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ConJur – Artigo: O ITBI e a importância da prática judicial de resumir – Por Ana Helena Morello Teixeira
Ementa é o substantivo feminino que, na Língua Portuguesa, quer dizer síntese. Seu significado, segundo o dicionário Aurélio é um texto curto e resumido que contém o essencial, sinônimo de lembrança, sinopse, sumário, apontamento, nota ou rubrica.
No universo jurídico, ementa é uma expressão muito conhecida. Resume o conteúdo de uma lei ou a conclusão final de uma decisão colegiada, feita por um órgão julgador, representando um indicativo da norma aplicada no caso concreto.
A disponibilização da ementa das decisões facilita o acesso à informação, ao transmitir de forma clara e direta, a conclusão do órgão julgador sobre determinada controvérsia judicial. (Principalmente em uma sociedade cada vez mais acelerada em que é imensa a demanda pela tutela do judiciário e o volume de decisões proferidas diariamente cresce exponencialmente).
Diante desse cenário, a possibilidade da realização de pesquisas de jurisprudência, a partir da disponibilização de consultas de ementas, proferidas por determinado órgão é uma importante ferramenta de apoio à busca por direitos, principalmente ao promover economia processual e uniformização dos julgamentos, por meio de consulta de entendimentos previamente consolidados, destacando-se no caminho do acesso à justiça.
Nesse sentido, para que sirva sua função de informar, a ementa deve ser capaz de resumir o caso de forma a indicar a controvérsia central de uma decisão colegiada e permitir a identificação da norma jurídica aplicada no caso concreto, objeto do julgamento que resume.
Porém, em tempos de internet, de textos curtos, às vezes limitados à 280 caracteres é importante compreender que apesar da concisão que se espera da redação das ementas, precisão é fundamental para que seja possível identificar e limitar o contexto em que se verifica a aplicação do direito discutido e o conteúdo decidido em si.
No caso concreto de uma ementa, por exemplo, contrariar o conteúdo do voto vencedor proferido em determinado julgamento, ou não identificar precisamente o teor da decisão do órgão julgador, é necessária a oposição de embargos de declaração para corrigir sua redação. Isso como forma de garantir que o conteúdo da ementa esteja sempre alinhado com o relatório e com o voto que compõem o acórdão que esse texto se propõe a resumir.
E isso sob pena de lançar como precedente no nosso sistema judicial uma ementa equivocada e imprecisa, incapaz de resumir de forma razoável a controvérsia resolvida, causando problemas na identificação e na aplicação do julgado em casos semelhantes.
Um exemplo foi o que aconteceu com a tese de repercussão geral nº 796, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2020.
Por ocasião daquele julgamento, fixou-se a seguinte tese: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”, em acórdão assim ementado:
“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ARTIGO 156, §2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.
- A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (artigo 156, §2º,).
- A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI.
- Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado’.”
Os municípios, ávidos por arrecadação e na constante busca por fatos tributáveis, diante da literalidade da tese de repercussão geral destacada, rapidamente passaram a aplicar a ementa do precedente do STF para exigir dos contribuintes o recolhimento do ITBI sobre a diferença do valor do bem imóvel que superar o valor integralizado.
Ocorre que apesar de a leitura isolada da tese de repercussão geral fixada e da ementa da decisão indicarem a possibilidade da exigência desse valor. a análise cuidadosa da íntegra da decisão, proferida pelo STF, é possível identificar que a controvérsia no caso concreto não aborda a simples tributação do valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado, mas de hipótese específica de emissão de quotas com formação de reserva de ágio, sem acréscimo de parte do valor do bem integralizado ao capital social.
Portanto, a simplificação do tema objeto da controvérsia processual na ementa e a rara leitura do conteúdo integral do julgado resultou na propagação equivocada do que restou efetivamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Ora, por expressa determinação constitucional vigente e válida, não restou afastada pelo STF a imunidade do ITBI sobre a “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (artigo 156, §2º, I, CF).
Mas para os municípios é quase como se os fins justificassem os meios e a arrecadação a todo custo abonasse a aniquilação do exercício interpretativo.
Nesse caso, ainda mais grave é o fato de o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo passar a replicar de forma sistemática e equivocada a ementa do acórdão, repetindo decisões anteriores, sem, contudo, analisar o seu conteúdo.
Cabe aos contribuintes buscarem tutela jurisdicional para garantir o seu direito constitucional de não serem tributados no caso da transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nos exatos termos do que dispõe o inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, os Tribunais estão aplicando o Tema 796 do STF no sentido de autorizar a tributação da diferença entre o valor venal do imóvel e o valor atribuído a ele para fins de integralização.
E o fazem supostamente em razão da sua vinculação obrigatória à decisão proferida em sede de repercussão geral, nos termos do artigo 927, III, do CPC, replicando o que teria restado decidido pelo STF na decisão objeto do Tema 796, em benefício da economia processual.
É a propagação da desinformação e a ementização do direito de forma institucionalizada em um caso concreto e em direta afronta à imunidade prevista na Constituição Federal.
Diante desse movimento de repetição e do volume crescente de decisões no mesmo sentido, corroborando para que sejam proferidas ainda mais decisões no sentido equivocado, sob aplicação de “entendimento já consolidado pelo Tribunal”, resta ao contribuinte a árdua tarefa de interromper um fluxo de repetição de equívocos contrário aos seus direitos.
E a interrupção desse fluxo, no caso concreto, muito provavelmente só será possível no âmbito do STF, diante da interposição de Recurso Extraordinário pelos contribuintes para que o precedente possa ser devidamente aplicado aos casos a ele semelhantes. Ou seja, é provável que o contribuinte precise levar o caso concreto até o STF para que o Tribunal Superior esclareça e decida o que ele próprio já decidiu.
A nós, operadores do direito, resta cuidar para que a redação das ementas priorize eficiência, objetive acesso à justiça e segurança jurídica ao bem resumir e elucidar o acórdão a que se referem, servindo de instrumento positivo para o exercício do direito.
Ora, resumir é uma arte que exige dedicação, e é isso o que expressa a famosa frase — atribuída a tantos pensadores diferentes que é árdua a tarefa de verificar em que momento sua autoria passou a ser replicada de maneira indistinta, sistemática e equivocada: “Me perdoe a carta longa, não tive tempo de escrever uma mais curta”.
*Ana Helena Morello Teixeira é advogada de Candido Martins Advogados.
Fonte: ConJur