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Clipping – Portal Jota – Blockchains e as cessões de crédito
O tipo de ambiente de negócio que o direito precisa enfrentar para se tornar minimamente contemporâneo
Não é de hoje que a tecnologia vem assumindo especial destaque no Direito. Na verdade, o tema, sobretudo a informática e suas variantes, pode ser visto pelo menos sob duas perspectivas: uma interna, que diz respeito ao uso das ferramentas tecnológicas à disposição do profissional do Direito; e outra externa, quando assuntos dessa natureza se tornam, eles próprios, objeto de estudo do Direito.
É sobre um determinado aspecto dessa perspectiva externa que tratarei aqui: as possibilidades de aproveitamento das plataformas de blockchains na instrumentalização das cessões de crédito. Sabe-se que o Código Civil, em seus artigos 286 e seguintes, regula as cessões, enquanto outros dispositivos legais definem onde e quando elas devem ser registradas para que sejam eficazes, principalmente perante terceiros (eficácia erga omnes).
Há, portanto, situações em que não podemos deixar de nos socorrer dos cartórios de Registro Geral de Imóveis, ou dos de Títulos e Documentos. Entretanto, talvez pela cultura cartorial incutida no Direito brasileiro, nas diversas situações para as quais a lei não prevê nenhum registro especial, continuamos a usar os cartórios para a chancela pública de negócios particulares.
Há enorme recorrência na economia das chamadas cessões de direitos creditórios, ainda mais quando o devedor da obrigação é um ente público e o credor original não pode, ou não quer, esperar pelo trânsito em julgado para receber seu precatório. E há também uma significativa quantidade de cessões de créditos decorrentes de ações judiciais entre privados.
Em todos esses casos os respectivos instrumentos de cessão são normalmente juntados nos próprios autos. Assim, o juiz – na condição de “registrador”, por assim dizer –, analisa o instrumento de cessão anexado, autoriza a sub-rogação do crédito e a eventual substituição processual, de forma a permitir que o cessionário passe a receber a indenização diretamente.
Contudo, às vezes o direito a ser cedido é de valor significativo e o seu titular resolve vendê-lo por meio de múltiplas cessões, a vários compradores, e o momento processual para a substituição ainda não ocorreu ou o montante não foi liquidado. Então as partes fazem a cessão em um simples contrato e aguardam o momento certo para apresentá-lo em juízo.
Nessas situações, paira enorme insegurança jurídica para o cessionário, porque não há controle sobre quanto do crédito foi vendido e quanto ainda há à venda. Em muitas ocasiões, a data da cessão nada quer dizer, se a ordem de habilitação nos autos não for a mesma da celebração. Assim, se uma discussão judicial incidental parece inevitável, por que não fazer a cessão por meio de blockchain?
Estamos aprendendo ainda como esse sistema funciona, mas sua difusão como plataforma de venda de moedas virtuais – como Bitcoin e Ethereum – já nos permite constatar sua segurança, rapidez e baixo custo.
As transações em blockchain são seguras porque os dados do negócio – a autorização de compra ou venda, por exemplo – partem de códigos criptografados exclusivos das partes envolvidas, que os transmitem a uma rede de computadores, que verificam e atestam a operação. Em seguida, os resultados são retransmitidos para a rede, momento no qual vários computadores iniciam, em competição, uma série de operações matemáticas, e o primeiro que as conclui tem o direito de registrar a cessão daquele bem ou crédito e as futuras sobre ele. Como essas transações são registradas numa sequência de “blocos” de dados, o registro é chamado de blockchain. Tudo dura poucos minutos, sem qualquer intermediário ou que alguma rede social tenha capturado os dados pessoais dos envolvidos.
No caso das cessões, o uso do blockchain permitiria a criação de uma cadeia de negócios – da “A” para “B” numa determinada data e por certo valor; de “B” para “C” noutra data por aquele valor, e assim sucessivamente. Como o sistema opera por meio dos comandos “se, então”, é possível estabelecer condicionantes no negócio. O resultado, no caso das cessões de direitos sobre ações, seria apresentado ao juiz, a quem bastaria promover as consequentes sub-rogações com base num documento seguro e inviolável.
É claro que, devido às imposições formais da legislação brasileira, grande parte das cessões continuará a fazer uso do registro em cartório, mas nada impede que se lance mão desde já do blockchain para quando não houver tal formalidade.
Esse é o tipo de ambiente de negócio que o direito precisa enfrentar para se tornar minimamente contemporâneo, e certamente é um dos caminhos que os advogados devem trilhar para buscar sua ressignificação e mostrar sua capacidade de adequação aos novos tempos.
Fonte: Portal JOTA