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Aposentadoria não significa fim do contrato de trabalho

20-02-2015

por Eliana Saad Castello Branco

A população mundial está ficando cada vez mais velha, porém, mais saudável e ativa. Nos dias atuais, segundo pesquisas do IBGE, as pessoas vivem, em média, mais de 75 anos. Pesquisas mostram que a tendência é que mais de 20% da população esteja acima dos 50 nos próximos anos. Isso significa que alguém que se aposenta aos 55 anos, depois de 30 ou 35 anos de trabalho, ainda terá mais 20 anos, com condições e possibilidade de trabalhar.

O direito de trabalhar não se confunde com o direito aos benefícios previdenciários, ambos defluem de situações perfeitamente caracterizadas e não coincidentes. A aposentadoria, por si só, não constitui fato gerador da cessação do vínculo de emprego, conquanto a relação mantida pelo empregado com a instituição previdenciária não se confunde com a que o vincula ao empregador. São duas relações jurídicas individualizadas, não equiparáveis, sequer semelhantes: uma pessoa física com uma pessoa jurídica de direito privado (empregado e empregador) e com outra jurídica de direito público (INSS).

Em obra específica sobre Previdência Social, Wladimir Novaes Martinez assevera: “subsiste o direito de laborar, manter o contrato de trabalho e anterior a vantagem, desde que não seja por invalidez. Assim, o pedido de benefício não promove a rescisão contratual, esta sim, deriva da vontade do obreiro de deixar de prestar serviço. Não sendo condição legal – como era na CLPS – para o exercício do direito; se a empresa não deseja mais o aposentado prestando-lhe serviço deve rescindir-lhe o contrato, assumindo, consequentemente, as obrigações previstas na lei”1.

Logo, os sujeitos, os objetivos e os efeitos distintos, que emergem da relação de emprego protegida pelas normas da Consolidação das Leis de Trabalho e da Seguridade Social, são absolutamente independentes, de modo que não pode uma influenciar diretamente na continuidade da outra.

2. Artigo 453 e seus parágrafos, da CLT

Com o advento do artigo 49, I, letra b, da Lei 8.213, de 24/7/1991, presume-se que o empregador aquiesceu em manter intacto o primitivo contrato de trabalho. In casu, a aposentadoria espontânea pode ou não ser acompanhada do afastamento do empregado de seu trabalho: só há readmissão quando o trabalhador aposentado tiver encerrado a relação de trabalho e, posteriormente, iniciado outra. Caso haja continuidade do trabalho, mesmo após a aposentadoria espontânea, não se pode falar em extinção do contrato de trabalho e, portanto, em readmissão.2

Por oportuno, os parágrafos 1º e 2º do artigo 453 consolidado, introduzidos pelo artigo 3º, da Lei 9.528, de 10/12/1997, tiveram sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, através de liminares concedidas nas ADIns 1.721-3 e 1.770-4. O objeto nuclear dessas ADIns concerne a matéria da aposentadoria espontânea constituir ou não fator extintivo do contrato de trabalho. Prevaleceu no TST o entendimento de que a aposentadoria acarreta a extinção do contrato de trabalho e, o prosseguimento da prestação de serviços corresponderia a celebração de novo contrato, até a decisão final das mencionadas ações. Todavia, havia numerosos acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho que divergiam do TST. A respeito dessa tese surgiram discussões entre os juslaboristas, eis que inexistia norma expressa para declarar a extinção automática do contrato de trabalho.

Discorre Eduardo Gabriel Saad, em Comentários à Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, seu pensamento sobre o artigo 18 da Lei de FGTS, verbis: ” A lei é clara e não deixa margem a qualquer dúvida. É incomputável o tempo de serviço que precedeu a aposentadoria só no caso de readmissão. Ora, se o empregado não suspendeu a prestação de serviços, não se verificou a readmissão de que fala a lei. Poderá alguém invocar o artigo 49 da Lei 8.213, de 24/7/91, para sustentar a tese de que a aposentadoria, efetivamente, põe fim ao contrato de trabalho. Diz-se nesse dispositivo a partir da data do desligamento do emprego. Por outras palavras, o gozo desse benefício previdenciário é precedido, obrigatoriamente, da extinção do contrato de trabalho. Mas, se o empregado já aposentado não interrompe a prestação de serviços, a empresa terá violado a lei previdenciária, dando a falsa informação de que ele se afastou do emprego. Inobstante, a relação empregatícia não se desnatura com a infração legal de responsabilidade da empresa. Em resumo, se, em qualquer caso, efetiva-se a aposentadoria sem que haja solução de continuidade na execução de trabalho, permanece o direito do empregado às contribuições do FGTS e a indenização prevista nesta Lei para despedida injustificada.”3

Finalmente, o excelso Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento, em 11/10/06, da ADIn 1.721-3/DF, em que foi relator o ministro Carlos Ayres Britto, declarou a inconstitucionalidade do preceito em questão, assentou que:

“Sucede o novidadeiro parágrafo 2º do artigo 453 da CLT, objeto da presente ADI, instituiu uma outra modalidade de extinção do vínculo de emprego. E o fez inteiramente à margem do cometimento de falta grave pelo empregado e até mesmo da vontade do empregador. Pois o fato é que o ato em si da concessão da aposentadoria voluntária a empregado passou a implicar automática extinção da relação laboral (empregado, é certo, ‘que não tiver completado trinta e cinco anos, se homem, ou trinta, se mulher (…) (inciso I do parágrafo 7º do artigo 201 da CF).

Ora bem, a Constituição versa a aposentadoria como um benefício. Não como um malefício. E se tal aposentadoria se dá por efeito do exercício regular de um direito – aqui se cuida de aposentadoria voluntária, é claro que esse regular exercício não é de colocar o seu titular em uma situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave. Explico. Se um empregado comete falta grave, sujeita-se, lógico, a perder seu emprego. Mas a causa legal de ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente. É preciso que o empregador, no uso de sua autonomia de vontade, faça incidir o comando da lei. Pois, o certo é que não se pode recusar a ele, empregador, a faculdade de perdoar seu empregado faltoso.

Não é isto, porém, o que contém no dispositivo legal agora adversado. Ele determina o fim, o instantâneo desfazimento da relação laboral, pelo exclusivo fato da opção do empregado por um tipo de aposentadoria -a voluntária- que lhe é juridicamente franqueada, desconsiderando, com isso, a própria e eventual vontade do empregador de permanecer com seu empregado. Também desatento para o fato de que o direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o ‘segurado’ do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguridade Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse instituto. Não às custas desse ou daquele empregador. O que significa dizer que o financiamento ou a cobertura financeira do benefício da aposentadoria passa a se desenvolver do lado de fora da própria relação empregatícia, pois apanha o obreiro na singular condição de titular de um direito à aposentadoria, e não propriamente de assalariado de quem quer que seja.

[…]

Não enxergo, portanto, fundamentação jurídica para deduzir que a concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador deva extinguir, instantânea e automaticamente, a relação empregatícia.”4

O Tribunal Superior do Trabalho, em Sessão Extraordinária do Tribunal Pleno, realizada no dia 25/10/06, decidiu, por unanimidade, pelo cancelamento da Orientação Jurisprudencial 177 da C. SBDI-1 que previa a extinção do contrato de trabalho com a aposentadoria espontânea, mesmo quando o empr
egado continuava a trabalhar na empresa, após a concessão do benefício previdenciário.

3. Aposentadoria espontânea e o contrato de trabalho

O caput do artigo 453 da CLT (redação dada pela Lei 6.204, de 29/04/75) cuida da hipótese em que há a rescisão do contrato de trabalho e ocorre a readmissão, isto é, ali se presume que houve a ruptura do vínculo, com o afastamento do trabalho e nascimento de outro.

O caput do artigo consolidado imporia, implicitamente, a extinção do contrato de trabalho quando da aposentadoria do obreiro, certo é que tal norma, embora não pudesse ser entendida, em tese, por inconstitucional já que editada anteriormente a 05/10/88, haveria de ser tida por não recepcionada pela vigente Constituição Federal, máxime à vista da disposição inserta em seu artigo 7º, I, e do espírito que a definiu como Carta Cidadã ao alçar a patamares constitucionais, os valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV); à finalidade da ordem econômica (assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça social ( artigo 170, caput); a princípio da ordem econômica (busca do pleno emprego artigo 170, VIII). Ademais, o primado do trabalho é categorizado como base de toda a ordem social (artigo 193 da Constituição Federal).

Nem se argumente que, em se tratando de empregado de empresa pública, aplicar-se-lhe-ia a disposição constante do parágrafo 1º do artigo 453 da CLT, que determinaria, implicitamente, a extinção do contrato de trabalho quando da aposentadoria do obreiro. Onde existe, afinal, a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.

A aposentadoria espontânea não constitui causa de extinção automática do contrato de trabalho. Seja à vista da inexistência de previsão legal que lhe atribua tal efeito, seja em face do quanto disposto nos artigos 1º, IV, 7º, I, 170, caput e VIII, e 193 da Constituição Federal.

4. Conclusão

O ato de trabalhar está ligado à necessidade humana de realização. A perda ou a inexistência de trabalho/emprego, não importa as causas, dispensa imotivada, demissão ou aposentadoria, provoca uma sensação de ruptura com as relações estabelecidas com o emprego e com a vida fora do trabalho, o que pode provocar uma perda de identidade do trabalhador.

A fruição de um direito de índole previdenciária não pode implicar para o empregado um prejuízo na relação trabalhista existente. Impor a extinção automática de um contrato de trabalho contra a vontade de seus titulares e sem qualquer determinação legal, viola os princípios da Constituição Federal, que dá primazia à magnitude constitucional do direito ao trabalho. Contrario sensu implicaria em favorecer o empregador que se beneficiou da força de trabalho do empregado, continuamente.

A inexistência de norma jurídica que defina a aposentadoria como causa da extinção do contrato de trabalho ou não recepção do caput do artigo 453, da CLT pela atual Constituição Federal, prevalece a conclusão de que a aposentadoria espontânea não acarreta a automática extinção do contrato de trabalho

Nos tempos atuais, em que os avanços da ciência permitem o labor produtivo em idades cada vez mais avançadas, a continuidade do trabalho, após deferimento da aposentadoria, traz benefícios aos atores sociais. Ao empregado possibilita o reforço da renda familiar e o reconhecimento de sua capacidade produtiva, de outra parte, a empresa aproveitará o conhecimento acumulado em anos de trabalho. Não há que se cogitar mais que a ocorrência de aposentadoria espontânea cessa o vínculo empregatício.

A regra agora é continuar trabalhando, não só por razões financeiras, mas também por questões de realização pessoal. Como dizia meu avô, ter sucesso é fazer o que mais se gosta, superando as limitações fisiológicas da terceira idade.

Notas de rodapé

1- cf. Comentários à Lei Básica da Previdência Social, vol.II, Ed. LTr, 1992, pág.184

2- ADIn 1.721-MC, Ilmar Galvão, RTJ 186/3; ADIn 1.770, Moreira Alves, RTJ 168/128)(1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 16/08/05 e publicado no DJU de 14/10/05)

3- No mesmo diapasão, os comentários na CLT Comentada- 40ª. Edição, Ed. LTR, ano 2007, p.459, revisada por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco.

 

4- ADI 1.721. Disponível em: www.stf.gov.br

Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2007

Sobre o autor

Eliana Saad Castello Branco: é advogada trabalhista e cível, sócia da Saad & Castello Branco Advocacia, integrante da sub-comissão de Direitos Sociais da comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.