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Artigo: Conselho Federal da OAB precisa se manifestar sobre Provimento 63 do CNJ – por Fabíola Freire de Albuquerque, Gerlanne Luiza Santos de Melo e Ivonaldo da Silva Mesquita
O Provimento 63, de 14/11/2017, do Conselho Nacional de Justiça, dispõe dentre outras coisas, sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A”. A presente discussão versa apenas sobre a Seção II de referido provimento, intitulado: “Da Paternidade Socioafetiva”.
A grande inovação introduzida é a possibilidade do reconhecimento de uma paternidade/maternidade socioafetiva, independentemente de um processo judicial, por quem de direito.
Vale destacar que paternidade/maternidade não é apenas um viés biológico. O Direito das Famílias (nova nomenclatura que satisfaz o filtro constitucional) evidencia que a relação paterno/materno – filial está muito ligada ao afeto, é o comportar-se como pai/mãe e filho (estado de posse de filho). Paternidade e maternidade são funções que, quando exercidas e o afeto reinar nesta relação, o Judiciário brasileiro pode reconhecer tal filiação através das chamadas ações judiciais de Reconhecimento de paternidade/maternidade socioafetiva. Com efeito, o Provimento 63 do CNJ veio abrir mais uma porta para chancelar esta filiação fruto do afeto.
O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizada, conforme a regra provimental, perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais e tal ato será irrevogável, salvo nas hipóteses de vícios de vontade, fraude ou simulação em que será possível a desconstituição através da via judicial.
O estado civil do pai/mãe socioafetivo é irrelevante, basta que o mesmo tenha a capacidade civil na plenitude, que não sejam irmãos entre si, nem ascendentes e o pretenso pai ou mãe devam ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido. Caso o pretenso filho tenha pelo menos doze anos, este deve prestar o consentimento sobre o reconhecimento e, se for menor de idade, o registrador deve colher a assinatura do pai e da mãe (originários) do menor.
Nos casos que envolvam pessoas com deficiência, deverá ser observado as regras da “tomada de decisão apoiada”. Essa é um instituto novo que foi inserido no artigo 1.783-A do Código Civil, em virtude do Estatuto da pessoa com deficiência.
O Provimento aduz que o reconhecimento pode ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, tal como um testamento, desde que seguidos os demais trâmites legais.
Fato curioso é que o texto informa que nos casos em que exista uma ação judicial de reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção não poderá existir o procedimento disciplinado no Provimento. A impossibilidade da concomitância é facilmente inteligível, mas nada trata sobre a possibilidade de pedido de extinção do feito judicial, para a aplicabilidade do feito cartorário. O que reforça a dúvida em questão é que no parágrafo único do artigo 13, do Provimento, ler-se: “O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.”
Em sentido contrário ao que vem acontecendo no Judiciário brasileiro, o provimento veda expressamente a possibilidade da multiparentalidade, ou seja, ele avançou no aspecto do sistema multiportas: judiciário e cartorário (com ressalvas), para o reconhecimento da maternidade/paternidade socioafetiva. Porém, impossibilitou a incidência no campo “filiação” do pretenso filho, a consignação de duas mães e/ou de dois pais. Perfeitamente admissível factualmente, já que tais questões (paternidade/maternidade) são funções, conforme já citado.
De forma acertada, ficou ressaltado que o reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica, já que são duas coisas distintas e sedimentadas no Judiciário brasileiro. Vedar a origem genética de um indivíduo é possibilitar uma grave lesão aos direitos da personalidade do mesmo, atingindo a qualidade intrínseca de todo ser humano que é sua dignidade.
O provimento em questão trouxe avanços necessários. Contudo, por envolver questões de estado de pessoa, que traz reflexos na ordem jurídica do Direito das Famílias: relação de parentesco, impedimentos matrimoniais, alimentos, Direitos Sucessórios (herança), Direito das crianças e adolescentes (Princípio do Melhor interesse das crianças e adolescente), Direito dos Idosos, Direito das pessoas com deficiência, etc. ou seja, por possibilitar a participação de pessoas ditas pelo Direito brasileiro com pessoas hipossuficientes, necessárias de prioridades, sugere-se uma intervenção intermediária, aos moldes do que tínhamos (Judiciário), ou seja, deveria ter a participação do Ministério Público (necessariamente) e o patrocínio da causa administrativa através de um advogado de maneira cogente, dentre outras questões. Conclama-se, portanto, a manifestação da OAB nacional para esta questão.
Para finalizar, percebe-se a semelhança que há entre o procedimento ora estabelecido e processo de adoção disciplinado no Estatuto da Criança e Adolescente, bem como no Código Civil brasileiro, diferindo em regra, porque o provimento disciplina uma espécie de “adoção cartorária”, excluindo a obrigatoriedade da via judicial, sem aqueles acompanhamentos que se considera indispensável à segurança jurídica (participação do advogado e fiscalização do Ministério Público).
Fabíola Freire de Albuquerque é advogada, mestre em Direito Constitucional (Unifor) e professora de Direito.
Gerlanne Luiza Santos de Melo é advogada, mestre e doutoranda em Políticas Públicas (UFPI) e professora de Direito.
Ivonaldo da Silva Mesquita é advogado, mestre em Direito Constitucional (Unifor) e professor de Direito.
Fonte: ConJur