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ConJur – Artigo: Meus bens pessoais podem responder pelas dívidas da minha empresa? – Por Marilza Tânia Ponte Muniz Feitosa e João Vitor Sampaio Silva

23-11-2022

Muito é questionado no meio empresarial se os sócios devem responder com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa. Mas afinal, o que acontece com uma sociedade caso fique sem recursos para pagar seus credores ou seus empregados? De quem será a responsabilidade? Será retirada do patrimônio de seus sócios?

1. Tipos societários

A resposta para os questionamentos apresentados varia de acordo com o tipo societário da empresa a qual o sócio esteja exercendo sua função.

1.1. Empresário individual/MEI

O empresário individual, enquanto estiver inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, não é considerado pessoa jurídica, pois equivale a um comerciante exercendo atos de comércio individualmente.

Acerca da personalidade do empresário individual, ao contrário do que se verifica em relação às sociedades empresariais, não há distinção entre o empresário individual e a pessoa jurídica que exerce a atividade empresarial, o sujeito é um só, a empresa é exercida por ele, o nome empresarial o identifica e os bens são de sua titularidade.

Tanto a titularidade negocial como a responsabilidade patrimonial são da própria pessoa física que explora a atividade empresária. Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens particulares pelas obrigações que assumiu, quer civil, quer comercial. Tendo em vista a inexistência de distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa física respectiva, a constrição de bens do patrimônio pessoal não necessita da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

No caso de empresa constituída no formato Microempreendedor Individual (MEI), o titular responde diretamente com seu patrimônio pessoal pelas dívidas e obrigações da empresa.

Portanto, nada impede que se proceda a penhora do patrimônio da empresa individual para garantir o pagamento de dívidas contraídas pela empresa.

1.2. Sociedade limitada

No caso de uma sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social nos termos do artigo 1.052 do Código Civil Brasileiro.

Isso significa que, em geral, se integralizado totalmente o capital social da empresa, o sócio não terá responsabilidade perante terceiros.

Ou seja, se o capital for integralizado, os sócios não respondem com seu patrimônio, salvo casos específicos, pelas obrigações da sociedade.

Se não for integralizado por um, alguns ou todos os sócios, estes responderão com seu patrimônio pelas obrigações da sociedade.

Porém, quando devidamente integralizado, os sócios não podem ser responsabilizados pelos prejuízos do negócio que ultrapassem suas quotas de participação. Portanto, a responsabilidade dos sócios é proporcional ao capital investido, mesmo que todos respondam solidariamente pelo capital total.

Sendo assim, o patrimônio social da empresa não se confunde com o patrimônio individual dos titulares, que fica resguardado em caso de falência, débitos ou disputas judiciais da empresa.

2. Exceções à regra das Ldta

Embora a sociedade limitada, como próprio nome já diz, seja de responsabilidade limitada, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, nos casos previstos em lei.

2.1 Desconsideração da personalidade jurídica

2.1.1. Teoria maior

A desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil, em seu artigo 50, é conhecida pelos doutrinadores e pela jurisprudência como a chamada “Teoria Maior”.

Essa teoria alega a tese de que para que ocorra o afastamento da personalidade jurídica e afetação direta do patrimônio dos sócios, ou o inverso dependendo do caso, é necessário que esteja devidamente comprovado a ocorrência de atos fraudulentos que foram cometidos comprovadamente com o intuito de prejudicar credores.

Conforme o artigo 50 do Código Civil, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz deliberar, a requerimento da parte intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

No mencionado artigo 50 do Código Civil, vemos duas possibilidades da desconsideração: desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Desvio de finalidade:

Desvio de finalidade ocorre nos casos em que a empresa é utilizada para finalidade distinta daquela para a qual foi fundada, por meio de atos de fraude realizados pelos sócios em prejuízo de terceiros.

Confusão patrimonial:

Em linhas gerais, a confusão patrimonial acontece quando há uma mistura entre os caixas da empresa com o caixa particular dos sócios, ou seja, é a movimentação inadequada e sem explicação entre as contas bancárias do sócio e a conta da pessoa jurídica.

A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica.

2.1.2. Teoria menor

Código de Defesa do Consumidor

A desconsideração da personalidade jurídica trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, nos apresenta o que os doutrinadores chamam de Teoria Menor da desconsideração, que aborda um procedimento inúmeras vezes mais agressivo à empresa inadimplente do que a Teoria Maior do Código Civil.

Isso ocorre pelo fato de que a Teoria Menor, visando a proteção dos consumidores hipossuficientes, adotou um procedimento de que o mero inadimplemento, obstrução ou dificuldade no adimplemento e abuso de direito em face do consumidor, cometido pelo fornecedor, já é motivação suficiente para que a personalidade jurídica seja devidamente afastada e os sócios respondam solidariamente pelo débito em questão.

Relações trabalhistas

Após a reforma trabalhista, o processo do trabalho passou a contar com regulamento específico sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, atualmente previsto no artigo 855-A da CLT.

Sobre o emprego da desconsideração da personalidade jurídica, ela consiste na aplicação do instituto pelo mero inadimplemento de crédito de natureza alimentar por pessoa jurídica. Isto é, há uma clara posição jurisprudencial de mitigação da limitação da responsabilidade empresarial e do princípio da autonomia patrimonial.

Enfim, é possível verificar que a reforma trabalhista trouxe importantes avanços, principalmente ao prever o regulamento sobre tal instituto, de modo a garantir a aplicação de princípios constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório.

2.2.3. Prática de ato ilícito

Fraude

A fraude é observada nos casos em que a pessoa jurídica é utilizada para a prática de algum negócio jurídico que será feito de forma ilícita, burlando a lei ou prejudicando terceiros.

Essas obrigações são de caráter individual, ou seja, aquele que cometeu ato ilícito responderá como pessoa física, devendo o infrator que causou danos repará-los com seu patrimônio pessoal. Inclusive, o sócio pode ser obrigado a reparar os danos possivelmente causados à própria sociedade.

3. A impenhorabilidade do bem de família

A impenhorabilidade do bem de família é um direito previsto pela na Lei 8.009, de 29 de março de 1990. A lei determina que, em caso algum membro do corpo familiar adquira dívidas, o imóvel residencial próprio não possa ser penhorado para pagamento destas. Tais dívidas podem ser de qualquer natureza, incluindo as da empresa.

Assim, mesmo que a família passe por alguma dificuldade, a lei garante que sua residência ou os bens necessários para uma vida digna não serão afetados, muito menos retirados para pagamento de dívidas. Além disso, a impenhorabilidade do bem de família não protege somente a residência, mas também equipamentos necessários à família, pensando exatamente na proteção dos seus membros.

4. Regras da impenhorabilidade dos bens de família

A impenhorabilidade da residência se dá em razão da proteção necessária para que a família não fique sem sua moradia. No entanto, tal segurança para o devedor não pode servir para se esquivar de adimplir com seus débitos e lesar o credor.

Para isso, a lei regula apenas a garantia do imóvel residencial, desde que o devedor ali resida. Contudo, ao possuir diversos outros bens imóveis, somente o de menor valor deve ser considerado como bem de família. E se há interesse que seja o de maior valor, o dono deve promover a instituição voluntária no cartório de registro de imóveis.

5. Decisão inédita do STJ sobre penhora do bem de família do fiador

O Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legitimidade da penhora de bens de família do fiador dado em garantia em contrato de locação de imóveis, independentemente de a locação ser residencial ou comercial. Isso significa que, a partir disso, juízes e tribunais de todo o país poderão aplicar esse mesmo entendimento em processos judiciais que envolvam a questão. Para o STJ, um fiador, no pleno exercício do seu direito de propriedade, pode afiançar, por escrito, um contrato de locação, abrindo mão, de livre e espontânea vontade, da impenhorabilidade que protege o seu bem de família.

Conclusão

Diante do exposto, é muito importante a escolha do tipo societário no início das atividades da empresa.

Caso seja uma sociedade limitada, como vimos, em regra os bens pessoais dos sócios não respondem pelas obrigações da empresa. Porém, existem exceções a essa regra, a desconsideração da personalidade jurídica.

Por isso, é fundamental contar com uma boa assessoria de um advogado especialista para garantir segurança jurídica e proteção aos patrimônios pessoais dos sócios.

Referências

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 247, de 11 de fevereiro de 2020. Altera o rol de exceções à penhora previsto na Lei 8.009 de 29 de março de 1990. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B2455B36DE1B9C6B3101F9E08DDE1D4C.proposicoesWebExterno1?codteor=1860367&filename=Avulso+-PL+247/2020. Acesso em: 07 nov. 2022.

Código Civil Brasileiro, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 07 nov 2022

Código de Processo Civil, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 04 nov. 2022

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 04 nov 2022

GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas v 02 – Direito Civil – Direito de Família. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553619665. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619665/. Acesso em: 07 nov. 2022.

STJ, Tribunal confirma validade de penhora do bem de família dado por fiador em garantia de locação comercial ou residencial. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/21062022-Tribunal-confirma-validade-de-penhora-do-bem-de-familia-dado-por-fiador-em-garantia-de-locacao-comercial-ou.aspx. Acesso em 10 nov 2022.

Autores:

Marilza Tânia Ponte Muniz Feitosa é advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Subsecção Sobral e profissional de Compliance Anticorrupção CPC pela LEC e FGV.

João Vitor Sampaio Silva é estagiário no escritório Marilza Muniz Advocacia Empresarial e graduando em Direito pelo Centro Universitário Inta (Uninta).

Fonte: ConJur