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ConJur – Artigo: Jurisprudência uniforme para notificar devedor com alienação fiduciária – Por Edgar Kindermann Speck
Bastante comum nas operações de empréstimo ou financiamento bancários, a garantia de alienação fiduciária de bem móvel assegura ao credor mais segurança do adimplemento do contrato, diminuindo, em contrapartida, o custo do dinheiro para o tomador do recurso.
Isto porque no caso de inadimplemento das parcelas contratadas, o credor tem o direito de expropriar a garantia liminarmente, mediante o ajuizamento de ação de busca e apreensão, tal como previsto no Decreto Lei nº 911/69, que regula a matéria. Ou seja, primeiro retoma-se o bem, depois discute-se eventuais irregularidades no negócio jurídico entabulado.
Para tanto, faz-se necessário notificar extrajudicialmente o devedor para que o credor comprove que lhe deu ciência da mora, requisito formal indispensável para o ajuizamento da demanda.
Segundo dicção do artigo 2º, §2º do DL 911/69, a notificação “poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário”.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, ao receber o Recurso Especial 1.951.888/RS, determinou a afetação da matéria para uniformização de jurisprudência, tal como se lê no enunciado do Tema Repetitivo 1132: “Definir se, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual, dispensando-se, por conseguinte, que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário”.
Em face disso, em 15/3/2022 o STJ determinou a suspensão do andamento das ações de busca e apreensão em que houvesse discussão sobre o tema, o que acabou gerando bastante confusão nos Tribunais pátrios, vez que em alguns destes Tribunais foi determinada a suspensão indistinta de todas as demandas. Esta decisão foi reconsiderada pelo STJ em 11/05/2022 após manifestação da Febraban, que compareceu aos autos na condição de amicus curiae e alertou para a situação enfrentada.
Em análise aos casos concretos discutidos pelos Recursos Especiais 1.951.888/RS e 1.951.662/RS, afetados para análise do tema, observa-se que a exposição de motivos do mencionado Tema Repetitivo encerra contradição, na medida em que nos referidos Recursos discute-se a validade da notificação encaminhada ao endereço do devedor, mas que retornou sem cumprimento pelo motivo “ausente”.
O que ocorre, na prática, é que os correios se utilizam de algumas rubricas padrões para identificar os motivos pelos quais a correspondência (no caso, a notificação) não foi entregue no endereço indicado, sendo que a jurisprudência se desmembrou em duas vertentes distintas para as situações mais comuns de insucesso do ato: de um lado, as correspondências que não foram recebidas e devolvidas pelos motivos “mudou-se”, “desconhecido”, “endereço insuficiente”, “número inexistente”, “desconhecido”, “recusado”, “não procurado”; e de outro lado, as notificações devolvidas pelo motivo “ausente”.
Praticamente todos os tribunais estaduais já uniformizaram o entendimento acerca do tema: consideram válidas as notificações quando enviadas no endereço declarado pelo devedor no contrato, mesmo quando a correspondência é devolvida pelas rubricas “mudou-se”, “desconhecido”, “endereço insuficiente”, por exemplo, privilegiando os princípios da expedição e boa-fé objetiva, considerando satisfeito o requisito da ciência da mora.
Já as notificações devolvidas pelo motivo “ausente” são consideradas inválidas, pois neste caso presume-se que o devedor ainda reside no mesmo endereço declarado no contrato e, por isso, faz-se necessário concretizar o ato mediante protesto. Considerando que os Tribunais firmaram entendimento no sentido de não ser admitida a correção da notificação após o ajuizamento da ação, pois consideram que a ciência da mora deve se dar antes disso, tal irregularidade resultará na extinção da ação pela ausência de pressupostos válidos.
Contudo, em 1ª instância, são proferidas decisões das mais variadas sobre o tema, o que leva os operadores de direito a adequarem os procedimentos que precedem o ajuizamento da ação de busca e apreensão ao entendimento do magistrado da comarca em que a liminar deverá ser pleiteada, o que não elimina o risco do seu indeferimento, fazendo-se necessário obtê-la apenas em grau de recurso.
Não resta claro, portanto, se o entendimento que se pretende uniformizar diz respeito apenas aos casos em que a correspondência não foi recebida pelo motivo “ausente”, ou se abarcará todas as demais hipóteses acima exemplificadas.
De todo modo, caso o Superior Tribunal de Justiça enfrente detidamente as situações ora apontadas, mostra-se oportuna a uniformização do tema, na medida em que confere mais segurança jurídica ao procedimento de busca e apreensão e norteia o entendimento sobre a matéria a ser adotado pelo Poder Judiciário como um todo.
*Edgar Kindermann Speck é sócio do escritório Araúz Advogados.
Fonte: ConJur