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Clipping – Jornal do Comércio – Vitória trans

12-03-2018

Keila exibe sua carteira de identidade após retificação nominal /MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO/JC – Jornal do Comércio 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última semana, que pessoas transexuais e transgêneros têm o direito de alterar nomes e sexo no registro civil sem a necessidade de realizar cirurgia de redesignação sexual e apresentar laudo médico pericial. A maioria da corte também decidiu que não é mais preciso ter uma autorização judicial para fazer a mudança, ou seja, os processos de retificação do registro civil vão ocorrer por via administrativa, sem a necessidade de judicialização. A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, explicou que a questão no nome está na pauta do movimento trans desde o início, e que essa vitória é resultado de anos de luta. “Primeiro, era nome de guerra, depois codinome, aí nome social, até chegarmos no nome civil. Agora, a decisão vem dizer que nossa batalha deu certo. Não deu certo pela via legislativa, pois temos um Congresso Nacional reacionário, mas deu certo pela via judicial”, disse.  Keila ressaltou que os processos judiciais para conseguir a alteração no nome eram demorados. “Levavam de oito meses a dois anos tramitando até a decisão final. E quando a decisão chegava, na maioria das vezes, as sentenças deferiam a retificação do prenome, mas não do gênero, o que causava grande constrangimento, porque as pessoas ostentam o nome, mas a identidade de gênero ostenta outro.

Então não era muito salutar você trocar o nome e não trocar o gênero, pois causava o constrangimento da mesma forma”, disse, destacando a angústia que muitos trans enfrentam durante esses processos. Segundo Keila, a meta, a partir de agora, é levantar números oficiais que mostrem a realidade da população trans no País. “Investigar o número de trans que conseguiram a retificação é muito difícil. Faltam dados. Muitos desses processos correm em segredo de Justiça. Com essa decisão, nós vamos, mais uma vez, mais uma vez, repito, pedir ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que no próximo Censo possa categorizar a população de travestis e transexuais.

Se o Supremo já decidiu que a gente vai ter a retificação de nome, essa ação de pautar o IBGE para colocar no Censo a nossa categoria é a nossa meta a partir de agora.” A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (Abglt) receberam a decisão do STF como uma vitória, na mesma semana em que outro avanço para os trans foi alcançado. No início do mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou que mulheres transexuais podem concorrer nas vagas destinadas ao “sexo feminino”, com seu nome social, em pedido formulado pela senadora Fátima Bezerra.  “Dia histórico para a população de travestis e transexuais brasileiras. Tivemos duas importantes vitórias para o movimento nacional, que tem estado à frente das pautas mais importantes e caras para a nossa população”, diz a nota. “Conquista importante, que nasce da demanda dos movimentos sociais, na luta pelo reconhecimento de nossas identidades, do resgate da cidadania plena e autonomia de nossa população”, acrescenta Fátima.

A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.275. A ação havia sido ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o STF desse interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos. Todos os ministros do Supremo reconheceram o direito de alteração do registro mesmo sem cirurgia de mudança de sexo, e a maioria entendeu que não é necessária autorização judicial. O STF não definiu a data a partir da qual a alteração estará disponível nos cartórios, mas, de acordo com a decisão, os interessados em mudar o nome e o sexo não precisarão mais comprovar sua identidade psicossocial. Eles poderão ir diretamente até um cartório e assinar uma autodeclaração. A notícia foi recebida com alegria pela pedagoga trans Thiffany Odara, que está ansiosa para saber quando a nova regra vai começar a ser cumprida, pois não vê a hora de ter seu nome e gênero reconhecidos socialmente. “O nosso nome é um mecanismo de utilização social. É o nosso passaporte para adentrar no espaço social. Uma vez que você não tem esse nome retificado na sua documentação, as pessoas de má-fé podem te constranger, como aconteceu comigo em um hospital e quando cursava a faculdade”, exemplifica Thiffany.

Para exemplificar os constrangimentos pelos quais passa, Thiffany disse que, há alguns anos, sofreu uma queimadura e teve que ir a um hospital público para buscar atendimento. “Apesar de no meu cartão do SUS (Sistema Único de Saúde] constar meu nome social, conforme previsto em portaria de 2009 do SUS que garantia o direito do uso no nome social, mesmo assim, fui chamada pelo médico pelo meu nome do registro. Todo mundo que estava lá olhou para mim. Eu questionei, mas é constrangedor.” Thiffany tem 27 anos e, desde os 16 anos, se reconhece como Thiffany Odara. “Só quem deu entrada no antigo processo tem ideia da burocracia e da luta que era. Parecia que a Justiça queria nos cansar para nos fazer desistir.” Moradora da Região Metropolitana de Salvador, em 2014, ela entrou na Justiça para retificar o nome e o gênero, mas não chegou à audiência, pois algumas certidões que tinha entregue à Justiça perderam a validade, e ela acabou desanimando do processo. “Negra, da periferia, eu não tinha condições de todo dia tirar uma certidão.

O processo era demorado, além de caro. Não era só chegar na Defensoria Pública e entregar sua identidade e CPF. Você tinha que apresentar a certidão de nascimento original, certidão negativa criminal municipal, estadual e federal, títulos, quitação eleitoral, antecedentes criminais, fotos que comprovassem que no seu convívio social você era conhecida pelo nome ‘de guerra’, tirando prints do Facebook e de e-mail, por exemplo, além de testemunhas que comprovassem como eu era chamada. Dava muito trabalho e, no final das contas, geralmente os magistrados retificavam o nome, mas não o gênero”, disse. Em 2016, decidiu retomar o processo, mas o caso não tramitou. –

Fonte: Jornal do Comércio