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Folha de S.Paulo – Artigo: Negociantes liberais e confronto com o interesse público do cidadão – Por Cláudio Marçal Freire
Críticos dos cartórios não revelam que defendem um sistema de atravessadores
A atividade prestada pelos serviços notariais e registrais se superou mais uma vez durante a pandemia do coronavírus, apresentando um dos maiores saltos de qualidade e de informatização de sua história mais do que centenária. A prestação de serviços online já era uma preocupação da atividade extrajudicial, mas, com a Covid-19, foi colocada em prática em todos os rincões do país, interligando serviços do Amapá ao Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro ao Acre. Em poucos cliques, podemos localizar registros de nascimento ou de propriedades, pesquisar por protestos ou registros empresariais, comprar e vender imóveis, se divorciar, se casar e até realizar testamentos.
Essenciais à vida de todas as pessoas, os serviços dos notários e dos registradores permaneceram 100% abertos, seja de forma física ou virtual, durante todo o período da pandemia. As bases de dados integradas, formadas por índices indicativos de onde estão localizados os registros, seguem sob a guarda individualizada dos notários e registradores, que são responsáveis pelo acervo e emissão das respectivas certidões. Foi essa estrutura que permitiu à atividade funcionar ininterruptamente durante todo o período de isolamento social, uma salvaguarda aos direitos das pessoas que buscavam segurança jurídica para suas relações pessoais e patrimoniais.
Mesmo assim, ataques sem fundamento técnico ou legal são feitos contra os cartórios de notas e de registro, acusando-os de exercer o que seria um “monopólio” sobre a digitalização de serviços. Trata-se de um discurso falacioso e voltado a um falso liberalismo para justificar o interesse de setores privados que tentam avançar sobre a atividade pública. A turva visão desses setores, que insistem em tratar de forma banalizada os dados vitais dos cidadãos, de seus bens e de seu patrimônio, se resume a discutir o quanto as entidades associativas de cartórios, supostamente, estão ganhando para manter em funcionamento um sistema que tão bem atende a sociedade, o mercado e o governo, de forma ininterrupta e com segurança avançada de ponta a ponta.
Os críticos dos cartórios não revelam, no entanto, que eles defendem um sistema de atravessadores, que lucram milhões cobrando valores exorbitantes dos usuários por um serviço que, nos cartórios, é tabelado e está disponível 24 horas por dia nas centrais oficiais regulamentadas e fiscalizadas pelo Poder Judiciário. Levantamento da publicação especializada “Cartórios com Você”, na edição de janeiro de 2018, estimou que o sobrepreço cobrado por atravessadores pode chegar a mais de 1.000%.
Liberalismo e a liberdade nada têm a ver com a promoção de negócios privados à sombra ou à custa do erário público, muito menos do bolso do cidadão. Já se foram os tempos em que se impunha à população contratar serviços de intermediários que não prestaram concurso público, não estão sujeitos à responsabilização por seus atos e não se submetem à fiscalização do Poder Judiciário. O preço para o cidadão é tabelado e previsível. O Brasil mudou, e o serviço extrajudicial também.
*Cláudio Marçal Freire é presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR).
Fonte: Folha de S. Paulo