casado com Marta Aparecida do Carmo da Silva Rabelo, com o desdobro e remanescente da área alienada, observando-se o encadeamento de titularidade do registro.

 

Em outras palavras, a identificação e localização da área certa desmembrada foi deliberada por todos os proprietários do imóvel, em recíproca anuência, como se extrai da escritura pública de compra e venda (fls. 12/20) e do memorial descritivo (fls. 21/26).

 

Respeitado, pois, o princípio da continuidade, certo que o imóvel está matriculado em nome de todos os outorgantes que participaram dos negócios.

 

Há, in casu, negócios jurídicos sucessivos, que poderiam ser materializados em instrumentos separados ou em instrumento único. Optaram as partes por consolidá-los em uma única escritura pública, sem que isso configure qualquer afronta aos princípios registrais da continuidade ou especialidade.

 

Primeiro, qualifica-se o negócio de compra e venda de partes ideais de um imóvel perfeitamente individualizado. Em seguida, procede-se à divisão do imóvel em condomínio, conforme os respectivos quinhões constantes do título. São registros e averbações sucessivas e encadeadas, bastando seguir a ordem lógica dos negócios jurídicos.

 

Não podem ser confundidos dois institutos distintos. Um é o negócio jurídico. Outro é o seu instrumento. Nada impede que em um único instrumento se celebrem um ou mais negócios jurídicos, que serão qualificados pelo registrador em ordem lógica sucessiva.

 

Nesse cenário, não subsiste o primeiro óbice apresentado pelo Oficial, na medida em que o título qualificado está em conformidade com o efetivo poder de disposição da alienante, de acordo com a titularidade formal a ela atribuída. A escritura pública de compra e venda acusou a aquisição não de parte ideal em condomínio, mas já efetivou a individualização dos imóveis de acordo com as respectivas frações, em negócio jurídico concentrado.

 

No entanto, a segunda exigência formulada pelo Oficial não pode ser afastada.

 

A inscrição da área desmembrada, assim como da área remanescente junto ao Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – CAR/SICAR decorre de expressa previsão legal (art. 29, §3º, Lei n.º 12.651/2012):

 

” Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

 

(…)

 

  • 3º A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais.”

 

Nesse sentido, o documento apresentado pelo apelante ao Oficial não é suficiente para afastar o óbice, eis que consta a informação de existência de pendência a ser sanada – “Analisado – aguardando atendimento a notificação” (fls. 54/58).

 

Em suma, mantido um dos óbices apresentados pelo Oficial, persiste a qualificação negativa do título.

 

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

 

FRANCISCO LOUREIRO

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.04.2025 – SP)

 

Fonte: DJE