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Artigo – JOTA – Consequências tributárias da renegociação de dívidas – Por Eduardo Barbosa Muniz e Gabriel Bez Batti
Exame dos impactos fiscais pode evitar surpresas na repactuação de dívidas
Considerada por representantes da Organização das Nações Unidas como o maior desafio da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, a crise gerada pela Covid-19, popularmente conhecida como “Coronavírus”, impactou severamente o fluxo global de negócios.
Grave efeito colateral dessa crise de saúde é a redução da atividade econômica, que gera diminuição na receita das empresas e resulta na busca incansável de novas formas de aliviar o caixa. Nesse contexto, contratos de financiamento ou de dívida são comumente objeto de renegociação, como forma de mitigar os impactos financeiros da crise
Essas renegociações podem envolver redução efetiva do passivo, como ocorre no perdão de dívida, ou providências mais brandas, como a postergação do pagamento de juros, a renegociação do prazo da dívida ou a redução de juros vincendos. Em cada hipótese, é necessária a avaliação dos possíveis impactos tributários da renegociação pretendida.
No perdão de dívida, o efeito verificado na contabilidade da pessoa jurídica beneficiária, que tem a dívida perdoada, é de extinção de um passivo sem qualquer contrapartida, o que gera aumento do patrimônio líquido da empresa
Os órgãos contábeis brasileiros reconhecem que a redução de passivos, tal como ocorre na hipótese de perdão de dívida, exige o reconhecimento de uma receita. Cite-se, a título ilustrativo, o item 4.47 da Resolução CFC n. 1.374/2011, pelo qual o reconhecimento da receita deve ocorrer tanto na hipótese de aumento nos ativos quanto com a diminuição de passivos.
Essa receita, se não estiver vinculada a empréstimos ou a financiamentos, terá natureza operacional, conforme pontuou o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em julgados recentes (Acórdãos 3302-006.474, 3201-002.117 e 1401-001.041) e nas Soluções de Consulta 17/2010 e 65/2019. Por não haver previsão legal para a sua exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS, o entendimento da Receita Federal é no sentido de que ela deve ser tributada por essas contribuições.
No que toca à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, igualmente entendem as autoridades fiscais que o perdão de dívida gera acréscimo patrimonial para seu beneficiário, do que decorrerá a tributação da renda, na forma do art. 43 do Código Tributário Nacional (Solução de Consulta 17, de 27/04/2010; entre outras).
Particularmente quanto ao PIS/COFINS, entendemos ser descabida a incidência dessas contribuições sobre a receita decorrente do perdão de dívida. Não há, aqui, ingresso efetivo e positivo de recursos na empresa, mas mera redução de um passivo.
Não se pode admitir que a mera classificação contábil de determinado fenômeno como receita produza efeitos fiscais, como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 606.107, de 22/05/2013. A Corte decidiu pela não incidência do PIS e da Cofins sobre valores recebidos por contribuintes na transferência a terceiros de créditos de ICMS vinculados às operações imunes de exportação, ainda que uma receita tenha sido contabilizada.
Mesmo diante da existência de bons fundamentos para afastar a tributação no perdão de dívida, especialmente no que se refere ao PIS/COFINS, a posição da administração tributária desfavorece os contribuintes.
Para mitigar os efeitos fiscais de renegociações de dívida com efetiva redução de passivo, é comum contribuintes lançarem mão de operações como a absorção de prejuízo à conta de sócio, evitando-se modificar a situação patrimonial da pessoa jurídica. Esta opção deve ser revestida de cautelas, mas, quando validamente implementada, a sua neutralidade fiscal é reconhecida pelo Fisco.
No que se refere às renegociações de prazo ou redução de juros vincendos, em que não há perdão do principal ou dos juros vencidos, parece-nos claro que não haverá receita ou lucro tributável de qualquer natureza.
A dúvida aqui residirá na eventual configuração de novação da dívida, o que poderia atrair a incidência de IOF-crédito, sob a alegação de que há nova operação de crédito.
Note-se que, contudo, que, por força do recém editado Decreto 10.305/20, a alíquota do IOF-crédito foi reduzida a zero até 03.07.2020, evitando-se a discussão acima referida durante esse período.
Por fim, quando da renegociação de títulos de dívida (ou a sua alienação), é importante a avaliação de possíveis repercussões acerca da tributação pelo Imposto de Renda na fonte (IRRF) dos juros e demais rendimentos.
É que, por razões diversas, a tributação na fonte usualmente incidente sobre juros creditados ou pagos poderá ter sido diferida para o momento da liquidação ou resgate do título de dívida, o que poderá onerar a operação caso constate-se a ocorrência de tais eventos.
Em síntese, são preocupações gerais a serem consideradas pelas empresas na tomada de decisão acerca da renegociação de dívidas. A adequada consideração dos fatores tributários poderá evitar que a eventual repactuação do financiamento, obtido em cenário de crise como o que o Brasil e o mundo vivem hoje, se transforme em passivo tributário ainda mais relevante no futuro.
EDUARDO BARBOZA MUNIZ – Sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada – Advogados.
GABRIEL BEZ BATTI BEZ BATTI – Associado do escritório Brigagão, Duque Estrada – Advogados.
Fonte: JOTA