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ArpenSP – O capacitismo e a inclusão da pessoa com deficiência nos Cartórios paulistas
Senadora da República e especialistas no tema falam sobre as conquistas já realizadas pelas pessoas com deficiência
No dicionário, o termo capacitismo significa “discriminação, opressão e preconceito contra Pessoas com Deficiência (PcD)”. É ele que indica e classifica uma ação, um comportamento e uma expressão de cunho intolerante e hostil a uma pessoa com deficiência, sendo também uma forma de categorizar a violência praticada contra esta, assim como o racismo é para a discriminação contra o negro, e a homofobia para o homossexual.
Ainda pouco utilizado pelas pessoas que não possuem deficiência, e em certos casos ainda não conhecido, a expressão capacitismo apareceu com o objetivo de expor e sinalizar o preconceito que as pessoas com deficiência convivem diariamente. Não está apenas relacionada a uma frase ou termo discriminatório, mas também são formas de capacitismo abordar uma pessoa com deficiência demonstrando piedade e suplício, infantiliza-la, ou tratá-la como heroína.
De acordo com Eduardo Tomasevicius Filho, professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e estudioso das questões da pessoa com deficiência e seus direitos na sociedade, o que uma PcD vivencia em seus dias é uma forma de segregação da sociedade civil. “Porque a deficiência não é da pessoa, é da sociedade como um todo. Não são elas que devem ser incluídas, nós é que temos que nos incluir no mundo delas”, comentou o professor.
Também comentando sobre a integração do mundo à pessoa com deficiência, Tatiana Lemos Moyano, assistente social na Prefeitura da cidade de São Paulo, diz que o objetivo é que “o lugar e o espaço se adaptem, e não o indivíduo que possui a deficiência”. Tatiana salienta ainda que “assim como o racismo e o machismo, a deficiência é um assunto que muitos de nós fugimos, parece que não faz parte da nossa vida”.
O fato de ser um assunto tratado como exterior ao indivíduo que não possui deficiência, como algo longe de sua realidade, é uma das maiores barreiras criadas entre uma pessoa que possua uma deficiência, seja ela física ou cognitiva, e outra que não possua. Abordar o assunto da inclusão de pessoas com deficiência no meio social é visto muitas vezes como uma questão distante de sua vivência. Mas que na verdade, pode estar mais próxima do que parece.
“Eu trabalhei com muitas pessoas que eram comuns, mas que se tornaram deficientes por conta de um acidente, uma cirurgia ou uma anestesia, ou seja, eram pessoas dita “normais” e que tiveram uma deficiência. Por isso é um assunto extremamente importante, porque não sabemos o que pode vir acontecer”, disse Tatiana, que atuou por muitos anos como assistente social na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).
Eduardo Tomasevicius Filho enfatiza que a vida é muito frágil. “Você pode acordar, escorregar, bater e pronto, a sua vida mudou completamente, por meio de um acidente ou um tropeção, não precisa ser uma coisa muito grave, às vezes uma coisa simples pode modificar a sua vida por completo”.
Mara Gabrilli, psicóloga, publicitária, e senadora pelo estado de São Paulo, é um exemplo de como a vida pode ser frágil. Tendo sofrido um acidente de automóvel em 1994 que a deixou tetraplégica, hoje atua principalmente nas questões de inclusão da pessoa com deficiência, tendo este tema como uma das principais pautas de seu ativismo político.
Para a senadora, que se tornou uma pessoa com deficiência há 27 anos, “durante muitas décadas estas pessoas ficaram esquecidas, à margem da sociedade”, mesmo o País tendo presenciado uma longa mudança nas políticas públicas e na comunidade civil para com a PcD. “De algum tempo para cá, passamos a ver uma transformação, que ainda engatinha; mas fato é que as pessoas com deficiência estão passando a ocupar posições em diferentes postos na sociedade”.
Estatuto da Pessoa com Deficiência
Com a promulgação da Lei Federal nº 13.146/2015, intitulada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), um passo a mais foi dado em direção à inclusão da PcD. “Essa lei trouxe uma série de novidades no ordenamento jurídico brasileiro das pessoas com deficiência, que é um dos mais completos do mundo”, disse a senadora Mara Gabrilli.
A parlamentar ressalta que “sabemos que uma coisa é a lei no papel, outra é colocá-la em prática, e esse é um desafio que todos nós temos”. Mara Gabrili lembrou que para isso “é importante que as pessoas conheçam a LBI e se empoderem dela, para que possam cobrar cada vez mais por seus direitos”.
Para a senadora, pode-se perceber um aumento na agenda pública sobre informações e notícias referentes a pessoas com deficiência. “Quando entrei para a política, em 2005, como secretária municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida na Prefeitura de São Paulo, minha assessoria tinha muita dificuldade para emplacar uma pauta sobre o tema nos grandes jornais do país. Hoje não tem um dia que o tema não esteja na grande imprensa”, lembra Mara.
PcD e os Cartórios
Uma atividade de cunho público, e responsável por realizar os principais atos da vida de um indivíduo, os Cartórios também se adequaram à realidade das pessoas com deficiência. Por meio da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que em seu artigo 6º, declarou que “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, os cartórios do Brasil passaram a ser autorizados a realizar casamentos de pessoas com deficiência, assim como uniões estáveis.
Visando maior inclusão no dia a dia das serventias extrajudiciais, os Cartórios do Estado de São Paulo trabalham com intérpretes de Libras, possuem rampas de acesso, tabelas de custas em braile, entre outras medidas, visando sempre garantir a independência e autonomia da pessoa com deficiência. O professor de Direito lembra ainda que “a necessidade de ter acessibilidade em cartórios é justamente por ser um serviço do próprio Estado”.
Uma outra mudança ocorrida nos Cartórios de Registro Civil com o intuito de promover a inclusão, foi a exclusão do termo Interdição. Tendo seu uso questionado há tempos, o ato, que tem em sua grafia o significado de “proibição”, segundo Eduardo Tomasevicius, foi substituído pelo termo “Curatela”, visando não apenas a liberdade de decisão da própria pessoa, mas também enfatizando sua autonomia na vida civil.
A diretora de Comunicação da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), Andréia Ruzzante Gagliardi, comenta que apesar da mudança promovida pelo Estatuto, muitos juízes “ainda decretam interdições, e as normas de serviço da atividade também prevêem seu registro”. “Embora entenda que o certo seria não falar mais em interdição, na realidade, o termo continua a ser utilizado no mundo jurídico, o que reflete na atividade dos registradores civis”, diz Andréia.
Segundo Eduardo, um dos motivos do termo ainda ser utilizado é pelo fato de o Código de Processo Civil, publicado meses antes da Lei Brasileira de Inclusão ter trazido “novamente a palavra interdição, porque a vacatio legis das leis – o período de adaptação em que a lei é válida mas não produz efeitos – era de seis meses de um ano, então o CPC entrou em vigor posteriormente, por isso dá essa confusão”.
O professor salientou ainda que mudanças semânticas podem demorar a serem realizadas, como “a própria Constituição, que usa terminologias as quais hoje não se usam mais, como ‘pessoa portadora de deficiência’ – a pessoa não carrega uma deficiência, a pessoa tem uma deficiência”. E que a melhor forma de excluir o termo, assim como acabar com o preconceito com a PcD, seria dando voz às pessoas com deficiência, ouvindo suas vontades e anseios, assim como “divulgando informação e educação”, concluiu Tatiana Moyano.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/SP