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ConJur – Artigo: Serventia extrajudicial fora dos limites territoriais da delegação é contra legem – Por Samara Léda

20-06-2022

Não pode ato administrativo ampliar a competência territorial para permitir a instalação de serventia extrajudicial em outra área geográfica. A regra definida em lei é a territorialidade, sendo que eventuais exceções também devem ter assento em normativo legal.

Nesse sentido, é cristalino o artigo 9º da Lei 8.935/94 ao determinar que o tabelião está impedido de praticar atos do seu ofício fora dos limites territoriais da delegação: “O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do município para o qual recebeu delegação”.

De igual forma estão as disposições do artigo 12 do referido dispositivo legal: “Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas”.

Seguindo a orientação normativa em debate, o Conselho Nacional de Justiça asseverou ser compulsória a observância das leis de organização judiciária relativas à delimitação da competência territorial de cada delegatário. Assim, não se divisa a possibilidade de instalação de serventia em local diverso de sua competência definida em Lei, vejamos:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. OFÍCIO DE REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS. TERRITORIALIDADE. SUCURSAL. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. 1. Por força da regra da territorialidade, uma vez definidos os limites geográficos de competência de determinada serventia, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça autorizar a instalação de sucursal ou da própria serventia em localidade diversa. 2. A criação de serventias extrajudiciais tem em consideração a necessidade de prestação de serviços notariais e registrais à população e não a garantia de boa rentabilidade para os titulares. 3. Pedido julgado improcedente” (CNJ — PP — Pedido de Providências — Conselheiro — 0001388-74.2014.2.00.0000 — relatora GISELA GONDIN RAMOS — 190ª Sessão Ordinária — julgado em 03/06/2014).

“RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ATUAÇÃO DE OFICIAIS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS COM ATRIBUIÇÕES NOTARIAIS. DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DA ÁREA DE ATUAÇÃO. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. PROVIMENTO CONJUNTO N. 93/2020. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I–Recurso Administrativo interposto contra decisão que não conheceu do Procedimento de Controle Administrativo e determinou seu arquivamento liminar, a teor do artigo 25, X, do Regimento Interno. II–A partir de interpretação razoável e no exercício da autonomia administrativa conferida pela Constituição Federal, o TJMG delimitou geograficamente a área de atuação de cada delegação, observadas as condições locais e regionais e respeitado, no caso dos oficiais de registro civil das pessoas naturais com atribuições notariais, o limite máximo do território do distrito.

III– A Lei nº 8.935/94 estabelece que a atuação dos oficiais de registro civil das pessoas naturais, cujas serventias são localizadas em distritos, se restringe aos limites do distrito, razão pela qual impõe-se obediência à circunscrição territorial definida por lei àquelas serventias com atribuição notarial acumulada, haja vista que a cumulação não as transforma em tabelionatos de notas. IV–A norma impugnada preserva o sistema de acesso às serventias extrajudiciais por meio do concurso público, vedando a atuação que pudesse representar invasão do limite de atuação de outrem. V-O artigo 9º da Lei nº 8.935/94 não confere direito subjetivo à atuação em todo o território do município para o qual os notários receberam delegação, mas veicula regra delimitativa, com caráter negativo, que visa impedir a atuação fora dele. Precedentes. VI– Refoge à competência do CNJ a incursão em matéria que denote ausência de flagrante ilegalidade, estando, neste caso, desautorizada a intervenção excepcionalíssima em questão afeta à autonomia administrativa dos Tribunais. VII–As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida. VIII–Recurso conhecido e não provido” (CNJ — RA — Recurso Administrativo em PCA — Procedimento de Controle Administrativo — 0005525-89.2020.2.00.0000 — relatora FLÁVIA PESSOA — 91ª Sessão Virtual — julgado em 27/08/2021).

Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Precedentes. (…)”. (ADI 2415, relator (a): AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 08-02-2012 PUBLIC 09-02-2012)

Da mesma forma, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 640.812, deixou assente que a criação, extinção, acumulação e desacumulação de delegações depende da edição de lei formal, confira-se:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS PREVIAMENTE CRIADOS POR LEI ESTADUAL. REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. CRIAÇÃO, EXTINÇÃO, ACUMULAÇÃO E DESACUMULAÇÃO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 28.01.2009. 1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. 2. Incabível a interposição do apelo extremo pelo permissivo da alínea “b” do art. 102, III, da Constituição Federal de 1988, deixando o Tribunal de origem de declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. 3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo regimental conhecido e não provido”. (RE 640812 AgR, relator (a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 10- 08-2015 PUBLIC 12-08-2015).

O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 25, inciso XII, estabelece que compete ao Relator deferir monocraticamente pedido em estrita obediência a Enunciado Administrativo ou entendimento firmado pelo CNJ ou pelo Supremo Tribunal Federal.

O dispositivo referenciado autoriza, portanto, aos conselheiros decidirem de forma monocrática em questões que já possuem entendimento consolidado.

Seguindo a prescrição referenciada, nos autos do Procedimento de Controle Administrativo 0006937- 21.2021.2.00.0000, julgado em 02/05/2022, a conselheira Jane Granzoto, em decisão irretocável, julgou monocraticamente improcedente o pedido formulado no processo para autorização de instalação da serventia em outra área geográfica, assinalando que: “o julgamento da pretensão não exige a ponderação de princípios, uma vez que o mérito da controvérsia é dirimido com a aplicação da Lei 8.935/94 e da jurisprudência acerca da matéria”.

Destacou a relatora, ainda, que: “nos certames para outorga de delegações extrajudiciais, a prioridade para escolha das serventias é dos candidatos mais bem classificados. A medida preza pela meritocracia, uma vez que proporciona àqueles que tiveram as maiores notas a possibilidade de optarem por cartórios mais rentáveis e instalados em locais com melhor infraestrutura”.

Nessa perspectiva, inexiste margem para autorização de instalação de serventia fora dos limites territoriais da delegação.

Outrossim, nos concursos públicos para o extrajudicial a posição do candidato na lista de classificação é um diferencial, diferentemente de outros concursos em que o cargo pretendido oportuniza rendimentos semelhantes.

Com efeito, as delegações em tese mais atrativas, segundo o parâmetro de melhor rendimento, são oferecidas aos candidatos mais bem classificados, privilegiando-se o mérito de cada um, o que nos parece ser, de fato, o melhor critério a ser adotado.

A prioridade, portanto, para escolha das delegações é dos candidatos mais bem colocados, proporcionando àqueles que tiveram as maiores notas a possibilidade de optarem por cartórios mais rentáveis e instalados em locais com melhores condições.

Para além disso, é importante considerar que a criação de serventias extrajudiciais tem em consideração a necessidade de prestação de serviços notariais e registrais à população e não a garantia de boa rentabilidade para os titulares. (CNJ — PP – Pedido de Providências — Conselheiro — 0001388-74.2014.2.00.0000 — relatora GISELA GONDIN RAMOS — 190ª Sessão Ordinária — julgado em 03/06/2014).

Ante o exposto, com esteio na lei 8935/94 e na jurisprudência pátria, é contra legem a instalação de serventia extrajudicial fora dos limites territoriais da delegação, configurando flagrante violação à ordem de classificação do concurso público a autorização para atuação fora da competência definida em lei.

*Samara Léda é advogada especialista em Direito Disciplinar, Notarial e Registral, com atuação há mais de dez anos perante o Conselho Nacional de Justiça.

Fonte: ConJur