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Opinião – Refis do Funrural – Bruna Rafaela Maciel

12-03-2018

Da constrição patrimonial de bens pela União – sem determinação judicial e a urgente necessidade de uma Reforma Tributária

Contribuinte contra, Fazenda Pública a favor. Já está vigente a Lei n. 13.606/2018 – que Institui o Programa de Regularização Tributário Rural (PRR) – dispondo sobre a adesão ao programa débitos constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa da União, inclusive sobre parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, abrangendo ainda, os débitos em discussão nas esferas administrativas ou judicial, Lei que ficou conhecida como o “REFIS do FUNRURAL”.

Até aí tudo bem. Sabe-se dos grandes embates dos produtores rurais pessoa física ou jurídica em relação ao recolhimento do Funrural, não sendo esse o objeto do presente artigo.

A inovação trazida pela Lei n. 13.606/2018 é em relação as medidas coercitivas realizadas pela Fazenda Pública Nacional para satisfação do crédito sem necessidade de demanda judicial.

Antes, contudo, de discorrer sobre tal barbárie, mister se faz esclarecer que a Lei supra fora sancionada às pressas, na noite de terça feira dia 09 de janeiro de 2018, com publicação no diário oficial da União na manhã posterior.

O dispositivo questionado é consequência da aprovação, pela Câmara dos Deputados e Senadores, do Projeto de Lei n. 9.206/2017, proposto às pressas pelos Deputados Federais Nilson Leitão (PSDB/MT) e Zé Silva (SD/MG) em 28 de novembro de 2017, em substituição ao Projeto de Lei de Conversão n. 41/2017, que transformava em lei a Medida Provisória n. 793/2017 — que tratava do Programa de Regularização Tributária Rural — haja vista a caducidade da medida provisória por falta de negociação.

Entre os dispositivos vetados pelo Presidente, estão os artigos 2[1]º e 3º[2], que possibilitavam o desconto de 100% das multas e encargos do saldo dívidas, tendo em vista os gravosos impactos que tais medidas poderiam ocasionar ao Tesouro Nacional.

Também foram vetados os artigos 8[3]º e 9[4]º, que possibilitavam a utilização de créditos de prejuízo fiscal para a liquidação do montante da dívida — os conhecidos “créditos podres”, negociatas fraudulentas para a liberação/utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para amortizar débitos de tributos junto aos cofres públicos, ou seja, dinheiro público cobrindo dívidas de alienados.
Pois bem!

Sobre o ponto crucial do tema que me proponho a discorrer é a inovação trazida pela Lei n. 13.606/2018 , que traz em seu bojo o problemático artigo 20-B, na qual determina a notificação do devedor para que, em até cinco dias, efetue o pagamento do valor inscrito em dívida ativa, e, caso não pago o débito nesse prazo, a Fazenda Pública poderá averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.[5]

Medida arbitrária que toma como base o protesto de Certidões de Dívida Ativa – CDA’s, permitida em 2017 por meio da manobra legislativa, que resultou na conversão da Medida Provisória n. 577 na lei n. 12.767/2017 — onde o Congresso Nacional, novamente às pressas e de maneira ardilosa, aprovou (em verdade: inventou) o art. 25 da lei com matéria estranha àquela tratada originalmente na MP, que versava sobre energia elétrica.

A lei complementar n. 95/1998 é muito clara ao estabelecer, em seu art. 7º, II, que a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.

Inconstitucional, o art. 25 da lei ofende o devido processo legislativo, previsto no artigo 59 e 62 da Constituição Federal, bem como o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º do mesmo diploma.
Não obstante, o sequestro de bens pela União sem a intervenção do Poder Judiciário é medida perigosa, que constrange a garantia constitucional de propriedade do contribuinte, bem como viola os princípios da livre iniciativa e o regular exercício das atividades profissionais, na medida que amplia os privilégios materiais e processuais que a Fazenda Pública tem para cobrar seus tributos, como se verifica da existência da Lei de Execuções Fiscais n. 6.830/80 e da Medida Cautelar Fiscal n. 8.397/92.

Reforçando ainda mais os privilégios, formas de cobrança e garantias diferenciadas da Fazenda Pública, o Código Tributário Nacional determina em seu art. 186 que o crédito tributário prefere a qualquer outro, que, em conjunto com o art. 185 A do mesmo diploma e art. 838 do Código Processual Civil, ratifica a possibilidade do Fisco ter a seu favor a penhora judicial online, ou seja, o bloqueio das contas bancárias do contribuinte devedor.

Além da constrição administrativa de bens sem ordem atingir a esfera constitucional, atinge também a área processual, principalmente no que se refere a uma transferência dos poderes de magistrado, figura imparcial e dotado de autoridade para analisar a presença dos requisitos legais para o deferimento da drástica medida — citação válida com posterior notificação para pagamento ou oferecimento de bens à penhora — à figura completamente parcial do procurador federal, que, com o recente incentivo o denuncismo, não mais verá necessidade em ajuizar execução fiscal em virtude do novo atributo administrativo.

Pensando mais além, tal medida poderá ser adotada também pelos Estados e Municípios, agravando a instabilidade jurídica que já existe entre contribuinte-fisco, deixando-se de levar em consideração o princípio da eficiência em matéria tributária, que consiste na realização da atividade de tributação de forma a propiciar o máximo resultado, ou seja, maior arrecadação, sem o prejuízo da preservação do ordenamento jurídico como instrumento do bem comum, e com o mínimo de sacrifício para o contribuinte cidadão.

Imperioso se faz discorrer sobre a incompetência dos tabelionatos de protesto para protestar Certidão de Dívida Ativa, haja vista a indelegabilidade tratada no art. 7º, caput, do Código Tributário Nacional, que veda a atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária a outras pessoas jurídicas senão os Entes Políticos — União, Estados e Municípios.

O art. 18, § 3º da Constituição Federal determina que a delegação só pode ser realizada de um ente político a outro ente federado. Sendo, os cartórios, pessoas naturais — notários e registradores — conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2602.

Essa delegação de competência aos tabelionatos configura em flagrante violação à impossibilidade de delegar à terceiro, alheio a ente político, competência tributária inerente à cobrança de tributos, e violação à impossibilidade de veicular normas gerais de direito tributário por meio de lei ordinária, como preceitua o art. 146 da Constituição Federal. Podendo este, somente protestar títulos de origem não tributária.

Infelizmente, os princípios basilares do direito empresarial e constitucional da ordem econômica são alvos de verdadeira atrocidade jurídica. O Estado Brasileiro, na figura de agente normativo e regulador da atividade econômica, como define o art. 174 da Carta Maior, àquele que deveria atuar nas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, é quem já se provou diversas vezes prejudicial ao cidadão.

Seja por meio da imensa quantidade de órgãos de controle que criam um emaranhado de regulamentos que acabam se tornando barreiras insuperáveis ao empreendedorismo. Seja por desvirtuar toda a lógica de mercado, criando uma nova modalidade de execução fiscal administrativa que fere de morte a função social de empresa e garantia da propriedade privada.

Motivo pelo qual se faz necessária urgente reforma tributária, a fim de que se adeque a carga tributária à realidade da nossa economia brasileira, bem como simplificação do nosso atual sistema tributário, fixando barreiras a medidas como essas, a fim de que se garanta a segurança jurídica e estabilidade ao contribuinte cidadão.

É necessária uma política tributária eficiente e justa, a fim de equilibrar a arrecadação tributária com as garantias legais e constitucionais, preservando a ordem jurídica e econômica.

Enquanto a reforma não sai, aguardamos um posicionamento do Supremo Tribunal Federal na análise da três Ação Direta de Constitucionalidade n. 5.881, movida pelo PSB – Partido Socialista, bem como Ação Direita de Constitucionalidade n. 5.890, movida pela confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e a mais recente ADI n. 8.886, movida pela Associação de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ABAD).

BRUNA RAFAELA MARCIEL é advogada e especialista em Direito Tributário

Fonte: Midia News