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Processo digital será implantado em quatro anos no Brasil

25-03-2015

por Maurício Cardoso e Aline Pinheiro

Quatro anos. Este é o prazo que o povo brasileiro pode esperar para que o Judiciário esteja totalmente informatizado – da folha de pagamento da menor Comarca ao próprio processo judcial. Um sonho? O secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça garante que não. E credita esta futura façanha à própria razão de existir do Conselho do qual ele faz parte desde sua instalação em junho de 1995.

Depois da resistência inicial oferecida pelo próprio Judiciário, Tejada acredita que a idéia de um órgão de controle externo e de gestão estratégica da Justiça vingou. Hoje, dois anos depois da criação do Conselho, fiscalizado e fiscalizador andam juntos.

“É uma relação de amor e ódio”, reconhece Tejada, que na condição de secretário-geral é o responsável pelo controle administrativo do conselho.Juiz Federal no Rio Grande do Sul, Tejada, está no CNJ desde sua instalação por força da Emenda Constitucional 45, em . Em março de 2006, assumiu a secretaria-geral do CNJ e lá fica até abril de 2008. Acompanhou de perto os obstáculos que o CNJ teve de ultrapassar nesses dois anos de existência.

Hoje, ele sabe que há resistências, mas comemora que, no geral, o Conselho Nacional de Justiça foi aceito. A própria Associação dos Magistrados Brasileiros, que contestou no Supremo Tribunal Federal a criação do conselho, quis colocar um de seus representantes como membro da nova composição, que tomou posse em junho deste ano.

O conselheiro acredita que a informatização é o grande desafio do Judiciário, nos dias de hoje. E quando fala de desafio, não está se referindo especialmente ao imenso trabalho material de equipar e modernizar o Judiciário, mas à missão de vencer o conservadorismo das mentes que operam a Justiça no país. Mas Tejada é um otimista.

Ao contrário do que faz crer a lentidão e a pouca eficiência do sistema, ele sustenta que o processo de informatização do Judiciário não está atrasado. “No geral, o Poder Judiciário é muito informatizado. Não perde para os outros ramos do serviço público. Aliás, até ganha deles.” Ele explica que a informática é usada para catalogar os processos em papel. O desafio agora é digitalizar esses processos e acabar com o papel. Criar o chamado processo virtual. “O Brasil é pioneiro no processo virtual, já que o conservadorismo da Justiça não é só uma prerrogativa brasileira, mas um problema mundial.”

Em entrevista à Consultor Jurídico, Sérgio Tejada avaliou o trabalho do CNJ na sua primeira composição. Falou também de um assunto polêmico e evitado pelos juízes: as férias de 60 dias. “Sou suspeito para falar sobre isso porque falo em causa própria. O que defendo é que há justificativa para esses dois meses.”

Leia a entrevista.

ConJur – O CNJ sofreu muita resistência do Judiciário quando foi criado. Hoje, dois anos depois, o conselho é aceito?

Sérgio Tejada – Sim e não. É uma relação de amor e ódio. O trabalho do CNJ é aceito de um modo geral. Mas o Conselho é também um órgão fiscalizador e ninguém gosta de se fiscalizado. Hoje, os tribunais estão mais próximos do CNJ, já entenderam seu papel e estão aceitando as suas propostas de modernização. Recebemos direto ofício de tribunais dizendo que estão cumprindo nossas resoluções. Existem resistências, mas são pontuais. No início, era o contrário: a resistência era geral e a aceitação era pontual. A própria Associação dos Magistrados Brasileiros, que contestou a criação do CNJ no Supremo Tribunal Federal, trabalhou para que a nova composição do conselho tivesse um de seus representantes como membro. Tivemos um progresso grande em relação à aceitação.

ConJur – Então o CNJ pegou.

Sérgio Tejada – Eu acho que sim. Os projetos do CNJ pegaram. Por exemplo, o movimento pela conciliação e o processo virtual. Há cinco anos, a resistência contra a informatização do Judiciário era muito grande. Hoje, os próprios tribunais pedem a informatização.

ConJur – O que o CNJ fez até agora para tornar a Justiça mais rápida?

Sérgio Tejada – São dois eixos principais. O primeiro deles é o incentivo a soluções alternativas dos conflitos, chamado de movimento Conciliar é legal. A cultura de conciliação não faz parte do Brasil, que tem a cultura de litigância. Com o movimento, em um só dia, 8 de dezembro, foram conciliados 40 mil processos. O outro eixo de atuação do Conselho para acelerar a Justiça é a modernização. O CNJ está investindo R$ 60 milhões para implantar o processo virtual, que é a melhor ferramenta de combate à morosidade. O processo virtual pode ser até cinco vezes mais rápido do que em meio físico, já que quase 70% do tempo do processo é gasto com a burocracia. É o chamado tempo morto.

ConJur – Quer dizer que a principal causa da morosidade da Justiça é a burocracia.

Sérgio Tejada – É esse tempo morto. Essa maneira de fazer andar o processo vem da Idade Média, quando tudo era feito dentro dos muros e as pessoas estavam próximas. A burocracia permaneceu até hoje e está emperrando toda a Justiça. O processo virtual acaba com isso. O advogado não precisa mais ir até o balcão, apresentar a petição, carimbar, guardar. No processo eletrônico, ele junta a petição pela internet em segundos.

ConJur – Por que o Judiciário resiste tanto à modernização?

Sérgio Tejada – É o conservadorismo, esta mentalidade que permanece desde a Idade Média.

ConJur – Enquanto o Judiciário resiste, a informática pegou em todo o Brasil.

Sérgio Tejada – Mas no Judiciário essa resistência está diminuindo rapidamente. Aqueles que resistem à informatização usam argumentos improcedentes, por exemplo, de que o cidadão comum não vai saber lidar com o processo virtual. Não é verdade. Todo mundo vota em urna eletrônica, não vota? Dizem também que os juízes mais experientes são os que mais resistem, mas no órgão máximo da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, existe um grande projeto de tornar o Recurso Extraordinário eletrônico e o primeiro despacho virtual dado foi do ministro Sepúlveda Pertence, decano da corte. O Supremo luta para mudar a realidade de hoje. Só no ano passado, foram 680 toneladas de processos desaguados lá.

ConJur – O Judiciário está muito atrasado nesse processo de informatização, não?

Sérgio Tejada – Não é bem assim. O Judiciário engloba diversas realidades. Temos, por exemplo, ilhas de tecnologia, como a Justiça Federal, a Trabalhista e a Justiça de Santa Catarina. Por outro lado, temos a Justiça de Piauí e de São Paulo, que estão muito atrasadas.

ConJur – Mas na média geral, como está a Justiça brasileira em relação à informatização?

Sérgio Tejada – No geral, o Poder Judiciário é muito informatizado. Não perde para os outros ramos do serviço público. Aliás, até ganha deles. A informática é bastante usada pela Justiça para localizar os processos em papel guardados nos arquivos. Se o sistema eletrônico for desligado, o Judiciário não funciona, ninguém acha um processo. O que queremos agora é usar a tecnologia no trâmite do processo, que é a Justiça que chega na mão da população. E, nisso, o Brasil é pioneiro, já que o conservadorismo da Justiça não é só uma prerrogativa brasileira, mas um problema mundial. No mundo inteiro, o distanciamento que o Judiciário tem de ter para julgar com equilíbrio faz com que seja um Poder conservador.

ConJur – Em quanto tempo todo o processo estará informatizado?

Sérgio Tejada -</stro ng> Quatro anos.

ConJur – Rápido assim?

Sérgio Tejada – Eu acho que sim. A informatização do processo está indo muito rápido. O processo virtual já foi instalado na Justiça Federal e está avançado na Justiça do Trabalho. Todos os estados ou já têm um piloto de processo virtual ou terão em seguida.

ConJur – Como homogeneizar a Justiça brasileira?

Sérgio Tejada – Mma missão importante do CNJ é mudar a visão de que cada Justiça é uma ilha. Afinal, há processos que tramitam entre as diferentes esferas da Justiça. O CNJ está liderando o movimento pela informatização do processo para que as Justiças possam se comunicar entre si. Um exemplo bom é o Bacen-Jud, que é a penhora online. O juiz determina a penhora do seu gabinete e o sistema procura valores depositados nos bancos do Brasil inteiro.

ConJur – Como o senhor avalia o trabalho do CNJ nesses dois anos?

Sérgio Tejada – A grande dificuldade foi de se organizar, já que era um órgão totalmente novo e teve de achar os seus limites de atuação. O conselho trabalhou em duas grandes vertentes: no controle do funcionamento e no planejamento da Justiça. Evidentemente que punir juízes relapsos e anular concursos mal feitos atende a um anseio social de integridade do Poder Judiciário, mas só isso não resolve o desejo da população, que é o de ver a Justiça rápida e eficiente.

ConJur – Qual é a função mais importante do CNJ: controle ou planejamento?

Sérgio Tejada – Ambas. O Judiciário não é um Poder corrupto. É um caso aqui e outro acolá e isso deve ser combatido para que não evolua. O cidadão que se submete a um concurso público, por exemplo, tem de ter a certeza de que o concurso é isento. Portanto, essa atividade do CNJ de controlar o Poder Judiciário é um exercício de cidadania importante, assim como a função de planejar. Não adianta ter uma Justiça 100% correta que não funciona.

ConJur – Mas faz parte das funções do CNJ punir juízes?

Sérgio Tejada – Faz e não faz. A morosidade da Justiça é um problema estrutural. Não dá para punir um juiz só porque o processo sob sua responsabilidade demorou dez anos para terminar. Agora se ficar provado que ele sentou em cima do processo, aí ele tem de ser punido sim.

ConJur – O papel de punir não é das corregedorias dos tribunais?

Sérgio Tejada – Isso é uma grande discussão. O Conselho é um órgão criado para não deixar que aconteça o corporativismo, e não para concorrer com as corregedorias. A ele cabe punir quando não há um órgão de correição. Por exemplo, quem corrige deslizes dos desembargadores? E dos ministros dos tribunais superiores? Aí está o papel do CNJ. A ele também cabe acionar as corregedorias que não punem quando deveriam. Não há sobreposição de competências, portanto. Nesses dois anos de existência, o CNJ foi muito ativo na função de controle. Ele atacou as duas grandes reclamações nacionais: altos salários, que são aqueles que ultrapassam o teto constitucional, e o nepotismo no Judiciário.

ConJur – Os super-salários foram totalmente combatidos?

Sérgio Tejada – A grande maioria sim, mas ainda há algumas pendências que envolvem discussões jurídicas, por exemplo saber se o super-salário, ainda que ultrapasse o teto, é um direito adquirido. Há ações pessoais de juízes que discutem isso, mas são casos isolados. O nepotismo, hoje também, está absolutamente eliminado no Brasil. Antes, representava menos de 1% dos funcionários do Judiciário.

ConJur – O CNJ gerou polêmica ao revogar a resolução que regulamentava a proibição das férias coletivas no Judiciário. Muitos entenderam que o conselho estava atropelando a Constituição.

Sérgio Tejada – A Emenda Constitucional 45 proibiu as férias coletivas atendendo a um pleito da OAB. Mas, na implantação prática, os maiores atingidos foram os advogados que atuam nos tribunais de segunda instância. Com o tribunal funcionando o ano inteiro, eles não têm como tirar férias e deixar os seus processos tramitando. Para os juízes, o fim das férias coletivas não mudou nada, mas os tribunais foram prejudicados porque, agora, as turmas nunca estão completas. Cada vez, um desembargador está de férias. Por conta desse cenário, o CNJ suspendeu o artigo da resolução que dizia que não aceitaria mais desculpas pela manutenção das férias coletivas. A idéia do Conselho era repensar o assunto e ouvir todas as reclamações, mas ele foi mal compreendido. A Procuradoria-Geral da República foi ao Supremo dizer que o CNJ estava autorizando as férias coletivas e o STF mandou restabelecer o artigo. A última palavra é do Supremo. Portanto, esta questão está resolvida.

ConJur – O Judiciário tem 60 dias de férias, além do recesso de final de ano e dos feriados. Não é muito?

Sérgio Tejada – Os tribunais superiores marcam as férias e o recesso juntos. Já os tribunais de segunda instância não podem mais fazer assim. Quanto aos feriados, são os mesmos feriados previstos em lei para o resto do serviço público.

ConJur – O senhor não acha que há dias de folga de mais?

Sérgio Tejada – Acho que o Brasil tem feriado demais, mas isso não é um problema do Poder Judiciário. É um problema do Brasil.

ConJur– Mas e os dois meses de férias do Judiciário?

Sérgio Tejada – Sou suspeito para falar sobre isso porque falo em causa própria. Sou o primeiro interessado nisso e não vou falar contra mim. O que defendo é que há justificativa para esses dois meses. É uma visão particular minha. O CNJ não tem pronunciamento específico sobre isso.

ConJur– Isso não é uma preocupação do CNJ?

Sérgio Tejada – É um problema do Legislativo. Quem tem de ver isso é o Congresso Nacional.

ConJur – Qual é a sua justificativa para defender as férias de 60 dias?

Sérgio Tejada – O juiz não é um empregado comum. Não é um servidor público como qualquer outro. Ele não tem hora para trabalhar. Além disso, a tarefa de decidir é muito desgastante. A pressão psicológica em cima do juiz no dia-a-dia é muito violenta. Mas, como disse, falo em causa própria.

Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2007

Sobre os autores

Maurício Cardoso: é diretor de redação da revista Consultor Jurídico

Aline Pinheiro: é repórter da Consultor Jurídico