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IBDFAM – Especialistas dissecam lei que deu preferência à mulher no registro imobiliário no Programa Casa Verde e Amarela
A Lei 14.118, de 12 de janeiro de 2021, deu preferência à mulher no registro imobiliário ao instituir o Programa Casa Verde e Amarela – PCVA, iniciativa habitacional de incentivo à aquisição da casa própria e direito à cidadania. Do artigo 13 ao 15, a norma determina que, sendo “chefe de família”, a mulher não precisará de concordância do parceiro. Ao fim da relação heteroafetiva, o homem será o proprietário excepcionalmente se a ele couber a guarda unilateral dos filhos.
A nova legislação define ainda a hipótese em que restam afastadas as regras do Código Civil que impõem outorga conjugal em dados atos de disposição patrimonial e afasta os efeitos próprios do regime de bens instituído entre cônjuges ou companheiros para definir que, em regra, na dissolução da sociedade conjugal ou da união estável, o direito de propriedade sobre o imóvel caberá integralmente à mulher.
Em enquete realizada nesta semana no perfil oficial do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM no Instagram, 461 seguidores disseram concordar (51%) com as previsões da referida lei, enquanto 438 discordaram (49%). Toda a redação, tão relacionada a questões que permeiam o Direito das Famílias contemporâneo, também vem dividindo opiniões entre especialistas da área.
Convidamos, então, dois diretores nacionais do IBDFAM para abordar os temas relacionados à Lei 14.118/2021: Adélia Moreira Pessoa avalia a legislação sob a ótica dos direitos da mulher, com apontamentos sobre sua constitucionalidade, enquanto Carlos Pianovski frisa a importância de ações afirmativas no mesmo sentido, mas traz outras ponderações.
Preferência à mulher
Segundo a advogada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, a Lei 11.977/2009, que dispunha sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, já estabelecia em seu artigo 35 que “Os contratos e registros efetivados no âmbito do PMCMV serão formalizados, preferencialmente, em nome da mulher”.
Por sua vez, a Lei 14.118/2021, em seu artigo 13, replica o enunciado e acrescenta que, “na hipótese de a mulher ser chefe de família, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto em artigos do Código Civil”. Para a especialista, a expressão “mulher chefe de família”, muito empregada em pesquisas, projetos de lei e na mídia, pode gerar polêmica.
“A terminologia deve ser interpretada como mulher solteira, separada ou viúva que tem filhos, na forma de família monoparental, mas também mulher casada tida como a pessoa de referência na casa como a principal provedora da família, mulher que sustenta a família, mesmo tendo um marido ou companheiro em casa, com ou sem filhos. Só assim se pode conciliar com a referida dispensa da outorga e a exclusão de dados do marido e companheiro, pois só a mulher estará firmando o contrato.”
Justiça já apontou inconstitucionalidade de norma anterior
Ela cita ainda o artigo 35A da Lei 11.977/2009, incluído pela Lei 12.693/2012 para estabelecer condições que nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o imóvel será “registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS”. O parágrafo único daquele artigo estipula ainda que nos “casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título da propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido”. De acordo com Adélia Pessoa, há similitude no seu artigo 14 da Lei 14.118/2021.
“Em relação ao anterior artigo 35A da lei do PMCMV, algumas decisões judiciais já apontavam a inconstitucionalidade de tal norma, inclusive através de julgamento no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS”, comenta Adélia, em referência ao Processo 70.082.231.507, que negou a preferência à mulher em um caso de divórcio, em 2019.
Naquela decisão, observou-se que não se trata “de defesa dos direitos do gênero masculino ou do gênero feminino, haja vista que o dispositivo questionado é nocivo para ambos; não se pode confundir nítida violação do princípio da igualdade de gênero com ação afirmativa dos direitos da mulher”. Por maioria, os desembargadores julgaram o pedido do ex-marido procedente, mas a advogada fica com o voto vencido de Rui Portanova, “cujos argumentos vêm ao encontro da igualdade substancial, da equidade de gênero que tanto defendemos”.
“Além de não discriminar arbitrariamente, espera-se que o Estado promova a igualdade material por meio de leis e políticas públicas para atender as especificidades de grupos menos favorecidos, compensando as eventuais desigualdades de fato existentes no viver social”, defende Adélia.
Ela ainda lembra o que já dissera o ministro Carlos Ayres Britto: “Abro as janelas do Direito para o mundo circundante. Não para fugir do fundamento técnico, científico. Mas meu olhar sobre o dispositivo jurídico é influenciado pela vida vivida. O Direito é vida pensada pelo legislador, mas a decisão tem de ser vida vivida. Sou julgador, quero saber como vive aquele que vou julgar”.
Realidade de pandemia
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, as famílias monoparentais de mulher e filhos representam a parte mais vulnerável à pobreza. A pandemia agravou ainda mais a vulnerabilidade feminina: pesquisa realizada pelo DataFolha em 2020 revelou que 57% das mulheres que passaram a trabalhar em regime de home office relataram que acumulam a maior parte dos cuidados com a casa; no caso dos homens, o percentual é de 21%.
Outra pesquisa, organizada no ano passado pela Gênero e Número e pela Sempre Viva Organização Feminista, indica que 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém, e 72% afirmaram que a pandemia aumentou a necessidade de monitoramento e companhia.
“Proporcionalmente, foram as mulheres que mais sofreram com o desemprego ocasionado pela pandemia. A mulher, culturalmente responsável pelo cuidado e afazeres domésticos, ficou muito mais onerada com os filhos pequenos em casa, além dos idosos e doentes sob sua responsabilidade”, destaca Adélia Pessoa.
Assim, a especialista entende que o artigo 14 da Lei que instituiu o PCVA (artigo 35ª da lei anterior) não afronta a Constituição. “Cuida-se de política pública, em que o Estado busca materializar, dessa forma, direitos e garantias fundamentais, buscando a efetiva promoção da cidadania da mulher, frente a uma realidade ainda tão desigual quanto à violência patrimonial a atingir, em maior escala, a mulher e, via reflexa, os filhos.”
“Considero o dispositivo do artigo 14 como ação afirmativa de modo a preservar a propriedade da família quando da separação, dentro de um contexto de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, justificando a discriminação justa imposta pela Lei”, acrescenta Adélia.
Contudo, a alteração da titularidade da propriedade, em consonância com a guarda dos filhos, na opinião de Adélia, não obstante a ratio de proteção de filhos, gera “uma situação de instabilidade muito grande não condizente com o instituto da propriedade – talvez a alteração da posse fosse mais adequada”. Além disso, a lei ignorou a existência da regra geral de guarda compartilhada, segundo a advogada.
Resolução de conflitos
Já o artigo 15 determina que “os prejuízos sofridos pelo cônjuge ou pelo companheiro em razão do disposto nos artigos 13 e 14 serão resolvidos em perdas e danos”. Adélia comenta: “Não há semelhança com disposição expressa da lei anterior, mas vislumbro a possibilidade de menos conflito, não havendo supressão de direito patrimonial do varão se sofridos prejuízos efetivos”.
“Explico-me: anteriormente, utilizando a interpretação sistemática, havia decisões no sentido de conciliar o disposto no artigo 35-A da Lei 11.977/2009 com as normas relativas aos regimes de bens e partilha destes, com o ressarcimento, pela mulher, dos direitos a que o homem fazia jus, de acordo com o regime de bens escolhido. Entendo que a lei mais do que proteger a mulher, busca proteger os filhos menores, pois a propriedade deve ser registrada em nome do guardião e ser transferida com a mudança da guarda, reforçando a prioridade absoluta prevista na Constituição”, acrescenta a advogada.
Entretanto, na visão da diretora nacional do IBDFAM, ao reconhecer expressamente a preferência da mulher em ter registrada a casa de moradia em seu nome, e assim também na separação do casal, a nova lei fortalece o reconhecimento de que, conforme afirmação do ministro Carlos Ayres Britto, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 19/DF, “as mulheres são, quase que invariavelmente, o eixo em torno do qual gravitam os núcleos domésticos a que chamamos de família”.
Ações afirmativas
Segundo o advogado e professor Carlos Pianovski, presidente do IBDFAM seção Paraná, a Lei 14.118/2021 é mais um instrumento de realização de política pública habitacional que busca facilitar o acesso a um direito fundamental social. “No que diz respeito, especificamente, aos efeitos relevantes para o Direito de Família, todavia, há escolhas que merecem maior reflexão – e, mesmo, crítica”, afirma.
Ele defende que a preferência concedida à mulher reprisa o que já estava vigente no âmbito do programa habitacional instituído pela Lei 11.977/2009. “Trata-se de incentivo, não cogente, que, todavia, se apresenta com o escopo de, ao final, servir de instrumento facilitador da atribuição à mulher, da propriedade exclusiva sobre o bem. O escopo da norma, por evidente, é promover uma ação afirmativa.”
Celebrado o contrato em nome da mulher ou do homem, dissolvida a conjugalidade, o imóvel será, em regra, de propriedade da mulher. “Cabe, porém, ponderar se o modo como essa ação afirmativa é instituída é verdadeiramente adequado à finalidade a que se destina, sobretudo à luz do princípio da proporcionalidade”, comenta Carlos. Para o especialista, a norma se assemelha, ainda que com âmbito de aplicação mais restrito, à “vetusta figura dos bens reservados da mulher casada, que não foi recepcionada pela ordem constitucional de 1988”.
“Não se olvida que a igualdade constitucional entre cônjuges deve ser compreendida em consonância com a igualdade material – preocupação que deve nortear o Direito de Família contemporâneo, na apreensão inequívoca do patriarcalismo que ainda domina a realidade das relações de família. Isso torna legítimas as ações afirmativas. A questão reside em saber quais ações dessa natureza são consentâneas com a ordem constitucional.”
Ele opina: “O juízo de adequação que integra necessária proporcionalidade quando da restrição a direitos fundamentais – como é o direito de propriedade – poderia permitir a instituição, em favor da mulher, de normas assecuratórias do exercício de posse, instrumentos que facilitadores do exercício de direitos sobre o imóvel na recusa, ausência ou omissão do marido, ou, mesmo, regras que facilitem a aquisição exclusiva da propriedade pela mulher, preservando, porém, em um primeiro momento, os efeitos decorrentes do regime de bens.”
A pura a simples qualificação da titularidade como atribuída exclusivamente à mulher pode se apresentar como meio inadequado – e, por isso, desproporcional – para a realização da pretendida ação afirmativa, de acordo com o advogado.
Perdas e danos
Assim como Adélia Pessoa, Carlos diz que a lei inova em relação ao programa habitacional anterior ao dispor, no artigo 15, que “Os prejuízos sofridos pelo cônjuge ou pelo companheiro em razão do disposto nos arts. 13 e 14 desta Lei serão resolvidos em perdas e danos”.
“Substitui-se, pois, a propriedade pelo crédito. A medida não convence. A norma se refere a ‘prejuízo’ e ‘perdas e danos’. A incongruência não poderia ser maior. Se a norma de ação afirmativa for mesmo proporcional, não há dano injusto a indenizar. A atribuição da propriedade à mulher seria efeito puro e simples da opção normativa, não havendo que se falar em ‘prejuízos’ ou indenização por ‘perdas e danos’.”
Ele pondera: “De outro lado, se houver desproporcionalidade da própria norma, por inadequação – e, nessa medida, for ela inconstitucional –, é a propriedade exclusiva em si que acaba por ceder à comunhão, não havendo que se cogitar, assim, da incidência de regras de responsabilidade civil”.
Chefe de família
Há, ainda, na lei, regra que pode conduzir a consequências opostas à pretendida ação afirmativa. Trata-se da parte final do caput do artigo 13, que dispensa a outorga conjugal nos contratos efetivados no âmbito do programa regido pela Lei 14.118/2021, condicionado à mulher “chefe de família”. “Conduz à conclusão de que, para a lei, haveria hipóteses em que a mulher não ostentará essa condição. A norma parece trazer implícita a compreensão de que a chefia da família se constitui mediante a condição de provedor ou provedora econômica”, avalia Carlos.
Ele explica que o IBGE, no emprego da expressão “chefe de família” em suas estatísticas, não define tal condição por meio de um conceito econômico, mas, sim, como a posição de “responsável” pela família – a ser declarada pelos entrevistados na realização das pesquisas demográficas.
“Isso enseja a conclusão de que a referida norma de ação afirmativa não beneficiaria a mulher precisamente naqueles casos em que o declarado ‘responsável’ pela família é o homem. Ou seja, nos casos em que o patriarcalismo se mostra como mais pronunciado, e a dependência econômica da mulher se apresenta como fato reconhecido, à mulher não se aplicaria a norma mais benéfica.”
Ele acrescenta: “Admitir-se, na lei, efeitos diferentes para famílias conjugais nas quais a mulher não exerça a chefia em conjunto com o homem é totalmente alheio à lógica constitucional, que atribui a ambos os cônjuges ou companheiros a direção diárquica da família, independentemente de a quem caiba, concretamente, o trabalho lucrativo e o provimento do sustento.”
Duas hipóteses hermenêuticas
Na lógica constitucional, a mulher sempre será a “chefe de família”, em conjunto com o marido. “A rigor, em interpretação conforme, o critério econômico não pode prevalecer. Assim, restariam apenas duas hipóteses hermenêuticas possíveis”, afirma o professor, que desenvolve:
– ou as normas do Código Civil sobre a necessidade de outorga conjugal estão afastadas em todos as famílias conjugais, uma vez que, nesses casos, à mulher sempre caberá a direção diárquica da sociedade conjugal, o que converteria a exceção prevista na Lei 14.118/2021, verdadeiramente, em regra;
– ou a desnecessidade de outorga conjugal se aplicará apenas aos casos em que a mulher tiver a direção exclusiva da sociedade conjugal, conforme o disposto no artigo 1.570 do Código Civil.
“Não se pode esquecer, ainda, que, a rigor, com ou sem a regra aqui referida, a aquisição da propriedade, por si só, não dependeria de outorga conjugal – assim como a locação, o comodato, ou o recebimento do bem mediante doação, previstos no parágrafo 6º do artigo 8º da lei”, explica. Ele acrescenta: “O afastamento da regra do artigo 1.647 do Código Civil parece se destinar, apenas, à constituição da garantia real para a aquisição onerosa do imóvel e à eventual alienação do próprio bem, quando ainda pendente o pagamento integral do mútuo”.
Ações afirmativas
Em artigo sobre o tema publicado no portal do IBDFAM, o professor Nelson Rosenvald questiona se lei “requenta dispositivos que vigiam há dez anos, mas não vinham sendo aplicados na prática”, para concluir que a resposta é negativa. O autor sustenta que a opção legislativa se situa no campo das ações afirmativas, na ampliação de capacidades e liberdade substancial.
Pianovski compartilha com Rosenvald a leitura sobre a necessidade de ações afirmativas destinadas às mulheres, bem como os mesmos referenciais teóricos definidores de um conceito de liberdade substancial, como conteúdo a determinar o sentido contemporâneo de políticas públicas de bem-estar social.
Contudo, suprimir-se automaticamente o direito de propriedade decorrente do regime de bens, atribuindo-se a titularidade, de antemão, à esposa, parece ao advogado ser meio inadequado para preservar o acesso à moradia da mulher e dos filhos, bem como o uso e fruição do bem em benefício da mulher, presumida como vulnerável na dissolução da sociedade conjugal.
“Por ocasião da dissolução da conjugalidade, seria possível ao legislador, por exemplo, assegurar moradia por meio de outros direitos reais limitados, ou, mesmo, pela garantia de posse oponível ao outro condômino – assim qualificado na pressuposição de extinção da comunhão derivada do regime de bens. Seria viável cogitar, ainda, que a lei afastasse, em proveito da mulher e da prole, o dever de um condômino ressarcir ao outro pelo uso e fruição exclusivos da coisa comum.”
A lei poderia prever alternativa diversa para assegurar a aquisição, pela mulher, da titularidade exclusiva sobre o bem, após a dissolução da conjugalidade, desde que atendidos certos requisitos. “Uma inspiração para isso pode estar na norma do artigo 1.240-A do Código Civil, tão pródiga em impropriedades técnicas, mas que traz elementos que permitem pensar na construção de uma nova regra, revestida na natureza de ação afirmativa.”
“Não se trata de empregar o artigo 1.240-A tal como vigente, mas apreender aquilo que ele pode trazer de positivo, para a elaboração de uma nova norma sobre a matéria. A regra daí advinda poderia ser um instrumento para assegurar à mulher condômina a propriedade exclusiva sobre o bem após dois anos de exercício de posse, sem a atecnia da referência à posse “direta”, substituindo-se o criticável requisito do abandono de lar pela ampliação do conceito legal de abandono do direito real de propriedade.”
Ele sugere: “Tratando-se de imóvel ainda sujeito a garantia decorrente de financiamento, em que a aquisição originária por usucapião seria incabível em detrimento do credor, seria possível cogitar, por exemplo, de regra na qual, após dois anos sem que o homem tenha contribuído para o pagamento das parcelas do empréstimo, restaria presumido o animus abandonandi. Isso poderia permitir, sem prejuízo à garantia do agente financiador, que o contrato pudesse prosseguir exclusivamente em proveito da mulher que permanece adimplindo as parcelas do mútuo”.
“A questão reside em saber quais instrumentos para a realização de ações afirmativas se apresentam como coerentes com a Constituição. Nem todas as ferramentas que visam à igualdade material atendem aos critérios de proporcionalidade decorrentes da própria ordem constitucional. Esse é o cuidado que se impõe ao legislador.”
Disputa envolvendo os filhos
Há ainda a teoria de que a transgressão do direito nos casos em que a guarda dos filhos fica com o homem possa fomentar a disputa pela custódia da criança ou adolescente para esse fim. “Vinculação é totalmente inadequada”, como define o presidente do IBDFAM-PR, o trecho precisa ser revisto.
“Apesar da aparente intenção de assegurar a moradia das crianças e adolescentes, o instrumento empregado estimula litígios, ao definir uma extravagante simbiose entre direito de propriedade e guarda de filhos. Assim, quem tiver a guarda unilateral, será, também, proprietário do imóvel. Isso vem na contramão do Direito de Família contemporâneo, que traz evidente preferência pela guarda compartilhada.”
O diretor nacional do IBDFAM explica que a norma constante do parágrafo único do artigo 14 da lei, diversamente, pressupõe, para assegurar direito de propriedade ao homem, que este tenha a guarda exclusiva. “Mais que isso: na hipótese de inversão de guarda exclusiva em favor da mãe, passará ela a ser a proprietária do imóvel.”
“Além de entrelaçar de modo desastrado os efeitos da parentalidade ao direito de propriedade, a norma fomenta litígios, colocando os interesses patrimoniais dos pais à frente do melhor interesse dos filhos. Ainda que o escopo da norma seja o inverso, a infeliz opção legislativa tende a produzir incentivos para condutas que contrariam a lógica protetiva do sistema, enfraquecendo a guarda compartilhada e convertendo os filhos em objetos de disputa com escopo patrimonial.”
De acordo com Carlos, a norma também não dispõe claramente sobre o que ocorre se a guarda unilateral de alguns filhos for atribuída à mãe e, de outros, ao pai – embora, aparentemente, a resposta consista na manutenção do direito de propriedade exclusivo da mãe. “Aos filhos que ficarem sob a guarda do pai se negará, assim, a pretensa garantia à moradia no imóvel adquirido por meio do programa?”, indagada.
Ele conclui: “A norma, portanto: (a) define desastrosa simbiose entre efeitos da parentalidade e direito de propriedade; (b) enfraquece a preferência pela guarda compartilhada; (c) fomenta litígios; (d) reifica a criança e o adolescente, ao converter sua guarda em instrumento para a aquisição da propriedade imobiliária; (e) viola, com isso, a dignidade e o melhor interesse da criança e do adolescente. Não tenho dúvida, portanto, de que esse parágrafo merece ser revogado”.
Fonte: IBDFAM