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Artigo – Falsificação de documento digital traz desafios para perícia – Por Lorenzo Parodi
Com o advento dos modernos computadores, dos avançados softwares de gráfica, dos scanners e das impressoras de qualidade (jato de tinta e laser), e, mais em geral, das elevadas capacidades gráficas que estes conjuntos proporcionam, iniciaram a aparecer também as falsificações de documentos feitas através do aproveitamento dos meios digitais que, hoje, são poderosos, amplamente disponíveis e de uso econômico.
Tais documentos falsificados são utilizados para as mais variadas finalidades, desde criação de empresas, abertura de contas bancárias e realização de operações comerciais ou financeiras (fraudulentas ou não), até a produção de provas falsas em processos judiciais. A gama de usos de documentos falsificados digitalmente é extremamente ampla e abrange múltiplos e fundamentais aspectos de segurança.
É evidente que a criação e difusão, nos tribunais brasileiros, a partir da entrada em vigor da Lei 11.419/2006, dos chamados “processos digitais”, ou “eletrônicos”, nos quais toda a documentação encartada, inclusive aquela probatória, é oferecida no formato digital (ou seja, em prevalência, cópias escaneadas de documentos, convertidas para o formato PDF), estimulou ainda mais a ocorrência de falsificações por meios digitais.
É necessário definir o que seja um documento digital. Existem essencialmente duas tipologias de documentos digitais. Na primeira trata-se de documentos que foram originados por um computador ou outro sistema eletrônico, sem nunca ter sido impressos ou transferidos em papel (é o caso de uma fotografia digital, de um documento escrito em Word e transformado em um arquivo PDF, de um logotipo criado num software de gráfica e salvo em um arquivo JPG etc.). Na segunda trata-se de documentos que foram convertidos de um formato físico (ou seja, normalmente, um documento em suporte cartáceo) para um formato digital através de um processo de escaneamento ou fotografia digital ou outro. Podem ainda existir documentos com origem mista, sendo que parte do documento tem origem puramente digital enquanto outra foi escaneada a partir de um suporte físico.
Um documento digital é composto por bits ou bytes, cada um representando pontos ou pequenos “pedaços” da informação contida no documento. Quanto maior o número de bits, maior o número de pontos (ou pixels) representativos de informações, e consequentemente a qualidade ou resolução do documento e sua proximidade/semelhança com o eventual original analógico (no caso o documento digital tenha origem em um documento físico digitalizado).
Na realidade dos tribunais se encontram documentos com qualidade muito variável, dependendo da origem e disponibilidade. Um documento original, escaneado profissionalmente por um advogado e encaminhado para protocolo em um processo eletrônico, terá provavelmente uma qualidade boa. Outros casos, como o de cheques arquivados pelos bancos (através do processo de “microfilmagem digital”), podem ter qualidade extremamente baixa, podendo chegar a dificultar sobremaneira qualquer análise. Oportuno se atentar, ainda, ao caso (nada incomum) de documentos que têm baixa qualidade “intencional”, para disfarçar eventuais adulterações ou falsificações.
É evidente que quanto mais alta for a qualidade ou resolução do documentos digital, maiores serão as chances de conseguir fazer uma perícias consistente.
Podemos, ainda, dividir os documentos em duas outras grandes categorias, aqueles onde há algum grafismo manual (assinaturas, texto escrito a mão, formulários com preenchimentos manuais etc.) e aqueles que não possuem esta característica (e-mails, notas fiscais automatizadas, extratos bancários etc.) e que, portanto, não estão sujeitos a aplicação de técnicas grafoscópicas, mas somente de outros tipos de análise.
Um breve resumo dos casos mais comuns de uso de documentos falsificados digitalmente (todos com possíveis consequências, diretas ou indiretas, em processos judiciais) pode ser o seguinte:
1) Prover provas falsas em processos judiciais das mais variadas naturezas (trabalhistas, cíveis, criminais, administrativos, tributários, societários, sucessórios, familiares etc.), tanto no que diz respeito ao assunto supostamente comprovado pelo teor do documento falsificado quanto no que diz respeito a sua origem, autoria e data (que também pode ser falsificada).
2) Integrar contratos comerciais ou transações de diversas naturezas (inclusive financiamentos, compras/vendas, assinatura de serviços, locações etc.).
3) Ser meio de identificação (“originais” ou cópias de documentos de identidade ou de certidões de nascimento ou casamento) para os mais diversos fins.
4) Formar a base para conseguir outros documentos autênticos ou autorizações ou ainda serviços públicos de diversas naturezas.
5) Homologar testamentos ou outros procedimentos inerentes a heranças e sucessões. Pensem, por exemplo, nas consequências da comprovação (através da falsificação de uma autenticação com indicação da data) da assinatura de algum contrato ou doação ou, ainda, testamento, por parte de uma determinada pessoa em data anterior à de seu falecimento.
6) Serem utilizados para conseguir benefícios, direitos, acesso a recursos, bens ou serviços ou, ainda para participar de licitações e concorrências.
Tais documentos podem ter naturezas muito diferentes, dependendo do uso pretendido, mas todos são passiveis de avaliação e perícia, mesmo sendo em formato digital. Alguns exemplos, entre muitos outros possíveis, de documentos potencialmente falsificados por meios digitais e encontrados nos casos e situações acima descritos, são:
1) Contratos e acordos em original ou cópia, autenticada ou não.
2) Testamentos e doações em original ou cópia, autenticada ou não.
3) Recibos, Promissórias ou Declarações em original ou cópia, autenticada ou não.
4) Documentos de identidade e afins em “original” ou cópia, autenticada ou não.
5) E-mails e mensagens/comunicações em geral.
6) Comprovantes de vários tipos (endereço, renda, extratos etc.) e ingressos, em original ou cópias, autenticadas ou não.
7) Atos públicos (certidões, procurações, decisões, alvarás etc.) em original ou cópia, autenticada ou não.
8) Cédulas de dinheiro e folhas de cheques.
9) Cartas em original ou cópia, autenticada ou não.
10) Receitas e certificados médicos em original ou cópia, autenticada ou não.
Um documento desta natureza, usado como prova em um processo, caso não seja rapidamente identificada sua falsidade, pode facilmente dar origem a graves injustiças e a decisões equivocadas, por serem baseadas em um documento falso.
Por todas estas razões, é de primordial importância adquirir a capacidade de identificar indícios de falsificação, de forma a poder submeter os documentos suspeitos à apropriada perícia técnica, antes que estes possam causar danos irreversíveis. Isso, inclusive, à luz dos limitados prazos e modalidades previstas nos diplomas legais para a arguição de falsidade (tanto em processos cíveis quando em processos penais).
Trabalhar com documentos em cópia ou em formato digital não permite fazer uma perícia conclusiva quanto à autenticidade. Na melhor hipótese, será possível constatar a ausência de indícios de falsidade. Por outro lado, quanto existirem elementos suficientes e incontestáveis, será possível a comprovação conclusiva de uma eventual falsidade.
Por esta razão pode ser errado afirmar, sempre, a impossibilidade de se fazer uma perícia quando não presentes os documentos originais. Isso porque é perfeitamente possível que as cópias presentes (digitais ou não) sejam suficientes para comprovar a falsidade de, ao menos, um elemento (o que viciaria de falsidade o documento como um todo) e, assim, seja possível entregar um laudo pericial consistente e útil.
Importante lembrar que meios digitais podem ser usados também para falsificar documentos físicos (em papel), contando com a qualidade que pode ser alcançada pelas modernas impressoras, as quais, muitas vezes, rendem difícil a distinção, a olho nu, entre uma cópia e um original, e também a possibilidade de falsificar autenticações de cópias e reconhecimentos de assinaturas.
A frequente ausência ou dificuldade em conseguir os originais dos documentos digitais apresentados em operações, transações ou processos, pode efetivamente limitar o alcance de muitas análises mas, em muitos casos, não é um fator crítico para se poder chegar a uma consistente validação negativa (ou seja, comprovação de falsidade). De fato, não é incomum que, uma vez solicitados os originais de determinados documentos apresentados num processo digital, sejam entregues cópias impressas alegando serem os “originais” digitalizados.
Com relação à responsabilidade do advogado em casos de juntada de documentos falsos num processo, é oportuno mencionar o artigo 6º do Código de Ética da OAB que determina que “É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé.” Reforçam tal orientação os artigos 2º (inciso II), 3º e 20º do mesmo Código, e neste sentido vai também a seguinte ementa: “Na hipótese de falsidade dos documentos originais, a responsabilidade do advogado somente ocorre em caso de coautoria ou de utilização nos autos, ciente de que os documentos são falsos ou, ainda, se a falsificação for perceptível sem a necessidade de perícia.” (OAB/SP Proc. E-4.245/2013 – v.m., em 16/05/2013, do parecer e ementa do Rel. Dr. Fábio De Souza Ramacciotti com declaração de voto do revisor Dr. Cláudio Felippe Zalaf – Presidente Dr. Carlos José Santos Da Silva).
De grande importância, por sua vez, é a possibilidade de ter acesso à documentos certamente autênticos e úteis para fins de comparação. Este, na opinião de quem escreve, é realmente um fator crítico para a efetividade e alcance de muitas análises e perícias em documentos em formato digital.
É meu entendimento que quem analise um documento digital, na busca da “verdade real” e quando necessário, deva estar pronto e hábil para realizar algum tipo de atividade investigativa com o intuito de conseguir juntar todas as informações e os elementos necessários para realizar sua tarefa [1].
Por tudo quanto acima, a posição que, por vezes, se encontra, por parte de alguns peritos que se recusam a fazer perícias em cópias ou documentos digitais, deveria ser melhor avaliada caso a caso, sendo que, a meu ver, faz sentido somente quando o objetivo for atestar a autenticidade de tais documentos, mas pode não fazer sentido se for suficiente atestar sua falsidade.
Fonte: Conjur