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Artigo – Com quadro completo, TST deve pacificar jurisprudência
Este texto sobre oTribunal Superior do Trabalhofaz parte daRetrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.
Se 2006 foi o ano da instalação física do TST em sua nova sede e da sua conexa Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, graças ao empenho dos então presidentes Vantuil Abdala e Ronaldo Leal, o ano de 2007 pode ser considerado como o de sua instalação institucional.
Com efeito, as novas condições materiais de trabalho para os ministros e servidores do TST se faziam necessárias, mas não eram suficientes para o pleno desenvolvimento dos misteres da Corte na persecução de sua missão institucional, constitucional e existencial.
A Emenda Constitucional 45, de 2004, havia restabelecido o corpo judicante do TST em 27 ministros, mas até este ano a Corte funcionava como que em permanente provisoriedade, o que se refletia na oscilação da jurisprudência, desatendendo-se, com isso, a função precípua do TST, de pacificação da jurisprudência e de conformação final do ordenamento jurídico-trabalhista infraconstitucional.
Diante da crescente demanda de processos, o TST funcionou, por mais de 10 anos, com juízes convocados dos Tribunais Regionais do Trabalho e em regime de mutirões constantes. O ano de 2007, no entanto, é marcado pela nomeação e posse dos seis ministros que faltavam para completar o novo quadro do Tribunal, com os nomes ilustres de Fernando Eizo Ono (PR), Pedro Paulo Teixeira Manus (SP), Guilherme Augusto Caputo Bastos (MT), Márcio Eurico Vitral Amaro (MS), Walmir Oliveira da Costa (PA) e Maurício Godinho Delgado (MG). E com a aprovação do projeto de criação de cargos para os respectivos gabinetes, está sendo possível reestruturar a Corte, ainda que, pelo não preenchimento dos cargos, à míngua da realização do necessário concurso público, o Tribunal vá sobrevivendo à base de prestação de horas extras habituais por seus servidores.
A importância de se ter completo o quadro do Tribunal deve se fazer notar na estabilização da jurisprudência, em face da fixação da composição de cada um dos órgãos fracionários da Corte. Desde 2006, com as posses sucessivas dos notáveis ministros Horácio de Senna Pires (BA), Rosa Maria Weber (RS), Vieira de Mello Filho (MG), Alberto Bresciani (DF), Maria de Assis Calsing (DF) e Dora Maria da Costa (GO), seguidas neste ano pelos já mencionados novos ministros, verificavam-se mudanças sensíveis na orientação do Tribunal a cada grupo de dois, três ou quatro ministros que tomava posse conjuntamente, a ponto de a Comissão de Jurisprudência do TST preferir aguardar a completude da Corte para editar novas Orientações Jurisprudenciais, tão necessárias para dar uma sinalização unívoca para as Turmas do TST e para os TRTs.
As opções adotadas na confecção do Regimento Interno do Tribunal, com a composição integral da Corte, são também de se destacar: além da criação do Órgão Especial, com a fixação de seu contingente em 14 ministros (eleitos, como é tradicional nesta Corte, pelo critério da antigüidade, o que há muito tem evitado disputas e contribuído para um saudável ambiente de convivência), foi estabelecido o critério de atuação de cada ministro em apenas uma Seção do Tribunal, além da respectiva Turma (excepcionados os ministros que compõem, pelo ônus da antigüidade, o Órgão Especial e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho): 14 na Subseção I Especializadaem Dissídios Individuais – SBDI-1 (que julga os embargos de divergência entre as Turmas), 10 para a Subseção II Especializadaem Dissídios Individuais – SBDI-2 (que julga as ações rescisórias, mandados de segurança,habeas corpus e conflitos de competência) e nove para a Seção de Dissídios Coletivos – SDC, sendo computado nesse número, em cada órgão, o presidente, o vice-presidente e o corregedor-geral da Justiça do Trabalho.
Em 2007 foram aprovados dois projetos de lei, de autoria do próprio TST, mas veiculados pelo Poder Executivo, com vistas ao desafogamento da Suprema Corte Trabalhista: um deles instituiu o depósito prévio para a ação rescisória (Lei 11.495, de 22 de junho de 2007, que alterou o artigo 836 da CLT) e o outro acabou com o pressuposto de violação de lei para conhecimento de embargos para a SBDI-1 (Lei 11.496, de 22 de junho de 2007, que alterou o artigo 894 da CLT). Agora, a SBDI-1 somente aprecia quanto ao mérito os embargos por divergência entre as Turmas do TST. Com isso, a SBDI-1 deixa de ser instância de distribuição de justiça (função imprópria de instância extraordinária), para concentrar-se em sua missão essencial de uniformização de jurisprudência “interna corporis” do TST.
Como costuma dizer o ministro Ríder Nogueira de Brito, a SBDI-1 é o “coração do TST”, pois, com a função de uniformizar a jurisprudência entre as Turmas da Corte, dá a última palavra sobre o conteúdo das leis trabalhistas. E a SBDI-1 teve muito trabalho neste ano de 2007, com sessões longas, debates acalorados, e fixação de parâmetros bem claros em relação a importantes questões que vêm se avolumando na Justiça do Trabalho.
Principais matérias
Fazer uma seleção dos principais temas e casos tratados, principalmente em curto artigo de balanço geral, é missão quase impossível, em face de se pecar por omissão, a par de toda seleção estar sempre carregada de parcela de subjetivismo. Ainda assim, não é possível falar da atuação da Justiça do Trabalho sem referir os casos concretos e relevantes que teve de enfrentar e solucionar.
A nosso ver, precedentes e orientações jurisprudenciais de destaque (por envolverem sem número de processos sobre a mesma matéria, exigindo posicionamento definido da Corte) foram, neste ano de 2007, na SBDI-1 (e também da SBDI-2) os seguintes:
1 – Diante da resistência de alguns TRTs em reconhecer a necessidade de passagem das demandas trabalhistas, antes de ajuizamento de reclamação, pelas comissões de conciliação prévia, a SBDI-1 fixou entendimento de que a passagem é obrigatória (conforme disposto no artigo 625-D), sob pena de extinção do feito, não se impedindo o acesso ao Judiciário, na medida em que a lei prevê 10 dias para o pronunciamento da CCP (CLT, artigo 625-F) e o empregado pode justificar na reclamação a eventual dificuldade de submissão do pleito à CCP (CLT, artigo 625-D, § 3º) (cfr. TST-E-RR-1182/2001-025-04-00.0, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, julgado em 27/02/07).
2 – Tendo o STF (nas ADIns 1.721 e 1.770) firmado a tese de que a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho, o TST foi obrigado a cancelar sua Orientação Jurisprudencial 177 da SBDI-1, que militava em sentido contrário, restando estabelecer os efeitos dessa conclusão quanto ao direito, ou não, dos trabalhadores à multa de 40% do FGTS sobre o período anterior à jubilação (sendo milhares os processos em que o pleito era formulado). Tanto a SBDI-1 quanto a SBDI-2 do TST acabaram por entender devida a multa sobre o período anterior à aposentadoria, pacificando definitivamente a questão (cfr. TST-AR-707040/2000.6, Relator Ministro Alberto Bresciani, julgado em 29/05/07).
3 – Hipótese mais complexa de composição da jurisprudência do STF com a do TST tem sido, ultimamente, a relativa à base de cálculo do adicional de insalubridade, na medida em que do STF emanam orientações contrapostas em decisões monocráticas, umas entendendo passível de utilização o salário mínimo, outras devolvendo os autos ao TST, para que eleja diferente parâmetro de cálculo. Para essa última hipótese, havendo piso salarial da categoria, fixado por lei ou norma coletiva, tem a Corte aplicado a Súmula 17 do TST; já para as hipóteses de inexistência do salário profissional ou normativo, a SBDI-2 passou a adotar, por analogia com o adicional de periculosidade, o salário base do empregado, na esteira do artigo 193 da CLT e da Súmula 191 do TST (TST-ROAR-6267/2003-909-09-00.3, Relator Ministro Ives Gandra, julgado em 10/04/07).
4 – Com o reconhecimento expresso, pela EC 45/04, da competência da Justiça do Trabalho para apreciar ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes da relação de trabalho (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigo 114, VI), praticamente toda reclamação trabalhista pós-dispensa do trabalhador vem com tópico destacado em que se postulam danos morais (inclusive pela simples dispensa imotivada, que acarretou sofrimento psicológico para o reclamante). A SBDI-1 definiu que a prescrição, nesses casos, é a geral das reclamatórias trabalhistas, conforme o artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal (bienal da extinção do contrato e qüinqüenal a contar da lesão) (cfr.TST-E-RR-1598/2003-019-03-00.3, Relator Ministro Horácio de Senna Pires, julgado em 14/05/07).
A Seção de Dissídios Coletivos, neste ano de 2007, seguiu flexibilizando mais ainda a antiga rigidez dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido de dissídios coletivos, já que, após a exigência, pela EC 45/04, do comum acordo para ajuizamento de dissídios coletivos, a redução das ações coletivas já seria natural, não justificando excesso de formalismo na apreciação dessas ações. Assim, são de se destacar os seguintes precedentes da SDC:
1 – Em face do entendimento de alguns TRTs, no sentido de que a EC 45/04 não havia alterado o procedimento dos dissídios coletivos, o TST firmou o entendimento de que o comum acordo poderia ser tácito, pela não resistência patronal à instauração da instância, mas se, na contestação, o suscitado não concordasse com o dissídio, este deveria ser extinto. Apenas nos casos de o TRT ter rejeitado a preliminar de ausência de comum acordo e o suscitado-recorrente não renovasse a preliminar, é que se convalidaria a instauração do dissídio, por concordância subseqüente do suscitado (TST-RODC-397/2006-000-05-00.6, Relator Ministro Barros Levenhagen, julgado em 14/06/07).
2 – Mudando orientação mais formalista seguida há anos, a SDC também entendeu que não se poderia exigir, para efeito dequorum de assembléias gerais das categorias suscitantes, o cumprimento da literalidade do artigo 859 da CLT, que fala em assembléia dos trabalhadores associados ao sindicato, quando o sindicato representa toda a categoria, podendo a assembléia deixar de contar com empregados associados ao sindicato (cfr. TST-E-RODC-184/2003-000-17-00.6, Relator Ministro Ives Gandra, julgado em 13/09/07).
3 – A novidade em termos de endurecimento da jurisprudência na admissão de dissídio coletivo ficou por conta dos dissídios propostos por categorias diferenciadas (secretárias, advogados, engenheiros, etc), que chamavam a juízo centenas de entidades empresariais e sindicais, tornando impossível qualquer negociação, acordo ou defesa efetiva. Para esses casos, a SDC reconheceu a necessidade da presença, na assembléia, de empregados de cada um dos entes suscitados, para legitimar sua chamada a juízo, de modo a que se torne factível a tramitação do dissídio (cfr. TST-RODC-20.092/2002-000-02-00.3, Relator Ministro Ives Gandra, julgado em 08/11/07).
4 – Em âmbito nacional, o destaque da SDC foi o julgamento de dissídio coletivo de natureza jurídica para interpretação do artigo 26 da Lei 8.630/93, pacificando controvérsia que afligia os trabalhadores avulsos, operadores portuários e OGMOs, concernente à contratação de trabalhadores portuários de capatazia e bloco. A SDC acabou adotando uma posição intermediária entre as posições radicais: com base na Convenção 137 da OIT, entendeu ser possível a contratação de trabalhadores fora do sistema de registro nos OGMOs, mas com oferecimento prévio das vagas existentes aos trabalhadores registrados (TST-DC-174.611/2006-000-00-00.5, Relator Ministro Brito Pereira, julgado em 16/08/07).
Matérias transcendentes
Avanço, ainda que parcial, na simplificação dos processos no TST foi o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal (MC-ADI-2.527-9-DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 23/11/07), da constitucionalidade da MP 2.226/01, que criou o critério de transcendência para o recurso de revista (incluindo na CLT o artigo 896-A), de modo a permitir que o Tribunal selecione as causas efetivamente relevantes, que mereçam um terceiro julgamento.
O Pleno do TST deliberou regulamentar o critério de transcendência para admissão de recurso de revista, instituindo, pela Resolução Administrativa 1272/07, comissão temporária para apresentar proposta de regulamentação do artigo 896-A da CLT, presidida pelo ministro Barros Levenhagen e composta pelos ministros Renato Paiva e Horácio Pires. A tarefa que lhes compete não é fácil e demandará muita reflexão, para que o novo pressuposto recursal possa cumprir seu papel, sem risco de complicar mais do que simplificar a atividade jurisdicional do TST.
A transcendência se insere no contexto de reformas do processo, que visam atingir basicamente cinco objetivos: acesso, segurança, celeridade, qualidade e baixo custo para o processo trabalhista. Hoje, os dois pontos de estrangulamento da Justiça do Trabalho são o TST e a execução: os processos estancam quando há recurso para o TST (abarrotado com mais de 250 mil processos aguardando solução) ou chegam na fase de execução (com taxa de congestionamento de 75%; a do TST é de 63%, e a dos TRTs e Varas gira em torno de 30%). O maior acesso à Justiça do Trabalho, com instalação de novas Varas e ampliação de sua competência, fica comprometido se o seu órgão de cúpula não consegue fazer frente adequadamente à demanda. E a transcendência só se justificará se puder contribuir eficazmente para dar dinamismo e qualidade à prestação jurisdicional pelo TST.
Atualmente, a carga exorbitante de recursos recebidos no TST tem comprometido não apenas a celeridade processual, com expectativa média de cinco anos para o recurso ser julgado, mas a segurança jurídica, pela oscilação significativa na jurisprudência, por falta de tempo para se discutir todos os argumentos aduzidos na controvérsia sobre cada matéria. Com a transcendência, espera-se que o TST possa cumprir melhor sua missão institucional de conformador do ordenamento jurídico-trabalhista brasileiro.
Com efeito, o TST não é meramente uma instância uniformizadora de jurisprudência. A divergência entre TRTs é comum, o que pode ordinarizar o recurso de revista. E isso desnatura sua missão. O TST deve julgar teses, e não casos. Com a transcendência, o caso será o mote para a fixação do conteúdo normativo do dispositivo legalem debate. A seleção de recursos permitirá a escolha das causas em que as teses antagônicas estão bem definidas e permitam a perfeita apreensão da controvérsia pelo TST.
Os dois maiores receios, tanto de juízes quanto de advogados, no que se refere à transcendência, são os da subjetividade excessiva na seleção dos recursos transcendentes e da eventual complexidade adicional que o critério poderá trazer para os julgamentos.
Autor:Ives Gandra da Silva Martins Filho é ministro do Tribunal Superior do Trabalho.