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STJ: STJ e CNJ realizam evento para discutir gestão de dados no âmbito do Judiciário
O seminário é uma das atividades do grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em abril para os estudos sobre a temática. O grupo é coordenado pelo conselheiro do CNJ Márcio Schiefler Fontes e conta com a participação do ministro do STJ Villas Bôas Cueva.
Na abertura do evento, o ministro Cueva destacou a relevância do tema em tempos de revolução virtual e com a recente aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, Lei 13.709/2018.
“Nós estamos na iminência da revolução digital, com o uso crescente da inteligência artificial. É um processo que já estamos vivenciando”, comentou o ministro.
Ele afirmou que o assunto interessa ao Poder Judiciário, pois por meio das novas soluções tecnológicas é possível dar mais racionalidade, celeridade e efetividade à prestação jurisdicional. Cueva disse que o assunto desperta vários questionamentos, como quem será responsável pela gestão dos dados, como protegê-los, quem pode usá-los ou acessá-los, entre outros pontos que serão discutidos ao longo do evento.
O conselheiro Márcio Schiefler afirmou que as novas tecnologias geram questionamentos que ainda não foram respondidos pela legislação nacional.
Dados relevantes
“Mesmo aquilo que parece insignificante, após o cruzamento de dados, se transforma em um dado valioso”. A professora citou o caso do uso de dados pela empresa Cambridge Analytica, que, segundo especialistas, supostamente teria influenciado eleições nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Ela destacou que 200 mil pessoas baixaram o aplicativo pelo qual uma falha de sistema permitiu a extração de dados dos amigos desses usuários. Ao todo, 87 milhões de pessoas foram afetadas.
O professor Danilo Doneda disse que o tratamento de dados é um aspecto fundamental, e que a questão da proteção de dados não é nova, pois em 1978 já existia uma lei para a proteção de dados no país.
Para ele, a Constituição de 1988 quis ser um marco nesse assunto, mas muito precisou ser feito após o texto constitucional, como a Lei 13.709/2018 – que, na visão do professor, trouxe “instrumentos adequados para a regulação desse assunto”.
Encerrando o painel, a representante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Miriam Wimmer, lembrou questões controvertidas a respeito do uso e tratamento de dados pessoais, observando que, no caso do Poder Público, existe ainda uma relação de assimetria entre o cidadão e quem detém a guarda dos dados.
Ela deu o exemplo do espanhol Mario Costeja, que entrou com um processo defendendo o direito ao esquecimento, gerando um debate inédito nas cortes europeias de direito. Miriam Wimmer destacou que, apesar da Lei 13.709/2018, ainda não temos uma autoridade nacional de proteção de dados, o que reforça o papel do Judiciário na proteção dos direitos individuais referentes às informações pessoais e ao uso desses dados por terceiros.
Uso econômico
Ele apresentou o setor com ênfase na importância do uso de inteligência artificial e de recursos como machine learning para o direito. Segundo o professor, já são mais de 200 empresas no Brasil especializadas no uso da tecnologia para o direito.
O professor Alexandre Carvalho, do centro de inovação Future Law, fez uma distinção entre ciência de dados e automação. Enquanto a automação por si só não tem significado, a ciência dos dados é o que ajuda os profissionais a entender e usar as informações coletadas via recursos tecnológicos.
Ele destacou um caso de sucesso, de uma empresa de vendas pela internet, no qual o conhecimento qualificado das informações sobre os litigantes possibilitou uma redução de 99% no número de novos processos, possibilitando a conciliação por outros canais.
Por último, o professor Ronaldo Lemos, da Universidade de Columbia (EUA), considerou que, sem o uso da tecnologia, os governos perderão rapidamente a sua efetividade. “Um governo que não usa tecnologia deixa de governar”.
Ele apresentou soluções tecnológicas para governos, com exemplos de países que implementaram a ferramenta com sucesso, como a Estônia e a Índia. Segundo o professor, o conhecimento das informações é fundamental para a mensuração de resultados e, consequentemente, para a gestão pública.
Acesso aos dados
Segundo Marcelino, o movimento de dados abertos está se difundindo em todo o mundo e transformando a maneira como os dados – públicos e privados – são coletados, publicados e consumidos. Para ele, a demanda social por acesso a esse tipo de informação possibilita maior acesso à justiça. No entanto, Daniel alertou que é necessário dar aos cidadãos condições de utilizar os dados, não sendo suficiente apenas disponibilizá-los. Para tanto, seria fundamental investir em políticas de inclusão digital.
Em seguida, o coordenador do Laboratório de Governança Pública e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Elias Jacob de Menezes Neto, ressaltou a relevância do sistema Sinapses, do CNJ, o qual proporciona maior celeridade no processamento das ações judiciais por meio de um mecanismo de predição. De acordo com ele, os dados judiciais têm grande valor econômico e social, podendo ajudar a diminuir a alta demanda da Justiça brasileira.
O chefe de gabinete da Ouvidoria-Geral da União, Marcos Lindenmayer, abordou os direitos de acesso a informação e o de privacidade. Ao tratar dos problemas e especificações das leis que dispõem sobre esses assuntos, apontou que é difícil estabelecer qual é a lei geral e qual é a específica, mas ponderou que o momento é de avançar na transparência sem perder a privacidade.
Inovação
Segundo ele, o direito tem dificuldade em acompanhar as rápidas mudanças sociais (em especial as tecnológicas). Assim, na regulação do uso de dados da Justiça, opinou que, em vez de tentarem encontrar uma fórmula que abarque todas as situações de maneira abrangente – o que demandaria mais estudos e mais tempo, porém seria passível de rápida defasagem –, o melhor seria apostar em testes experimentais com menor amplitude – o que ele chamou de modelos de regulação sandbox (caixa de areia).
O professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco Marcos Nóbrega fez considerações sobre direito, tecnologia e mudanças nos modelos de negócios, que demandariam adaptações tanto dos profissionais do direito quanto na forma de abordar os dados nos tribunais brasileiros. Para ele, é necessário refletir sobre qual é a natureza jurídica desse tipo de bem e se seria possível pensar um modelo em que o Judiciário pudesse cobrar pelo uso dos seus dados.
Ao encerrar, o ministro Villas Bôas Cueva apontou que a mineração de dados (data mining) é essencial para o desenvolvimento da inteligência artificial aplicada ao Direito e que as novas ferramentas de inteligência artificial serão fundamentais para aumentar o acesso à justiça, diminuir as assimetrias e assegurar maior celeridade à tramitação processual. Para o Ministro, as inovações contribuirão para assegurar o tratamento isonômico a situações idênticas, já que permitirão comparar, em detalhe, as decisões judiciais em todo país.
O ministro ressaltou que o acesso aos dados é público e que a transparência deve ser a regra. Ponderou que é preciso, contudo, levar em conta que a política pública de amplo acesso às bases de dados não pode comprometer o regular funcionamento do Judiciário – se, por exemplo, causar um congestionamento dos sistemas informáticos -, e nem deve onerar indevidamente o sistema de justiça. Desse modo, entende que o Grupo de Trabalho deverá estudar se o serviço prestado para ampliação do acesso contínuo às bases de dados, para uso comercial e com finalidade lucrativa dos dados judiciais, deverá ou não ser remunerado pelos interessados.
Por fim, o ministro Villas Bôas Cueva concluiu afirmando ser imprescindível a elaboração de um marco jurídico que conceda segurança para os desenvolvedores e usuários desse tipo de recurso, garantindo a adequada compatibilização entre transparência, privacidade e proteção de dados pessoais.