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Folha de S.Paulo – Programa paulista de busca de paternidade resolve metade dos casos sem chegar à Justiça
Parceria entre o Ministério Público de SP e Imesc vai realizar três mutirões de coleta de DNA até dezembro
A primeira e única vez que a assistente social Fabiana Carvalho teve contato com o pai foi quando ela tinha 4 anos. Após a morte do avô, o pai deixou São Paulo e nunca mais voltou. Foram mais de três décadas de espera até que ela, enfim, o reencontrasse e pudesse ter o nome dele na certidão de nascimento e no documento de identidade.
“No encontro que eu tive, era como seu eu estivesse com uma caneta e uma folha de papel em branco, pois não sabia nada dele”, diz Fabiana, 43. “Mas hoje tenho o nome do meu pai na certidão de nascimento e no RG.”
Corsino Borges Pinto, pai de Fabiana, foi encontrado pela ação do Ministério Público de SP na cidade de Porteirinha, no norte de Minas Gerais, em 2017. Segundo a assistente social, ele dispensou o exame de DNA e a reconheceu Fabiana como filha legítima. Dois anos depois, elas finalmente se reencontraram.
“Fui até a cidade onde ele estava para ver que estava vivo e poder dizer ‘eu te amo, pai'”, diz Fabiana, que desde então mantém contato frequente com Borges, hoje com 71 anos.
O reconhecimento de paternidade para Fabiana ocorreu por meio do programa Encontre Seu Pai Aqui, uma parceria entre o Ministério Público e o Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo) que tenta diminuir a burocracia encontrada por aquelas pessoas que buscam o reconhecimento de paternidade no estado.
O programa foi lançado em 2016 e, de lá para cá, segundo dados da promotoria, cerca de 12 mil casos já foram atendidos em todo o estado. Por meio dele, 51,5% das questões de paternidade foram resolvidas sem que houvesse necessidade de um processo mais demorado na Justiça.
“A ideia do programa é que a paternidade seja reconhecida de forma consensual, evitando o conflito entre as partes. Não passar pelo Judiciário e fazer ali a composição, estimulando sempre esse reconhecimento espontâneo”, diz a promotora Maria Cecília Alfieri, assessora do Centro de Apoio Operacional Cível.
No programa, a pessoa interessada em realizar o teste de paternidade deve procurar qualquer unidade do Poupatempo no estado e preencher uma ficha indicando o relatado pai —o que Fabiana fez, na unidade de São Bernardo do Campo. A partir daí, o Ministério Público passa a investigar o paradeiro dele.
Quando localizado, o indivíduo é ouvido e, se concordar com a paternidade atribuída, é feita a requisição de averbação na certidão de nascimento do filho, ou então é agendada a realização do exame de DNA.
Se o pai for de outra localidade, é solicitada uma carta precatória para que ele seja ouvido. “Os arranjos familiares vão mudando em uma velocidade muito grande e isso traz consequências para o registro civil. Ele não é apenas uma formalidade, ele vai trazer uma série de outros direitos. É o resgate daquela dignidade e os direitos mais fundamentais da pessoa”, diz Maria Cecília.
Fernando José da Costa, secretário estadual de Justiça e da Defesa da Cidadania, segue na mesma linha. “Além da harmonia familiar, traz legitimidade financeira com relação a direitos sucessórios, patrimônio, pensões alimentícias. Acaba sendo muito importante socialmente e legalmente.”
No último dia 30 de setembro, Ministério Público e Imesc realizaram um mutirão para coleta de exames de DNA, sem a necessidade do agendamento. Segundo o instituto, foram feitas duas solicitações para localização dos pais e 22 coletas de material para DNA .
Esse mutirão será repetido nos dias 20 de outubro, 25 de novembro e 9 de dezembro. Na ação, mãe, filho e o apontado como pai, que estejam de acordo com a realização do exame, devem comparecer juntos à sede do Imesc para a coleta do material de DNA, apresentando documento com foto. A coleta é feita na hora e o resultado sai em cerca de 15 dias.
Se der positivo, os envolvidos serão chamados pela promotoria e encaminhados ao cartório, onde o novo documento será emitido.
“Qualquer pessoa pode ir [ao mutirão] fazer o exame, mesmo não tendo processo judicial, e vai receber o resultado. Estamos abrindo uma oportunidade principalmente para aquela população vulnerável, que não tem como pagar advogado”, diz o secretário.
Caso mãe e filho não estejam acompanhados do suposto pai, eles poderão realizar o atendimento e dar continuidade ao processo no Ministério Público, dentro do mutirão. Se o suposto pai já estiver morrido, a mãe deve comparecer junto com parentes de primeiro grau dele.
“Se mesmo com o exame de DNA a pessoa se recusar a ir, aí, sem dúvida, vai nascer o interesse em uma ação judicial para confirmar a paternidade. Ainda que o exame seja positivo”, diz a promotora.
Segundo Maria Cecília, por causa da pandemia, ficaram represadas muitas demandas, pois o Imesc teve que paralisar as atividades.
De acordo com dados da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), nos sete primeiros meses deste ano, 100.717 crianças foram apresentadas em cartórios por mães solo em todo o país.
Fonte: Folha de S.Paulo