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Clipping – JCNET – 15% dos divórcios em Bauru ocorrem até o primeiro ano após o casamento
Dados mais recentes do IBGE, de 2016, revelam que, de 1.297 casamentos dissolvidos em Bauru, 192 terminaram até um ano depois do ‘sim’
A “crise dos sete anos” é bastante conhecida – e temida – pelos casais, mas as estatísticas mostram que são nos primeiros anos de relacionamento que os problemas tendem a se agravar. Com as transformações morais, legais e tecnológicas experimentadas pela sociedade nas últimas décadas, atravessar este período inicial a dois tem sido uma tarefa cada vez mais difícil.
Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15% dos divórcios são registrados em Bauru até um ano depois do “sim”. Em 2016, foram 1.297 casamentos dissolvidos na cidade, sendo 192 antes ou quando foram comemoradas as Bodas de Papel.
O índice é bem superior à média nacional, de 8%, e estadual, de 9%. Quando considerados os três primeiros anos de casamento, a situação piora: o índice, em Bauru, sobe para 30% do total de divórcios.
Um fator que pesa contra os recém-casados é o fim da paixão, que ocorre, segundo apontam diversos estudos, até por volta de dois anos após o período de encantamento. Os primeiros anos de convivência acabam, então, se tornando a prova de fogo para testar se este sentimento mais intenso vai se transformar em um “pacote” maior, com amor, amizade e cumplicidade incluídos.
A fragilidade das relações no mundo contemporâneo, permeado por maior individualidade, inseguranças e incertezas, tem contribuído para a dissolução das uniões, conforme descreve o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro “Amor Líquido”, de 2003. Teve peso decisivo para esta transformação, o autor diz, a revolução digital, em que os relacionamentos em rede são tecidos e desmanchados com facilidade, nos afastando da capacidade de manter laços no longo prazo.
É uma mudança que ocorre em ritmo acelerado. Para se ter uma ideia, em apenas um ano, entre 2015 e 2016, o número de divórcios em Bauru cresceu 25%. Já entre os registrados até um ano após o casamento, a alta foi de 33%.
“Os primeiros anos, quando o casal passa a dividir o mesmo espaço, contas e responsabilidades, tendem a ser os mais difíceis, até porque há muita fantasia em torno do casamento e muitas pessoas podem não ter maturidade suficiente para enfrentar a realidade”, diz a psicóloga Gretta Rodrigues Souza.
COMUNICAÇÃO
Bárbara (nome fictício) acreditou em um sonho que se desintegrou em apenas três meses de convivência. Há cerca de dez anos, ela engravidou e se casou com o então namorado, um homem bonito e bem estabelecido financeiramente, bastante influenciada pela possibilidade de fugir do autoritarismo do pai.
Mas, próximo da data do casamento, houve o primeiro sinal de que algo poderia estar errado. “Meu noivo me convenceu a vender meu carro e minha moto, dizendo que eu poderia usar o carro dele quando precisasse. Mas, logo depois do casamento, ele começou a impor regras, a criar dificuldades”, afirma ela, que preferiu manter o anonimato.
Passados três meses, Bárbara tinha um compromisso familiar e usou o veículo do marido mesmo sem a autorização dele. Ao retornar para casa, foi informada de que a união estava acabada. “Fiquei, então, 15 dias na casa da minha mãe e, como a situação seguia indefinida, entrei em contato com ele, que manteve a decisão. Fui buscar as minhas coisas e o casamento terminou”, relembra ela, hoje casada com outro homem e mãe de mais duas crianças.
A falta de comunicação entre os casais, como ocorreu no primeiro casamento de Bárbara, é apontada pela psicóloga Gretta Souza como um grande “veneno” para as relações conjugais, principalmente nos primeiros anos de convivência, em que duas pessoas com histórias de vida diferentes precisam se adaptar a uma nova rotina, depois de passado o momento da paixão.
“Muitas vezes, a pessoa fica na expectativa de que o outro descubra como ela se sente em vez de falar. É preciso se olhar, conversar e ver o quanto é humano passar por dificuldades, aprendendo a lidar com elas de maneira realista para construir um projeto de vida juntos. E isso só se faz com paciência, disposição, capacidade de renúncia e maturidade”, acrescenta.
Modelos de união em transformação
Dos casamentos arranjados, muitas vezes à revelia dos noivos, aos relacionamentos cada vez mais fluidos, os modelos de união afetiva estão em constante transformação. Ao estudarem o comportamento das novas gerações, especialistas têm apontado, inclusive, a possibilidade da extinção, no longo prazo, dos matrimônios nos moldes atuais.
Este movimento, contudo, ainda é lento, o que faz com que o casamento tradicional – a única possibilidade de união oferecida socialmente aos indivíduos – continue sendo desejado pela maioria das pessoas (veja, no quadro abaixo), alguns pontos a serem considerados). É uma forma de alcançar segurança e acolhimento, mas que não tem dado mais respostas satisfatórias para uma parcela da população, em meio a um processo de profunda mudança de valores e mentalidades, em que a busca pela individualidade vem ganhando força.
Professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, Marianne Ramos lembra que, no passado, os casamentos ocorriam como forma de garantir a manutenção do patrimônio e do poder entre as famílias. As mulheres estavam sempre em uma posição de submissão ao marido e o amor, assim como o prazer feminino, via de regra, não faziam parte da relação.
“O casamento era considerado indissolúvel, o divórcio não era aceito e os papeis de gênero eram bem definidos. De lá para cá, muita coisa aconteceu: a pílula anticoncepcional, o movimento feminista, a entrada da mulher no mercado de trabalho. E também foi sendo construída a ideia do amor romântico, feito de escolhas”, cita.
Se, no passado, o padrão instituído causava algum tipo de sofrimento, especialmente entre as mulheres, esta transformação sócio-histórica-cultural trouxe outras demandas para os casais. “Eles passaram a não ter um parâmetro de como esta nova forma de se relacionar, com mais equidade entre homens e mulheres, deveria acontecer”, acrescenta a professora.
Amor em cena
Com o amor entrando em cena nas relações, estabeleceu-se a ideia de exclusividade sexual mútua, dando munição para o surgimento do ciúme e do sentimento de posse, fontes constantes de conflitos entre os casais. “A demanda por produtividade no trabalho, a falta de tempo, as novas tecnologias e a competitividade também fizeram com que outros problemas e insatisfações surgissem”, acrescenta.
Hoje, novas possibilidades de se relacionar têm sido experimentadas pelas gerações que têm entre 20 e 30 anos de idade. Na esteira da maior aceitação, social e jurídica, das relações homoafetivas, modelos que fogem às uniões tradicionais de séculos passados começaram a ganhar visibilidade, como os relacionamentos abertos e até mesmo o poliamor, em que três ou mais pessoas podem se amar e ser amadas.
“Estas novas formas de construir uma união afetiva e sexual estão começando a ser legitimadas, mas as transformações ainda são parciais. E não devem tornar os contratos conjugais menos complexos, até porque novos códigos de conduta precisarão ser construídos dentro destas relações”, frisa Marianne, analisando como um dos obstáculos os padrões de liberdade propagados na contemporaneidade, que ela considera irreais.
“É algo que está mais no nosso ideal do que na prática, seja qual for a configuração do casal. Assim como o processo de mudança de padrões é lento na sociedade, é lento dentro da gente e, quando o diferente ocorre dentro da relação sem que tudo tenha sido bem conversado, algumas expectativas podem acabar sendo frustradas”, completa.
Juntos há 61 anos, Mário e Maria revelam a ”receita”
Determinação e perdão. Este são dois dos ingredientes que não podem faltar para que um casamento seja duradouro. É o que ensinam a professora aposentada Maria de Lourdes dos Santos, 76 anos, e o pastor Mário Pereira dos Santos, 77 anos, casados há 61 anos.
Para compartilhar suas experiências com outros casais, eles lançam em Bauru, neste fim de semana, o livro de poesias “O glacê do bolo – Receita para um casamento feliz”, na Igreja Batista Redentor. Maria escreveu a obra inspirada no marido, mas também nas histórias que conheceu durante o aconselhamento que ela e Mário prestam a famílias na comunidade em que ele é pastor.
Entre as dicas mais importantes, ela destaca: o casal não pode dormir brigado. “A melhor coisa é perdoar e pedir perdão. Por mais que aquilo que o outro fez esteja doendo e seja difícil, declare perdão, porque o que faz a gente sofrer é a raiva, o mal que está dentro de nós”, conta.
Assim como Maria, o pastor cita a importância da presença de Deus da rotina do casal, que fortalece a capacidade de amar o próximo e a perseverança, quando nem tudo ocorre como o desejado.
“Os contratempos existem, mas, Deus nos concede esta determinação para continuar lutando pela permanência do casamento”, conta. Com a presença da cantora gospel Mairy Evelyn, filha do casal, o livro teve seu primeiro dia de lançamento ontem e terá o segundo dia hoje, às 18h30, na Igreja Batista Redentor, que fica na rua Salgado Filho, 5-68, no Jardim Carolina.
”Escovas que não combinam”
Juiz de casamento do 1.º Cartório de Registro Civil de Bauru há mais de 20 anos, Artur Guedes Neto acredita que a diminuição de matrimônios resistentes e duradouros como Mário e Maria ocorra porque a sociedade mudou. “Antigamente, as pessoas ficavam muito tempo se relacionando, conhecendo os defeitos um do outro, para somente depois se casarem. Hoje em dia, um casal começa a namorar e, dois ou três meses depois, já assume esse compromisso. Aí é que vai ver que as ideias não batem. Sabe aquela história de que ”as escovas de dente não combinam”. É o que acontece, pois as pessoas estão apressando essa etapa importante da vida”, opina.
O juiz também atribui o cenário à facilidade em se divorciar. “Hoje, o cidadão casa e separa rapidamente porque o divorcio ficou muito fácil. Antigamente, tinha a separação judicial e, depois, o divórcio. Atualmente, não tendo filhos, o casal pode ir em qualquer cartório de registro civil com os documentos e selar a desunião”, acrescenta Artur, que calcula ter realizado aproximadamente 24 mil matrimônios em mais de duas décadas como juiz de casamento. “Faço uma média de 1.200 por ano”, exalta.
Mudanças na sociedade favorecem as estatísticas, afirma especialista
A conquista da autonomia feminina, o ingresso da mulher no mercado de trabalho e a diminuição do preconceito sobre a vida depois do divórcio foram transformações recentes, historicamente falando, que proporcionaram o aumento do número de casamentos dissolvidos ao longo das últimas décadas.
Em meados do século passado, os matrimônios se mantinham, com maior frequência, para manter aparências, independentemente do sofrimento infringido ao parceiro. A partir da liberação sexual trazida pela década de 1960, as mulheres, especialmente, passaram a ter maior conhecimento e consciência sobre seu corpo e suas vontades.
Por outro lado, os homens descobriram que elas poderiam ser, mais do que um troféu ou donas do lar, uma parceira com quem dividir sonhos e planos de vida. “As relações dos casais estão menos atreladas à dependência econômica de um dos cônjuges. E esta independência financeira dá possibilidade do ”ofendido’ se libertar rapidamente do seu ‘ofensor'”, pondera o professor universitário e advogado Fabrício Posocco, especialista em Direito Civil e de Família, que recebe em seu escritório, a cada mês, em média, pelo menos dois ou três casos de pessoas querendo se divorciar com menos de um ano de casamento.
Na risca da lei
Em julho de 2010, mudanças na legislação tornaram o divórcio mais prático e rápido. Antes da Emenda Constitucional n.º 66, que deu nova redação ao parágrafo 6.º do Artigo 226 da Constituição Federal, era necessário ter pelo menos um ano de casado para solicitar o processo de separação ou não viver mais sob o mesmo teto há dois anos para ingressar com o pedido de divórcio direto. Havia ainda a necessidade de apresentar uma justificativa para a dissolução da relação.
Agora, quando o término é consensual e o casal não possui filhos menores de idade ou incapazes, a escritura pode ser registrada em qualquer tabelionato de notas, com a presença de apenas um advogado, sendo averbada em um cartório de registro civil. Porém, se o casal possuir filhos ou se o fim do relacionamento não for consensual, a pendência somente será solucionada por intermédio da Justiça e pode demorar alguns meses até ser concluída.
‘Crise dos sete anos’: mito ou verdade?
O termo “crise dos sete anos” se popularizou com o “O Pecado Mora ao Lado”, de 1955, que conta a história de um editor de livros que aproveita viagem da esposa para se aproximar da vizinha, vivida por Marilyn Monroe. Enquanto cultiva fantasias com a moça, ele se dedica à leitura do livro “A Coceira do Sétimo Ano”, que trata da forte tendência masculina à infidelidade após sete anos de casamento.
Mais de 60 anos depois, a “crise dos sete anos” ainda é tratada como uma espécie de armadilha à espreita dos casais. Ainda que muitos deles possam ficar sugestionados com este marco, não há, na realidade, nenhuma comprovação científica que relacione os problemas na vida a dois ao sétimo ano de união.
As estatísticas do IBGE, inclusive, confirmam este fato. Enquanto 15% dos divórcios em Bauru ocorrem até um ano depois do casamento, apenas 4% são registrados quando a relação chega a sete anos.
“O casamento enfrenta várias fases. Crises podem acontecer com três, dez, vinte anos de união, porque as duas pessoas estão em constante transformação. E o relacionamento requer transformações também. Para dar certo, é preciso um olhar constante de parceria”, ensina a psicóloga Gretta Rodrigues Souza.
Fonte: JCNET