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IBDFAM – Artigo: Divórcio unilateral – exercício do direito da vontade ligado à dignidade humana – Por Janaina Camargo
Resumo: Com o presente trabalho pretende-se trazer a baila questões fáticas e direitos que permeiam o indivíduo no divórcio, assim como seus efeitos jurídicos diante da impossibilidade do exercício da vontade quanto a permanecer em um casamento que não é mais desejado. Trata-se de um estudo com foco no divórcio unilateral com fundamentação legislativa, jurisprudencial e doutrinária, considerando limitação jurídica individual. Procura-se enfatizar os aspectos que surgem com a vontade de se divorciar, seja sob a perspectiva pessoal e individual, seja sob a perspectiva legal – limitação interpretada pelo ordenamento jurídico brasileiro em situações sociais como “seguir em frente”, exercício da vontade e autonomia, constituir novo matrimônio, alteração do nome no registro civil. Aponta-se a importância do tema para o ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que o tema divórcio teve evolução legislativa, mas ainda há contrariedade a princípios constitucionais e até mesmo a esta evolução.
Palavras-chave: Divórcio extrajudicial. Divórcio unilateral. Dignidade humana. Exercício da vontade. Limitação jurídica.
Abstract: The present work intends to bring up factual issues and rights that permeate the individual in divorce, as well as their legal effects in the face of the impossibility of exercising the will to remain in a marriage that is no longer desired. This is a study focusing on unilateral divorce with legislative, jurisprudential and doctrinal grounds, considering individual legal limitations. It seeks to emphasize the aspects that arise with the desire to divorce, whether from a personal and individual perspective, or from a legal perspective – a limitation interpreted by the Brazilian legal system in social situations as “moving on”, exercise of will and autonomy, form a new marriage, change the name in the civil registry. The importance of the theme for the Brazilian legal system is pointed out, considering that the divorce theme has had legislative evolution, but there is still opposition to constitutional principles and even to this evolution.
Keywords: Extrajudicial divorce. One-sided divorce. Human dignity. Exercise of the will. Legal limitation.
1 Introdução
Com o presente trabalho pretende-se fazer uma breve exploração das limitações jurídicas perante o divórcio, consequentemente, limitação normativa quanto ao instituto e a necessária adaptação normativa – releitura de normas existentes, devido à ausência de legislação específica frente ao desenvolvimento da sociedade.
A ausência de regulamentação ou mesmo a falta de clareza na legislação podem fazer com que o indivíduo que não tem previsão de seu direito fique à margem da sociedade.
O objetivo, pois, é a análise jurídica quanto à regulamentação do divórcio unilateral ou, ainda o divórcio impositivo e a correlação existente com a identidade (nome), a liberdade individual com o direito ao exercício da vontade, bem como com os princípios constitucionais basilares – dentre eles o da dignidade humana, da personalidade, à identidade (pessoal), à liberdade.
Trata-se de um estudo que tem fundamentação legislativa, jurisprudencial e doutrinária, procurando enfatizar os aspectos que surgem com a vontade de se divorciar, seja sob a perspectiva pessoal e individual, seja sob a perspectiva legal – limitações interpretadas pelo ordenamento jurídico brasileiro em situações sociais como “seguir em frente”, constituir novo matrimônio, alteração do nome registro civil.
Serão abordados o casamento, o divórcio e a evolução desses institutos na legislação brasileira; o registro civil ligado à alteração do nome, o divórcio como o exercício de um direito potestativo no âmbito do litígio, uma lacuna normativa.
Justifica-se a escolha do tema em sua grande importância para o ordenamento jurídico brasileiro, vez que as formas de divórcio limitam o indivíduo e estabelecem dependência do Poder Judiciário e da interferência desnecessária do Estado em esfera particular. Assim, o tema merece regulamentação, já que trata do indivíduo no contexto social, havendo reflexo na identidade desse indivíduo(nome/sobrenome) e em sua vivência em sociedade, considerando, assim, o direito constitucional da personalidade e da dignidade humana.
Pretende-se trazer à baila questões fáticas e os direitos que permeiam o indivíduo no divórcio, assim como seus efeitos jurídicos diante da impossibilidade do exercício da vontade de não permanecer mais em um casamento.
2 Noções conceituais
Para melhor entender o divórcio unilateral ou impositivo é preciso compreender o que é o casamento sob a perspectiva legal e social, bem como o que é o vínculo e sociedade conjugal e o divórcio.
O casamento é a união, com vínculo legal, entre duas pessoas que desejam constituir família. Sob análise do Código Civil de 1916, fase de uma sociedade patriarcal, patrimonialista, agrária e extremamente conservadora, admitia-se apenas a família advinda da união entre homem e mulher pelo matrimônio formal, o casamento. As outras uniões eram consideradas imorais e ilegítimas.
A família formada pelo casamento era indissolúvel. Aos casais que optavam por não continuar com o casamento, restava o desquite – fim da sociedade conjugal, separação de corpos e de bens, sem extinguir o vínculo matrimonial. Logo, as pessoas desquitadas, não podiam se casar novamente.
Como afirma Tatiana Beltrão (2017), em 1977 foi sancionada lei que instituiu o divórcio no Brasil. A Lei do Divórcio 6.515/77 permitiu que as pessoas voltassem a se casar no civil e, assim, constituir famílias legítimas perante a lei. A Constituição Federal de 1988 trouxe reconhecimento da família matrimonial, monoparental e da união estável.
Passava a ser considerado o chamado sistema dualista, em que a separação judicial põe termo à sociedade conjugal, ao passo que o divórcio dissolve o próprio vínculo matrimonial. Deste modo, fazia-se a distinção entre terminar e dissolver o casamento.
2.1 Evolução histórica de família e os tipos de família na atualidade
Segundo Christiane Torres de Azeredo (2020), que considera os estudos do antropólogo Lewis Henry Morgan, Engels em seu livro “A origem da família da propriedade privada e do Estado” (1984), conclui que existiu uma época primitiva e tipos de família que existiram ao longo da história. Acredita que foram diversos modelos familiares existentes ao longo da história, cada qual com seus ditames, diretrizes, costumes e práticas.
“A família, diz Morgan, é o elemento ativo; nunca permanece estacionada, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, elo contrário, são passivos só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente (ENGELS, 1984, p. 30)”.
Dentre os diversos modelos de família pode ser verificada inicialmente a família consanguínea compreendida por gerações, e as relações de matrimônio eram realizadas entre esses grupos, sendo considerados todos os avós e avôs, por exemplo, nos limites da família, maridos e mulheres entre si, e assim sucessivamente. Os ascendentes e descendestes eram os únicos excluídos dessas relações, ou seja, irmãos, irmãs, primos, primas e demais colaterais – relações horizontais – eram considerados casais mutuamente, excluindo as relações entre pais e filhos – relações verticais.
Posteriormente, há exclusão das relações conjugais mantidas entre irmãos. Esse regime de matrimônio gerou uniões em que o homem tinha uma mulher “principal”, entre as outras várias mulheres, e vice-versa (ENGELS, 1984, p. 39-48).
De acordo com Engels, (1984, p. 48-66) a união conjugal deixou de se dar entre pares dentro de um grupo conjugal sem compromisso de permanência e passou a se dar entre pares singularizados. Houve exclusão dos parentes próximos e dos parentes distantes, tornando impossível a prática de matrimônio por grupos. Embora o homem nas relações tivesse o “poder da riqueza”, a mulher estava no centro da relação, pois tinha a virtude da maternidade. A mulher tinha o “poder” de falar quem era o pai do seu filho.
A preocupação com a identificação da paternidade e com o direito à herança pela filiação paterna, levou à família patriarcal. Se antes a mulher estava no centro, agora é o homem que detém o poder de toda a família. Prioriza-se pelo status social, pelo poder econômico e não pela relação de afeto.
Como o “poder” estava nas mãos do patriarca, o nascimento do filho homem era valorizado, já que a filha após casar-se passaria a pertencer à família do marido – não sendo considerada como herdeira do pai.
Entendia-se que a única família era a formada pelos sagrados laços do matrimônio e o casamento era indissolúvel. “Aos noivos era imposta a obrigação de se multiplicarem até a morte, mesmo na tristeza, na pobreza e na doença. Tanto que se falava em débito conjugal!” (DIAS, 2015).
Atualmente, a família não decorre somente dos sagrados laços do matrimônio. Pode surgir do vínculo de convívio e não ter conotação de ordem sexual entre seus integrantes. A Constituição Federal ampliou o conceito de entidade familiar, de modo a considerar não só o casamento, mas também a união estável e a chamada família monoparental, constituída por um dos pais com a sua prole.
Além da família monoparenteal e da família constituída por união estável, considera-se, de acordo com Baroni, Cabral e Carvalho (2016), a família matrimonial (formada pelo casamento), informal (formada por uma união estável que não é oficializada), anaparental (família sem pais, formada apenas por irmãos), reconstituída (formada por pais que têm filhos e se separam, e eventualmente começam a viver com outra pessoa que também tem filhos de outros relacionamento), unipessoal (família de uma pessoa só), eudemonista (família afetiva, formada por uma parentalidade socioafetiva).
Os tipos de família possuem amparo legal. Entende-se que a família pode ser formatada de diversas maneiras, mas fundada no afeto entre seus membros. “O casamento perdeu a sacralidade e permanecer dentro dele deixou de ser uma imposição social e uma obrigação legal” (DIAS, 2015).
2.2 Dissolução da sociedade conjugal e dissolução do vínculo matrimonial
Cabe dizer que houve evolução na legislação brasileira quanto ao conceito de família e quanto ao término e dissolução do casamento.
O casamento era considerado indissolúvel, salvo se caso desquite ou anulação/nulidade do matrimônio. Com a Emenda Constitucional 09/1977, foi introduzido o divórcio na legislação brasileira. Posteriormente, surgiu a Lei 6.515/77. Chamada de Lei do Divórcio, considerava além da possibilidade de um único divórcio, considerava o processo de separação para depois chegar ao divórcio, dissolução do vínculo conjugal.
Como afirma Rolf Madaleno (2013, p. 199), a dissolução do vínculo conjugal se daria pela morte, com o divórcio, e com a anulação ou nulidade do casamento. Já a separação colocava apenas termo à sociedade conjugal – impedindo novo casamento.
Na legislação era considerada distinto o terminar, do dissolver o casamento. O instituto da separação não dissolve o casamento, termina a sociedade conjugal. A morte, o divórcio, a anulação ou nulidade do casamento dissolvem o casamento.
A separação era requisito para o divórcio. Exigia-se o processo de separação, que contava com o período de três anos, e neste era feita análise de culpa pelo término do casamento ou ainda exigia-se separação de fato pelo período mínimo de cinco anos.
Diz Maria Berenice Dias (2015):
Veio o divórcio. Antes, porém, era necessário os cônjuges passarem pelo purgatório da separação, que exigia que se identificassem causas, punindo-se os culpados. A liberdade total de casar e descasar chegou somente no ano de 2006.
Com a Constituição Federal de 1988, foram criadas as Leis 7841/89 e 8408/92 que alteraram a Lei do Divórcio. O objetivo foi adequar a Lei à Constituição Federal/88, pois trouxe previsão de que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em Lei ou em caso de comprovação de separação de fato por período superior a dois anos. Mister dizer que a Lei 7841/89 possibilitou que os indivíduos se divorciassem mais de uma vez.
Em 2007 passou a ser considerado o divórcio e separação consensuais de forma extrajudicial em caso de o casal não ter filhos menores ou incapazes.
A Emenda Constitucional 66/2010 suprimiu o instituto da separação do sistema jurídico brasileiro, permanecendo o divórcio como forma de dissolver o casamento civil. Antes da alteração dada pela EC 66/2010, o artigo 226 da Constituição Federal possuía a seguinte redação:
Art.226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º – O casamento civil é gratuita a celebração.
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
§ 3º – Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a conversão em casamento.
§ 4º – Entende-se, também como entidade família a comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes
§ 5º – Os direitos e deveres referente à sociedade conjuga são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após previa separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
Com a Emenda Constitucional 66/2010 o artigo 226, da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação:
Art.226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º – O casamento civil é gratuita a celebração..
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
§ 3º – Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a conversão em casamento.
§ 4º – Entende-se, também como entidade família a comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes
§ 5º – Os direitos e deveres referente à sociedade conjuga são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
Logo, se antes para encerrar o vínculo matrimonial era preciso passar pelo instituto da separação, agora já não é mais preciso. A precedente separação de um casal deixou de ser considerada requisito para o divórcio.
A obrigação de ficar presa “a um casamento até que a morte os separe”, seja pelo medo de ficar à margem da sociedade pelo desquite, seja por não poder se casar novamente ou, ainda, por não ter seu relacionamento e família reconhecidos legalmente e até mesmo pelo desgaste de todo o processo de separação e divórcio, tiram do indivíduo a dignidade humana, a liberdade de agir de acordo com a sua vontade.
Diante das alterações, é possível identificar maior facilidade e agilidade nos processos. Tem-se que a dignidade humana é devolvida quando há a liberdade de agir de acordo com a sua vontade.
2.3 Divórcio
Após a evolução do conceito de família, do casamento e da dissolução do casamento, identifica-se dois principais tipos de divórcio: extrajudicial (consensual) e judicial (litigioso ou consensual).
Como citado anteriormente, desde a edição da Lei 11.441/07, é possível que casais sem filhos menores ou incapazes realizem o processo de divórcio consensual de forma extrajudicial. O pedido de divórcio com detalhes de todo o acerto patrimonial do casal é encaminhado para o Cartório e posteriormente é assinada a escritura pública de divórcio.
Sabe-se que a via judicial pode ser utilizada para a situação de litígio ou de consenso. No divórcio judicial consensual, as partes estão em comum acordo quanto à divisão de bens, guarda de filhos, pensão alimentícia, etc. Há a realização de um pedido único, havendo manifestação do Ministério Público no processo. No divórcio litigioso as partes não estão em comum acordo, no processo há discussão quanto aos pontos anteriormente mencionados ou ainda uma das partes não aceita o fim do casamento.
É sabido que atualmente, com a EC66/2010, as decisões judiciais têm apresentado a decretação do divórcio antes mesmo de serem decididas as demais questões apontadas na ação judicial. Isso, porque a exigência de implementação de condições precedentes ao divórcio foram suprimidas no ordenamento jurídico e não seria “possível” a apresentação de defesa pela outra parte quanto ao pedido específico. Logo, tratando-se de direito potestativo incondicionado, seria incoerente contrariar a economia e celeridade processual, decide-se sobre o divórcio e deixa em “discussão” as outras matérias abordadas na ação judicial.
Nesse sentido, a Assessoria de Comunicação do IBDFAM (2020) publica notícia e entrevista com a juíza Karen Francis Schubert:
A 3ª Vara da Família de Joinville, em Santa Catarina, deferiu pedido de tutela antecipada para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação do réu. A decisão é da juíza Karen Francis Schubert, que admitiu o divórcio como um direito potestativo incondicionado. Não há necessidade de prova ou condição, tampouco de formação de contraditório, sendo a vontade de um dos cônjuges o único elemento exigível.
Neste sentido há decisões no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Processo: Agravo de Instrumento-Cv
1.0000.21.140404-1/0011 404058-92.2021.8.13.0000
Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas
Data de Julgamento: 23/11/2021
Data da publicação da súmula: 23/11/2021
EMENTA: FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECRETAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. DIREITO POTESTATIVO.
– Após a edição da EC nº 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, o divórcio é considerado um direito potestativo, que independe de qualquer outro pré-requisito, podendo ser decretado antes de dirimida a partilha, nos moldes do art. 731 do Código de Processo Civil.
– Dessa forma, o Juiz pode proferir sentença parcial de mérito sem a necessidade de oitiva do outro cônjuge e o processo deve prosseguir em relação às questões de direito que exigem o contraditório.
– Processo: Agravo de Instrumento-Cv
1.0000.21.148822-6/001 1488234-04.2021.8.13.0000
Relator(a): Des.(a) Carlos Levenhagen
Data de Julgamento: 16/12/2021
Data da publicação da súmula: 16/12/2021
Ementa:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIVÓRCIO LITIGIOSO – DECRETAÇÃO EM SEDE DE TUTELA DE EVIDÊNCIA – DIREITO POTESTATIVO – INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 6º, DA CRFB/88 – CABIMENTO – REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA – PROVIMENTO DO RECURSO.
– É cabível a decretação de divórcio em sede de tutela de evidência, haja vista a natureza potestativa do direito reclamado, com fulcro no art. 226, § 6º, da CRFB/88.
– Recurso provido.
3 O divórcio como limitação ao direito de liberdade, à dignidade humana, à identidade (nome), à privacidade, à intimidade
Como visto, ocorreram mudanças relacionadas ao conceito de família, reconhecimento de família e uniões, assim como com relação à dissolução do casamento. Foram muitas mudanças, mesmo que de forma lenta, foram e são significativas para realidade vivida em sociedade.
É possível perceber uma evolução no sentido de priorizar o afeto nas relações, assim como a vontade do indivíduo e sua autonomia em reger sua vida. Tal autonomia tem ligação direta com a dignidade humana quando pensado o livre arbítrio. Ser prisioneiro em um relacionamento já não é mais a perspectiva da legislação brasileira.
Sabe-se que o divórcio e o fim de qualquer relacionamento é doloroso e é de grande impacto para a família de forma geral. Não condicionar o divórcio ou procurar culpados faz com que esse impacto diminua ou pelo menos seja menos doloroso.
O divórcio ou a separação constitui-se como uma crise intensa que inclui diversos movimentos de acomodação a realidades em transformação. É sabido que o divórcio é das crises que mais impacto provoca, desencadeando níveis muito elevados de stress e de sofrimento psicológico. (Mota, 2014)
Pode-se inferir da legislação uma perspectiva do divórcio como direito potestativo, incontroverso. No entanto, o direito que é incontroverso se vê limitado por uma decisão judicial. Apesar de ser possível identificar que há alta probabilidade do deferimento do pedido de divórcio antes da sentença do processo que o considera sob a justificativa de que entende-se pelo direito ao exercício da vontade, tratando-se de direito potestativo, o indivíduo que deseja se divorciar ainda depende de decisão judicial para ter efetividade de seu direito. É eminente que tal direito se vê condicionado à decisão do Poder Judiciário para ser exercido.
Deste modo, o indivíduo que deseja se divorciar se depara com limitação jurídica ao seu direito à liberdade, ao exercício de sua vontade, princípios basilares da Constituição Federal, sobretudo, à dignidade humana. Isso porque este indivíduo sofre restrição em poder “seguir em frente”, tendo, em muitos casos, em seu nome a “marca” de uma relação que não deseja mais e que nem mesmo pode ser considerada fato da presente realidade. O condicionamento da efetividade desse direito potestativo abala além do direito à liberdade, o direito à identidade (nome/sobrenome), à privacidade, à intimidade por ter o indivíduo que se expor ao desgaste do processo judicial, o que fere a dignidade humana dessa pessoa.
Portanto, deve haver adaptação normativa, releitura do ordenamento jurídico adaptada à efetividade da perspectiva do divórcio como direito potestativo na prática.
4 Conclusão
Com o presente estudo, verifica-se que apesar de grande evolução na doutrina e ordenamento jurídico brasileiro, a pessoa que quer se divorciar enfrenta obstáculo, quanto ao exercício de seu direito potestativo. Isso porque apesar de ter o entendimento de que basta a vontade de querer o divórcio para que este seja feito, há ainda a dependência do Poder Judiciário para que haja a efetividade desse direito, o que acaba por causar limitação jurídica a esse indivíduo quanto a sua vida social, de modo que os seus direitos individuais e constitucionais são abalados.
O divórcio permite que o casal siga em frente, podendo constituir novo matrimônio e ter a liberdade de não se ver preso em um relacionamento que não deseja.
Como se observa, o divórcio é um direito potestativo já que está condicionado puramente à vontade de quem o quer. Assim se não é nem mesmo preciso que a outra parte concorde em conceder o divórcio, não há razão de manter o exercício desse direito atrelado a uma decisão judicial.
Tem-se que a apresentação desnecessária da temática ao Poder Judiciário, além de gerar mais sofrimento ao indivíduo, aumenta o abarrotamento de processos judiciais, contrariando os princípios constitucionais da celeridade e economia processual. Não se pode deixar de mencionar, ainda, que o direito de constituir família compõe o direito da personalidade, da dignidade humana, sendo a mantença do vínculo matrimonial contra a vontade do indivíduo, inegavelmente, causadora de abalo emocional, psíquico, dor e sofrimento, o que fere diretamente a dignidade humana.
Prevê o texto constitucional o direito à liberdade de todos. Ninguém é obrigado a manter um relacionamento que não quer. Assim, entende-se que não é o Poder Judiciário que deve decidir a questão apresentada.
Como já mencionado neste trabalho, existe uma releitura, adaptação normativa no tratamento da matéria, posicionamentos jurisprudenciais favoráveis ao divórcio por decisão antes mesmo da sentença, sob julgamento parcial de mérito.
Deste modo, sabendo que a constituição do matrimônio é realizada em cartório de registro civil e também considera a manifestação da vontade entre duas pessoas, nada mais coerente de o divórcio também ser feito da mesma forma em qualquer caso, seja com filhos menores ou não, já que temas como partilha de bens e alimentos podem ser discutidos em ações judiciais próprias. Ademais, visto que o divórcio é um direito potestativo, dependendo apenas da vontade da pessoa que o pleiteia, não se vê mais a necessidade de anuência da outra parte e, por isso, tem-se que esse direito pode ser exercido de forma unilateral, mesmo diante do cartório de notas de registro civil.
Assim, a necessidade de adaptação normativa, de acordo com a evolução da sociedade, à luz da Constituição Federal, mostra-se imperativa para garantir o direito da dignidade humana.
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*Janaina Baina da Cunha Camargo é advogada, graduada em Direito pela Faculdade Metodista Granbery e pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Única do Grupo Pró Minas. janainabainadacunha@gmail.com.br.
Fonte: IBDFAM