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Artigo – Estado de S. Paulo – Recuperação judicial: projeto de lei potencializa a recuperação das organizações – Por Mateus Gonçalves Borba Assunção
O ano de 2020 já está marcado na história. O surto da covid-19 em todo o mundo fez o Estado Brasileiro decretar a calamidade pública que se iniciou em 20 de março com prazo final para 31 de dezembro desse mesmo ano por meio de Lei Federal.
As relações sociais e por conseguinte as empresariais foram fortemente impactadas. Desde o início da pandemia o Ministério da Saúde recomendou que os cidadãos ficassem em casa com o intuito de “achatar a curva de contaminação” visando evitar que os brasileiros sofressem o que os italianos, espanhóis e outros povos foram acometidos.
Somos testemunhas das notícias de compras de respiradores, construção de hospitais de campanha e trocas ministeriais. Apesar do pedido do Presidente da República para que as atividades comerciais fossem mantidas o que se viu foram prefeitos e governadores estabelecendo quarentenas e até mesmo o lockdown.
A pandemia afetou as relações sociais e muitas mudanças legais tiveram que ser implementadas em regime de urgência. Por meio das Medidas Provisórias, espécie de ato normativo sancionado pelo Presidente da República mediante prévia e rápida análise do Congresso Nacional, as normas federais foram alteradas para atender as pessoas sejam elas físicas ou jurídicas.
Foram várias medidas sancionadas até o presente momento. Aprovadas em regime de urgência também foram questionadas perante o Supremo Tribunal Federal visando o controle de constitucionalidade, atraindo para a Corte suprema a necessidade de julgamentos céleres afim de atender às necessidades dos brasileiros.
São muitas as mudanças nas relações de trabalhos devido a obrigatoriedade do fechamento dos estabelecimentos privados e públicos. Muitos trabalhadores foram dispensados, tiveram seus contratos de trabalho suspensos, outros com redução de jornada e salário. São acontecimentos que impactam a capacidade de aquisição de produtos e serviços.
Adotar o homeoffice não é uma prática que todos os empregadores e trabalhadores se adaptam de forma rápida. Há notícias de muitos casos de afastamento por ansiedade, oriundos do medo e outros problemas psicológicos ligados a falta de liberdade de ir e vir.
O empresário juntamente dos empregados são os mais afetados com o estado de calamidade pública. Já transcorreram mais de 90 (noventa) dias de calamidade pública e a grande maioria dos Estados mantem a obrigatoriedade do fechamento dos estabelecimentos. Alguns Estados já iniciaram as regras de abertura, tal como no Distrito Federal.
A função social da sociedade empresária foi violentamente afetada. Manter a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços se tornou um desafio de logística e atendimento.
E juntamente de todo esse cenário de crise, tem-se as empresas que sobreviveram de alguma forma perante a recessão econômica dos últimos anos e agora se deparam com: contratos encerrados, suspensos, demissões, falta de receita e até aumento da despesa na contratação de serviços online que não estavam no planejamento orçamentário do ano de 2020.
Por parte do Governo Federal medidas econômicas foram implementadas em tempo recorde. O Ministério da Economia se sensibilizou com o impacto sofrido pelos contribuintes. E foram editadas normas de suspensão de entregas de obrigações acessórias e até mesmo prorrogação de regras de diferimento no recolhimento dos tributos.
Além de concessão de linhas de créditos especiais para micro e pequenas empresas por meio da Lei n. 13.999/20, ficou definido para esse grupo de empresas que a taxa de juros anual máxima deveria ser limitada à taxa Selic, acrescida de 1,25% sobre o valor concedido pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses para pagamento.
Mesmo assim, a pandemia e a crise estabelecida pelo isolamento social acarretaram para muitas empresas, sejam elas pequenas, médias ou de grande porte, a possibilidade do encerramento das suas atividades, pedido de recuperação extrajudicial e judicial para se manter no mercado.
Não bastasse todo esse cenário, credores que querem receber a todo custo o que lhes pertence pedem a falência das empresas. E os devedores sem conhecimento de causa ou por ausência de uma assessoria jurídica especializada não conseguem trilhar um caminho de acordo para pagamento das dívidas.
Afinal é muito melhor uma empresa em funcionamento, ainda que precário, gerando empregos, criando expectativa de mercado e concorrência do que um estabelecimento fechado.
No Brasil a cultura da recuperação extrajudicial ainda não foi implementada. E é esta a solução adequada para o presente momento. A Lei n. 11.101/05 estabelece nos arts. 161 a 167, que o Plano de Recuperação Extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial.
E como o pedido é homologado? Atualmente exige-se a assinatura de pelo menos 3/5 (três quintos) de todos os credores de cada espécie abrangidos no plano geral de credores. Além disso o devedor não poderá requerer a homologação do plano se estiver pendente de pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.
Logo apesar da recuperação extrajudicial ser o melhor caminho o legislador institui obstáculos que muitas vezes o devedor não consegue transpor para se recuperar.
O Projeto de Lei (PL) n. 1.397/20 se baseia em alguns pilares, tais como: na suspensão legal para evitar uma falência antecipada, negociação preventiva, estímulo ao financiamento e o pedido de recuperação extrajudicial ou judicial.
Após a sanção do PL que será votado em regime de urgência na Câmara dos Deputados, a Lei n. 11.101/05 será alterada para diminuir o quórum exigido no art. 163, de 3/5 (três quintos) das assinaturas dos credores para 1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie abrangidos no plano de recuperação extrajudicial.
Flexibiliza-se a regra dos arts. 161 e 162 para que as empresas possam apresentar novos planos de recuperação judicial ou extrajudicial ainda que não tenha havido a homologação do plano original. E mais, aqueles que se recuperaram em menos de 5 (cinco) anos e aprovaram o plano de recuperação há menos de 2 (dois) anos também poderão pretender a recuperação extrajudicial ou judicial.
Prevê-se a suspensão de 120 (cento e vinte) dias para a exigibilidade das obrigações assumidas pelo devedor nos planos de recuperação já homologados independentemente da aprovação na assembleia geral de credores.
O PL prevê também, a possibilidade se incluir novos créditos que tiveram origem após o ajuizamento do pedido de recuperação no novo plano.
Essas e outras alterações estão previstas no PL 1.397/20 que após a sanção legislativa, entende-se que muitas empresas utilizarão do mecanismo de recuperação para obtenção de novo fôlego e parâmetro de negociação das dívidas com os credores.
Outro importantíssimo debate levantado neste momento é a aplicação dos institutos da recuperação extrajudicial e judicial as entidades sem fins lucrativos, filantrópicas ou não, condomínios, grupos esportivos e outras formas de organização não contempladas na Lei n. 11.101/05.
O juiz de direito Edilson Enedino das Chagas[1], que atuou por mais de 5 (cinco) anos na Vara de Falência e Recuperação Judicial no TJDFT já se posicionou que não haveria óbice em homologar um plano de recuperação extrajudicial por uma entidade não contemplada na Lei n. 11.101/05. E este é um posicionamento que motiva os gestores à possibilidade de um plano que viabilize o reequilíbrio econômico-financeiro da entidade.
Por fim, as esperançosas alterações pedem ao devedor maior atenção ao expediente necessário para a viabilização da recuperação extrajudicial ou judicial da sociedade empresária e até mesmo das entidades não contempladas na Lei n. 11.101/05. É necessário implementar a cultura da Recuperação Extrajudicial, que pode estabelecer melhores caminhos de reestruturação no mercado gerando para os credores um sentimento de boas expectativas e não de “calote” como muitas vezes os planos de recuperação são utilizados.
Fonte: Estado de S. Paulo