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Parecer – Sucessão e Administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo (Ipesp)

02-05-2016

 

Parecer – Sucessão e Administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo (Ipesp)

 

 

Por Paulo de Barros Carvalho, Titular de Direito Tributário da PUC-SP e da USP

P A R E C E R

 

Sumário:

I. Da Consulta. II. Do Parecer. 1. Os princípios jurídicos e a compreensão do Direito.2. A certeza do direito e outros valores que se compõem para realizar o sobreprincípio da segurança jurídica. 3. O princípio da legalidade e as relações com a Administração Pública. 4. Espécies tributárias no direito positivo brasileiro. 5. Disciplina constitucional das contribuições previdenciárias. 5.1. Referibilidade das contribuições previdenciárias.6. A previdência social na Constituição de 1988. 6.1. Amplitude do art. 194 da Constituição. 7. Natureza das funções exercidas pelos notários e registradores, seus escreventes e auxiliares. 8. Instituição, finalidades e extinção do IPESP. 8.1. Responsabilidade pela gestão da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo. 9. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.10. A relação jurídica como instrumento de ordenação das condutas. 10.1. Responsabilidade civil e responsabilidade objetiva do Estado. III. Das Respostas aos Quesitos.

 

I. Da Consulta

 

OSindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo– SINOREG/SP,aAssociação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – ANOREG/SPe oSindicato dos Escreventes e Auxiliares Notariais e Registrais do Estado de São Paulo – SEANORsubmetem à minha apreciação problema relativo à sucessão e administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo.

Os Consulentes esclarecem que, até o advento da Lei Federal nº 8.935/94, os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado, tanto dos cartórios como dos ofícios de Justiça, eram segurados obrigatórios da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas do Estado, sob a administração do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP.

Com a edição da Lei Complementar Estadual nº 1.010/2007, entretanto, o Governo do Estado de São Paulo prescreveu a extinção do IPESP e a criação da São Paulo Previdência – SPPREV, na qualidade de gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos – RPPS e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo – RPPM. Ainda, no art. 36, referida Lei Complementar determinou a assunção, pela SPPREV, das atribuições antes conferidas ao IPESP.

Diante de tal configuração fáctica, os Consulentes desejam saber se, em face da extinção do IPESP e da criação da SPPREV, o Estado de São Paulo continuará tendo a obrigação legal de gerir aCarteira de Previdência das Serventias não Oficializadas do Estado. Para dar rendimento ao parecer, e no sentido de isolar os tópicos que outorgam substância ao assunto, apresentam dez quesitos, para os quais solicitam que me manifeste de maneira clara e objetiva, à luz do direito positivo brasileiro.

Ei-los:

1.Considerando que a Lei Complementar nº 1.010/07 estipula a futura extinção do IPESP, a quem caberá a administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado?

2.Qual o instrumento legal para designação do novo administrador?

3.Pelos artigos 51 e 52 da Lei nº 10.393/70, o IPESP fica obrigado a alterar as fontes de receita quando verificada a insuficiência dos fundos de reserva da Carteira. Sua omissão obriga o Estadoà subvenção mencionada no inciso IV do artigo 43 da Lei nº 10.393/70?

4.A partir da Lei Federal nº 8.935/94, a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, por força dos artigos41, 48 e 51, teve suas inscrições encerradas, não aceitando mais nenhuma inscrição. Tendo em vista esses dispositivos legais, o Estado está obrigado a administrar a Carteira até o último segurado inscrito?

5.Ante a obrigatoriedade, excludente da inscrição em outro sistema, determinada pelo artigo 4º da Lei nº 10.393/70, o Estado fica obrigado a dar continuidade à administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado por meio da SPPREV ou, na pior das hipóteses, pela Secretaria da Fazenda do Estado, garantindo, assim, o direito de todos os inscritos até a edição da Lei nº 8.935/94?

6.O Estado pode determinar que o Conselho indique uma instituição privada para administrar referida Carteira? Se a hipótese for verdadeira, a receita prevista no artigo 49, alterada pelo artigo 19, inciso “c”, da Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2006, permanecerá? Ainda nessa hipótese, o Estado deve prestar contas aos inscritos na Carteira, mediante auditoria contratada pelo C. Conselho?

7.A SPPREV está obrigada a recepcionar a administração da Carteira, já que é sucessora de todo o ativo do IPESP?

8. Todos os inscritos na Carteira de Previdência das Serventias de Justiça não Oficializadas do Estado, até a edição da Lei Federal nº 8.935, de 18 de dezembro de 1994, eram considerados “servidores públicos em sentido amplo”. Pode o Estado extinguir ou liquidar a Carteira, absorvendo os aposentados, pensionistas e aqueles que possuem os requisitos necessários para sua aposentadoria até a data de tal decisão?

9.A cobrança de 3% sobre a receita bruta mensal, a título de administração, pode remeter a discussão ao Código de Defesa do Consumidor?

10. O exame da Lei Estadual nº 10.393/70, juntamente com a Lei Federal nº
8.935/94, e conjugadas com o artigo 9º, I, “o”, do Decreto Federal nº 3.048, de 6 de maio de 1999, é determinante para que a SPPREV assuma a Carteira na condição de sucessora do IPESP?



 

II. Do Parecer

1. Os princípios jurídicos e a compreensão do Direito

O direito, tenho anotado reiteradamente, configura plexo de estruturas normativas existentes aqui e agora, projetando-se sobre a realidade social para ordená-la no que tange às relações interpessoais que nela se estabelecem, canalizando o fluxo das condutas em direção a certos valores que a sociedade anela e quer ver implantados.

Reconhecemos no fenômeno jurídico algo extremamente complexo, no qual interferem fatores de naturezas distintas, num intensivo processo de miscigenação. A tipificação dos fatos que ingressam pela porta aberta das hipóteses normativas dá-se mediante conceitos que o legislador formula: conceitos sobre os acontecimentos do mundo e conceitos sobre as condutas inter-humanas. Conceituar importa selecionar caracteres, escolher traços, separar aspectos, desprezando os demais. As singularidades irrelevantes, o legislador as deixa de lado, mesmo porque são em tal quantidade que o trabalho ganharia proporções infinitas. E surge o conceito, após a aplicação do critério seletivo que o legislador adotou, critério este que nada mais é que um juízo de valor expedido em consonância com sua ideologia, tomada a palavra, nesse ensejo, como pauta de valores, tábua de referências axiológicas.

Por isso, é impossível conhecer as normas jurídicas sem estimar-lhes o valor, elemento inerente à própria linguagem em que se verte o direito positivo.

Toda vez que houver acordo, ou que um número expressivo de pessoas reconhecerem que a norma “N” conduz a um vetor axiológico forte, cumprindo papel de relevo para a compreensão de segmentos importantes do sistema de proposições prescritivas, estaremos diante de um “princípio”. Princípio é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude, influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras regras do sistema do direito positivo. Advirta-se, entretanto, que ao aludirmos a “valores” estamos indicando somente aqueles depositados pelo legislador, consciente ou inconscientemente, na linguagem do direito posto. Não cremos existir uma “região de valores”, existente-em-si, como otopos uranos de Platão: aqueles de que nos ocupamos são os valores postos, centros significativos abstratos, mas positivados no ordenamento jurídico.

Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos. Exercem eles uma relação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para concebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e sobreprincípios. Além disso, há princípios gerais e específicos, aplicando-se a observação tanto ao sistema total como aos vários subsistemas que o compõem.

Quem se dispuser a conhecer o direito positivo não pode aproximar-se dele na condição de sujeito puro, despojado de atitudes axiológicas, como se estivesse perante um objeto da natureza. A neutralidade ideológica impediria, desde o início, a compreensão do sentido das normas, tolhendo a investigação. Magistral, a propósito, a lição de Lourival Vilanova:“o homem é demasiado humano para contemplar as realidades humanas, sem tomar posição, sem decidir-se positiva ou negativamente, num estado de adiáfora purificação e neutralidade ante o dever-ser de um dado ser que é inseparável do homem”.

Dessa maneira, o procedimento de quem se põe diante do direito com pretensões cognoscitivas há de ser orientado pela compreensão e, numa atividade dialética, deve perceber a compostura material do fato, recoberta com os conteúdos de significação dos textos normativos, tudo inspirado pelos valores que o legislador depositou em sua linguagem prescritiva.

Conhecer o direito é, em última análise, compreendê-lo, interpretá-lo, conferindo conteúdo, sentido e alcance à mensagem legislada. Tal empresa, contudo, nada tem de singela. Requer o envolvimento do exegeta com as proporções inteiras do todo sistemático, incursionando pelos escalões mais altos e de lá regressando com os vetores axiológicos ditados por certas normas, a que chamamos de “princípios”.

2.A certeza do direito e outros valores que se compõem para realizar o sobreprincípio da segurança jurídica

Entre as grandes diretrizes que formam o estrato axiológico das normas tributárias no Brasil, algumas se apresentam como conteúdos de enunciados expressos, enquanto outras se encontram na implicitude dos textos do direito posto. Todas, porém, com a mesma força vinculante. A circunstância de figurarem no texto, ou no contexto, não modifica o teor de prescritividade da estimativa, que funciona como vetor valorativo que penetra as demais regras do sistema, impregnando-lhes, fortemente, a dimensão semântica. Por isso mesmo são colocadas no altiplano da Constituição. De lá, precisamente onde começam todos os processos de positivação das normas jurídicas, descem aqueles primados para os vários escalões da ordem legislada, até atingir as regras terminais do sistema, timbrando os preceitos que ferem diretamente as condutas em interferência intersubjetiva, com a força axiológica dos valores constitucionalmente consagrados.

O princípio da certeza do direito experimenta uma dualidade de sentido que não pode ser ignorada: (i) exprime a circunstância de que o comando jurídico, atuando numa das três modalidades do deôntico (proibido, permitido e obrigatório), requer, com assomos de necessidade absoluta, que a conduta regrada esteja rigorosamente especificada (alguém, estando obrigado, tendo a permissão ou estando proibido, deve saber, de forma específica, qual a conduta que lhe foi imputada, comportamento esse que não se compadece com a dúvida, com a inexatidão, com a incerteza); (ii) ao mesmo tempo, certeza do direito significaprevisibilidade, isto é, o administrado tem o direito de saber, com antecedência, qual oconteúdo e alcance dos preceitos que lhe serão imputados, para que possa programar-se, tomando iniciativas e dirigindo suas atividades consoante a diretriz que lhe advenha da legi
slação vigente.

O sobreprincípio da segurança jurídica é decorrência de fatores sistêmicos, dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza.

Conco­mi­tan­temente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidire­cio­nalidade “passado/futuro” é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas, motivo por que dissemos que o princípio depende de fatores sistêmicos. Quanto ao passado, exige-se um único postulado: o da irre­troati­vidade. No que aponta para o futuro, entretanto, muitos são os expedientes principiológicos necessários para que se possa falar na efetividade do primado da segurança jurídica, como a irretroatividade, o primado da coisa julgada e o do direito adquirido. Por isso, ao lado dacerteza, em qualquer das duas dimensões de significado, outros valores constitucionais, explícitos e implícitos, operam para concretizar o sobrevalor dasegurança jurídica. Convencionou-se que tais valores são, basicamente, a igualdade, a legalidade, a universalidade da jurisdição, o direito à ampla defesa e o devido processo legal, assim como o respeito à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Mas, além desses princípios gerais, outros preceitos são veiculados na Constituição, para conferir certeza e segurança aos particulares, nos diversos campos do direito positivo. Assim é que, na esfera previdenciária, por exemplo, assegura-se a universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, irredutibilidade do valor das prestações previdenciárias, dentre outros (art. 194 da Constituição).

Qualquer violação a essas orientações supremas compromete, de modo irremediável, a realização do princípio implícito da certeza, como previsibilidade, e, ainda, o grande postulado, também inexpresso, da segurança jurídica.

3. O princípio da legalidade e as relações com a Administração Pública

Da concepção global de sistema jurídico-positivo, tomado o termo como conjunto de normas, associadas segundo critérios de organização prescritiva, e todas elas voltadas para o campo material das condutas intersubjetivas, extraímos o subsistema das normas constitucionais.

Esse subsistema é fortemente marcado por enunciados de cunho axiológico, revelando a orientação do legislador constituinte em impregnar as normas de inferior hierarquia com uma série de conteúdos de preferência por núcleos significativos.

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas, estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos carregados, com maior força, de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos: são os já mencionados “princípios” jurídicos.

Há muitos princípios constitucionais gerais, válidos para a plenitude do ordenamento, como o da justiça, certeza do direito, segurança jurídica, igualdade, legalidade, irretroatividade das leis, universalidade da jurisdição, ampla defesa e devido processo legal, isonomia das pessoas constitucionais etc. Interessa-nos, para os fins do presente estudo, o cânone dalegalidade, que se projeta sobre todas as províncias do direito, encontrando-se inserido no art. 5°, inciso II, do Texto Constitucional vigente:“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Esse imperativo aplica-se, em sua íntegra, à Administração Pública, sendo repetido, enfaticamente, no art. 37,caput, do mesmo Diploma:

“Art.37. Aadministração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípiosobedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)” – destaquei.

A máxima da legalidade assume papel de absoluta preponderância, irradiando sua influência por todas as províncias do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos sem que a lei os estipule. O contrato, por exemplo, só existe no ordenamento jurídico porque assim prevê a lei, atuando como seu fundamento de validade. O princípio da legalidade, genericamente considerado, consiste na realização de atos com fundamento de validade em lei.

Quadra advertir que a mensagem não é dirigida somente ao legislador das normas gerais e abstratas, mas, igualmente, ao administrador público, ao juiz e a todos aqueles a quem incumba cumprir ou fazer cumprir a lei. No desempenho das respectivas funções, a todos se volta o mandamento constitucional, cumprindo destacar sua importância no âmbito do direito público, pois em relação a este vigora o princípio ontológico segundo o qual “tudo que não estiver expressamente autorizado estará proibido”.

Qualquer que seja a esfera jurídica, a prática de atos privados e o desencadeamento dos efeitos correspondentes exige compatibilidade com o texto legal vigente. Tratando-se de direito público, porém, as exigências são mais severas: a prática do ato depende de expressa autorização legal. Esse é um dos motivos pelos quais não pode o Estado de São Paulo deixar de assumir sua responsabilidade perante os particulares inscritos no IPESP ou atribuí-la, por veículo infralegal, a outra entidade.

A respeito do assunto, a Lei Complementar nº 1.010/2007 prescreve, em seu art. 36, que as atribuições conferidas ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP, relacionadas à administração e pagamento de benefícios previdenciários,serão assumidas pela SPPREV.

À evidência não há como
o Estado de São Paulo pretender realizar ato que, além de não estar autorizado, encontra-se expressamente proibido, como é o caso da transferência da responsabilidade pela administração da Carteira.

4. Espécies tributárias no direito positivo brasileiro

Tributo é gênero do qual imposto, taxa e contribuição de melhoria são espécies, de acordo com a disposição inserta no art. 145 da Constituição da República. Desse modo, todas as espécies que conotam as características inerentes ao tributo devem ser examinadas, apontando-se para as diferenças específicas. Tais diferenças, que consubstanciam critérios de distinção entre as espécies, são construídas a partir do binômio “hipótese tributária/base de cálculo”. Dois argumentos recomendam a adoção dessa dualidade: (i) trata-se de diretriz constitucional, firmada no momento em que o legislador realizava o trabalho delicado de traçar a rígida discriminação de competências tributárias, visando a preservar o princípio maior da Federação e a manter incólume a autonomia municipal; (ii) para além disso, é algo simples e operativo, que permite o reconhecimento da índole tributária, sem a necessidade de considerações retóricas e até alheias ao assunto.

Firmadas essas premissas, tenho para mim que os impostos são tributos que têm por hipótese de incidência, confirmada pela base de cálculo, fato alheio a qualquer atuação do Poder Público, ou seja, são tributos não vinculados a uma atuosidade do Estado ou de quem lhe faça as vezes, segundo classificação proposta pelo saudoso Geraldo Ataliba[1]. É da índole do imposto, no nosso direito positivo, a inexistência de participação do Estado, desenvolvendo atividade dirigida ao contribuinte. Sua hipótese de incidência descreve fatos quaisquer presuntivos de riqueza (uma pessoa auferir renda líquida, industrializar produtos, prestar serviços etc.). A formulação lingüística o denuncia e a base de cálculo o comprova.

A contribuição de melhoria, por sua vez, é tributo que tem por hipótese de incidência a descrição de evento consistente na construção de obra pública da qual decorra valorização dos imóveis circundantes. Nesse sentido predica o art. 145, III, da Lei Maior. Frise-se que a realização da obra, por si só, não é suficiente: exige-se a adoção de fator estranho à atuação do Estado, que, ao ser-lhe acrescentado, complementa a descrição factual. E a valorização imobiliária não é, necessariamente, conseqüência de realização de obras públicas. Muitas vezes, sobre não acarretarem incremento de valor nos imóveis adjacentes, as obras podem até colaborar para a diminuição de seu preço de mercado. Por isso mesmo, havendo a correlação entre a obra e a valorização, o direito positivo exige que o proprietário do imóvel valorizado recolha a chamada contribuição de melhoria. Daí dizer que a contribuição de melhoria é tributo vinculado a uma atuação do Poder Público, porém indiretamente referido ao obrigado, porquanto sua cobrança depende de fator intermediário, que é a valorização do bem imóvel.

A taxa, por seu turno, pressupõe a prestação, efetiva ou potencial, de serviços públicos ou o exercício do poder de polícia, direta e especificamente dirigidos ao contribuinte. A base de cálculo deverá exibir, forçosamente, a medida da intensidade da participação do Estado, tudo nos moldes do que estatui o art. 145, II, da Constituição.

Enfim, traçadas as linhas definidoras do que se deve entender por tributo e as espécies aceitas pela Carta Magna, não temos dúvidas em afirmar que somente as três espécies citadas encontram guarida no ordenamento jurídico brasileiro. Qualquer tentativa de acatar os desacertos políticos que o legislador utiliza para burlar a rígida discriminação de competência afigura-se-me como vazia de fundamento, visto que a hipótese de incidência, associada à base de cálculo, permite identificar as espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todo o suporte argumentativo calca-se na orientação do sistema, em sua integridade estrutural. Outra coisa não fez o constituinte senão estabelecer que tanto os empréstimos compulsórios como as contribuições são entidades tributárias da espécie em que se enquadrarem.

A Constituição da República, em seu art. 148, outorga à União a possibilidade de instituir, mediante lei complementar, empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência, ou para realizar investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. O fato jurídico tributário dos empréstimos compulsórios deve estar compreendido na competência impositiva da União, podendo ser escolhidos entre os eventos descritos no art. 153 da Carta Magna, ou entre as atuosidades por ela manifestadas ou por quem lhe faça as vezes, seja em razão da prestação de serviço público, específico e divisível, efetivo ou potencial, seja pelo exercício do poder de polícia. Desse modo, o empréstimo compulsório será imposto se o antecedente da regra-matriz de incidência descrever um fato pertencente à esfera jurídica do contribuinte, ou taxa, se a previsão consubstanciar-se numa atividade estatal, confirmada, é claro, por sua base de cálculo.

O mesmo raciocínio aplica-se às contribuiçõessociais, de intervenção no domínio econômico ou no interesse das categorias profissionais e econômicas, cuja norma de estrutura se constrói a partir do enunciado prescrito no art. 149 da Lei Maior, podendo assumir, de igual maneira, tanto a feição de impostos como a de taxas, conforme suas características descritivas.

Efetuados os esclarecimentos quanto às espécies tributárias existentes no ordenamento brasileiro, uma delas merece atenção especial, para fins de desenvolvimento do presente trabalho e solução das dúvidas da Consulente: a contribuição, com enfoque naquela destinada ao custeio da previdência social.

5. Disciplina constitucional das contribuições previdenciárias

A Constituição de 1988 faz referência a três espécies de contribuições susceptíveis de serem instituídas pela União, diferenciadas conforme as finalidades a que se destinem: (i) sociais, (ii) de intervenção no domínio econômico e (ii) de interesse das categorias profissionais ou econômicas (art. 149,caput). Ao tratar das contribuições sociais, por sua vez, subdivide-as em duas categorias: as genéricas (art. 149,caput) e as destinadas ao financiamento da seguridade social (art. 195).

Enquanto as contribuições sociais a que se refere o art. 149,caput, da Constituição, têm acepção bastante abrangente, destinando-se ao custeio das metas fixadas na Ordem Social (Título VIII), dentro delas especializam-se aquelas voltadas ao financiamento da seguridade social, disciplinadas pelo art. 195 do Texto Maior. Em síntese, as contribuições sociais são instrumentos tributár
ios, previstos na Carta de 1988, que têm por escopo o financiamento de atividades da União nesse setor. E, dentro do campo social, encontramos contribuições com a específica finalidade de custear a seguridade social (saúde, previdência e assistência social), configurando subgrupo da classe denominada contribuições sociais.

As duas categorias de contribuição acima mencionadas, conquanto consubstanciem espécies de um mesmo gênero – contribuições sociais -, são disciplinadas de forma diferenciada pela Constituição. Não obstante ambas sejam integralmente submetidas ao regime jurídico tributário, as contribuições para seguridade social receberam tratamento constitucional peculiar.

Uma das distinções relevantes é o fato de não ter o constituinte indicado os fatos possíveis de serem oneradas pela criação de contribuições sociais genéricas, deixando tal incumbência a cargo do legislador infraconstitucional, tendo este liberdade para eleger as hipóteses de incidências e correspondentes bases de cálculo, encontrando limites apenas em relação aos fatos cuja tributação foi atribuída à esfera competencial das demais pessoas políticas e nos direitos fundamentais dos contribuintes, erigidos em princípios constitucionais em geral e, mais especificamente, nos princípios constitucionais tributários.

De outro lado, ao discriminar a competência para instituição de contribuições destinadas à seguridade social, das quais as contribuições previdenciárias são subespécies, o constituinte traçou minuciosamente os arquétipos das possíveis regras-matrizes de incidência tributária, impondo, ao legislador infraconstitucional, observância a uma série de requisitos. Dentre as exigências estipuladas para o exercício dessa competência tributária, releva destacar, para fins do presente estudo, as fontes de custeio autorizadas pelo Texto Maior, às quais deve limitar-se o legislador ordinário da União:

“Art.195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos;

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.”[2]

Com tal prescrição, o constituinte traçou os modelos de regras-matrizes de incidência das contribuições para a seguridade social, vinculando a atividade do legislador ordinário da União. Este, no exercício da competência tributária, não pode distanciar-se dos termos constitucionalmente estabelecidos, quer no que diz respeito ao sujeito passivo, quer no tocante à hipótese de incidência ou à base de cálculo.

Posto isso e tomando como referência o art. 195, I, “a”, do Texto Maior, preenchendo o arranjo sintático da regra-matriz de incidência tributária com a linguagem do direito positivo, saturando as variáveis lógicas com o conteúdo semântico constitucionalmente previsto, identificamos a seguinte norma-padrão:

Hipótese:

· critério material:pagar ou creditar salários e demais rendimentos do trabalho a empregado ou prestador de serviço;

· critério espacial:território nacional;

· critério temporal:momento do pagamento ou creditamento do salário e demais rendimentos do trabalho;

Conseqüente:

· critério pessoal:ativo:União[3];passivo:empregador, empresa e entidade a ela equiparada na forma da lei;

· critério quantitativo:base de cálculo:valor da folha de salário e dos demais rendimentos pagos ou creditados à pessoa física que preste serviços, com ou sem vínculo empregatício;alíquota:percentual fixado em lei.

Vejamos, também, o arquétipo da regra-matriz que se constrói a partir o teor do art. 195, II, da Constituição:

Hipótese:

· critério material:receber remuneração pelo trabalho;

· critério espacial:território nacional;

· critério temporal:instante do recebimento da remuneração;

Conseqüente:

· critério pessoal:ativo:União[4];passivo:trabalhador e demais segurados da previdência social;

· critério quantitativo:base de cálculo:valor da remuneração recebida pelo trabalho, exceto o montante da aposentadoria e pensão concedidos pelo regime geral de previdência social;alíquota:percentual fixado em lei.

Quero advertir que o esquema da regra-matriz de incidência tributária é fórmula simplificadora, reduzindo, drasticamente, as dificuldades do feixe de enunciados constituidores da figura impositiva. Obviamente, não esgota as especulações que a leitura do texto suscita, porquanto o legislador lida com múltiplos dados da experiência, promovendo mutações que atingem o sujeito passivo, o tempo da ocorrência factual, as condições de espaço, a alíquota e as formas de mensurar o núcleo do acontecimento. Essa gama de liberdade legislativa, contudo, não pode ultrapassar os limites lógicos que a regra-matriz comporta. Se as mutações chegarem ao ponto de modificar os dados essenciais da hipótese e, indo além, imprimir alterações na base de cálculo, estaremos, certamente, diante de violação à competência constitucionalmente traçada. O emprego desse esquema normativo apresenta, portanto, extrema utilidade, possibilitando o elucidamento de questões jurídicas, mediante a exibição das fronteiras dentro das quais o legislador e o aplicador das normas devem manter-se para não ofender o Texto Constitucional.

Mas é claro que a própria Constituição pode excepcionar a regra. E é o que acontece em relação às contribuições previdenciárias, cobradas dos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais podem ser instituídas pelas respectivas pessoas políticas, nos termos do § 1º do art. 149 da Carta Magna:

“Art. 149. (…)

§ 1º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.”

Vale lembrar que tanto as contribuições sociais, assim como as contribuições de intervenção no domínio econômico, as instituídas no interesse das categorias profissionais ou econômicas e as destinadas ao custeio de sistemas de previdência e assistência social dos servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios sujeitam-se integralmente ao regime jurídico tributário. As contraprestações correspondentes, da mesma forma, também se submetem ao regime de direito público.

É incontestável a importância que os fatos jurídicos assumem, no quadro sistemático do direito positivo, pois, sem eles, jamais apareceriam direitos e deveres, inexistindo possibilidade de regular a convivência dos homens, no seio da comunidade. Mas, sem desprezar esse papel fundamental, é pela virtude de seus efeitos que as ocorrências factuais adquirem tanta relevância. E tais efeitos estão prescritos no conseqüente da norma, irradiando-se por via de relações jurídicas. Isso nos permite dizer, com inabalável convicção, que o prescritor normativo é o dado por excelência da realização do direito, porquanto é precisamente ali que está depositado o instrumento da sua razão existencial. Eis o motivo porque, quando pensamos no fenômeno da percussão jurídica de natureza pública, acode-nos logo à mente a presença do Estado e, em contraponto, do administrado, vinculados por liame que envolve dever jurídico de uma parte e direito subjetivo de outra.

Tenho insistido, reiteradamente, que só as pessoas políticas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – dispõem de competência tributária, na acepção que especificamos, pois são as únicas dotadas de poder legislativo e, por via de conseqüência, com possibilidades de produzir inovações na ordem jurídica. E exercer a competência tributária nada mais é que editar leis que instituam tributos ou regulem sua funcionalidade.

Desse modo, sendo o Estado competente para legislar sobre contribuições previdenciárias de seus servidores, será ele, em princípio, a pessoa capaz de integrar a relação jurídica, na condição de titular do direito subjetivo de exigir o mencionado gravame.

Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora da exação indica sujeito ativo diferente daquele que detém a respectiva competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é a pessoa competente, sendo outra a pessoa credenciada a postular o cumprimento da prestação. Ora, sempre que isso se der, apontando a lei um sujeito ativo diverso do portador da competência impositiva, estará o estudioso habilitado a reconhecer duas situações juridicamente distintas: (i) o sujeito ativo, que não é titular da competência, recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as normas legais correspondentes (CTN, art. 7º), com as garantias e privilégios processuais que competem à pessoa que legislou (CTN, art. 7º, § 1º), mas não fica com o produto arrecadado, isto é, transfere os recursos ao ente político; ou (ii) o sujeito ativo indicado recebe as mesmas atribuições referidas no item (i), acrescidas da disponibilidade sobre os valores arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades específicas. Nessa última hipótese, temos consubstanciado o fenômeno jurídico da parafiscalidade.

Colocado esse preâmbulo, podemos definirparafiscalidade como o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos pecu­liares. Dois aspectos, por conseguinte, hão de ser atendidos para que venhamos a isolar o chamadotributo parafiscal: (i) sujeito ativo indicado expressamente na lei instituidora da exação, diferente da pessoa política que exerceu a competência; e (ii) atribuição, também expressa, do produto arrecadado, à pessoa apontada para figurar como sujeito ativo.

Poderão ser sujeitos ativos de tributos parafiscais as pessoas jurídicas de direito público, com ou sem personalidade política, e as entidades paraestatais, que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desenvolvematividades de interesse público. É o que se verifica no caso da presente Consulta, em que o Estado de São Paulo conferiu ao IPESP a atribuição de gerir a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.

Nesse esquadro, o IPESP aparece como delegatário de funções típicas do Estado, de indiscutível natureza pública. Por manipular categorias próprias à figura tributária do empréstimo compulsório, seria até despiciendo lembrar que a atuação do IPESP e de seus sucessores está estritamente
subordinada ao regime jurídico-constitucional da previdência social, devendo respeitar os princípios a ela inerentes e resguardando os direitos dos segurados.

5.1. Referibilidade das contribuições previdenciárias

Nota-se que, tratando-se de contribuição, é autorizada sua exigência como instrumento de atuação no âmbito social, de intervenção no domínio econômico e no interesse de categorias profissionais ou econômicas. O Texto Constitucional determina, portanto, que haja “referibilidade” entre a instituição desse tributo e o respectivo sujeito passivo. Nesse sentido, conclui Geraldo Ataliba[5] que“não basta que a consistência da h.i. seja uma atuação estatal. É preciso que esta seja, de qualquer modo, referida ao obrigado (sujeito passivo), para que dele possa ser exigida”.

Esse ilustre autor, ao discorrer sobre a classificação dos tributos, divide-os em vinculados e não-vinculados à atuação estatal. Mas não pára por aí. Além de utilizar como critério a vinculação ou não do aspecto material da hipótese de incidência a uma atuação estatal, atribui relevância à circunstância de ser a atividade do Estado direta ou indiretamente relacionada ao contribuinte. As contribuições são tributos em que se tem uma atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte.

Semelhante é o posicionamento de Paulo Ayres Barreto:

“Com efeito, as prescrições constitucionais que se voltam para a espécie tributária contribuições permitem-nos inferir ser a vantagem ou especial benefício traço característico nas contribuições. (…) as contribuições tributárias, na grande maioria dos ordenamentos jurídicos, já são prescritivamente desenhadas como tributos devidos em razão de benefícios individuais ou de grupos derivados, da realização de obras públicas ou de atividades especiais do Estado. (…) Nas contribuições de seguridade social, os benefícios são constitucionalmente referidos, como ocorre nos incisos I, II e IV do parágrafo único do art. 194, e no parágrafo 5º do art. 195, ambos da Constituição Federal. Há expressa menção à universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, I), aos benefícios às populações urbanas e rurais (art. 194, II), à seletividade e distributividade dos benefícios e serviços de seguridade social (art. 194, IV) e aos benefícios ou serviços de seguridade social (art. 195, § 5º).

Em síntese, entendemos que quem contribui para fundo, órgão ou despesa, mediante pagamento de tributo da espécie contribuição, o que faz em virtude de uma vantagem ou benefício que decorra da atividade estatal financiada pela contribuição, e que se volte para o grupo de contribuintes.”[6]

A existência de vínculo entre o pagamento da contribuição previdenciária e o recebimento dos benefícios correspondentes decorre de previsão constitucional, exigindo correspondência entre o custo da atividade a ser desenvolvida pelo Estado, diretamente ou por meio de delegação, e as receitas tributárias advindas da instituição de contribuição. Vejamos alguns desses preceitos:

a) o art. 40 alude à necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do regime de previdência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No mesmo sentido é a prescrição do art. 201 do mesmo Diploma Normativo;

b) o art. 149, § 1º, estabelece que a instituição de contribuição previdenciária destina-se aocusteiodo regime de mesma natureza;

c) o art. 167, XI, veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, ‘a’ e II, para realização de outras despesas que não o pagamento de benefício do regime geral de previdência social previsto no art. 201;

d) o artigo 194, V, prescreve a eqüidade na participação docusteioda seguridade social;

e) o art. 195, § 5º, dispõe que nenhum benefício ou serviço da seguridade social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte decusteio.

Esses são exemplos de dispositivos constitucionais que se referem ao assunto, evidenciando a correlação existente entre o custo da atividade previdenciária e a receita a ser obtida mediante instituição da contribuição. Quer dizer, essa contribuição tem pressuposto a concessão ao segurado dos benefícios, direito constitucionalmente assegurado e que não pode ser extinto nem sequer por disposição legal.

6. A previdência social na Constituição de 1988

Dada sua supremacia hierárquica, as regras jurídicas inscritas no Texto Constitucional, inclusive os princípios, irradiam-se por todo o ordenamento, servindo como fundamento de validade ao arcabouço infraconstitucional. Além de princípios gerais, que regem todo e qualquer âmbito do direito, como o da segurança jurídica, da legalidade, da igualdade etc., a previdência social, no Brasil, acha-se jungida por uma série de máximas constitucionais, especialmente dirigidas a esse setor, e que devem ser observadas, em toda sua latitude, pela legislação infraconstitucional.

Convém anotar que o direito à previdência figura nas Constituições brasileiras desde 1934, sendo considerado uma das dimensões dos direitos fundamentais do homem. Exige que sejam desempenhadas prestações positivas para proporcionar melhores condições de vida aos cidadãos, amparando os mais fracos e conferindo redução das desigualdades sociais. Daí porque José Afonso da Silva entende tratar-se de preceitos conexos ao direito de igualdade, concluindo: “Valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”[7].

A Constituição de 1988, por sua vez, reiterou ser a previdência social um direito indisponível, conferindo-lhe caráter obrigatório:

“Art.201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e defiliação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

(…)

§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei.

§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência.” (grifei)

Como se vê, o art. 201 do Texto Maior determina a obrigatoriedade da filiação à previdência social por ser esta uma instituição pública com o objetivo de conceder direitos aos seus segurados quando verificada uma das hipóteses previstas, consistentes em situações em que o contribuinte perde sua capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade avançada, morte, desemprego involuntário, ou mesmo a maternidade ou reclusão.

Além disso, o constituinte assegurou a irredutibilidade dos benefícios previdenciários, que devem ser calculados com base no valor atualizado dos salários de contribuição, devendo os benefícios, depois de concedidos, serem reajustados para preservar-lhes o valor real (art. 201, §§ 3º e 4º).

Diante de sua relevância, a previdência social foi considerada pelo constituinte uma necessidade vital básica, configurando direito assegurado constitucionalmente, ao lado, por exemplo, da saúde, educação e segurança:

“Art. 6º.São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifei)

 

 

“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suasnecessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte eprevidência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (destaquei)

Como direito fundamental que é, a previdência social também foi assegurada aos servidores públicos, com reajuste dos benefícios para preservar-lhes o valor real, conforme se depreende do art. 40 da Carta Magna:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações,é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(…)

§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.

(…)

§ 12 – Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.

(…)

§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei.

(…)

§ 20. Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X.” (destaquei)

Não obstante o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo tenha suas especificidades, aplicam-se, no que couberem, os requisitos e critérios estabelecidos para o regime geral da previdência (art. 40, § 12).

Desde a Constituição de1934, a seguridade social passou a ser um direito assegurado ao particular, para o qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e a empresa, e ainda, em igualdade de condições com essas categorias, o próprio Poder Público[8]. E essa conjugação de esforços por parte do Estado e da sociedade foi posta, de forma explícita, pelo art. 194 da Carta de 1988:

“Art.194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

Ainda, segundo prescreve o parágrafo único do referido dispositivo, são princípios que informam a concepção constitucional de seguridade e, portanto, de previdência: (i) a universalidade da cobertura e do atendimento; (ii) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urb
anas e rurais; (iii) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; (iv) irredutibilidade do valor dos benefícios; (v) eqüidade na forma de participação no custeio; (vi) diversidade da base de financiamento; (vii)caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Trata-se de preceitos componentes da ordem jurídica, voltados a refrear abusos na área, objetivando resguardar o interesse da coletividade, bem como do particular, segurado obrigatório da previdência social. É tomando por base esses princípios que o jurista deve orientar sua interpretação acerca do sistema previdenciário brasileiro, sem esquecer que, sendo o sistema do direito uno, a compreensão desses princípios deve ser realizada em harmonia com as demais normas constantes do Texto Constitucional.

6.1. Amplitude do art. 194 da Constituição

O art. 194 e parágrafo único da Constituição traçam a definição do conceito de seguridade social, bem como as metas a serem perseguidas na implementação daquele conjunto integrado de ações dirigidas à consecução dos direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. Por sua vez, o art. 195 do mesmo Diploma prescreve os meios pelos quais serão custeadas tais ações: (i) de forma indireta, com recursos provenientes dos orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e (ii) de modo direto, mediante o emprego das contribuições sociais que taxativamente relaciona.

Impende recordar que o Texto Maior é repleto de normas jurídicas voltadas a assegurar direitos à população nacional. Quanto à esfera da seguridade social, o art. 194 é exemplo claro dessa preocupação com a abrangência dos benefícios assegurados, referindo-se à universalidade, uniformidade, equivalência e irredutibilidade dos benefícios. Isso não significa, entretanto, permissão para angariar, de forma igualmente universal, recursos para seu financiamento. Conquanto tenha o constituinte, por força do estatuído no inciso I do parágrafo único do art. 194, estabelecido o objetivo da universalidade da cobertura e do atendimento, em matéria de seguridade social não ousou fazer o mesmo no que concerne ao custeio do magno programa protetivo que engendrou.

O comentado art. 194 prescreve objetivos a serem perseguidos na seguridade social, sendo a universalidade de cobertura um deles: atendimento a toda a sociedade, independentemente de contribuições. Na seção destinada à disciplina jurídica da prestação de serviço de saúde, essa autonomia entre benefício e custeio fica bem nítida, estipulando o art. 196 que:“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O mesmo se verifica na regulação da assistência social, dispondo o art. 203 do Texto Maior que“a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social”.

A previdência, por sua vez, não obstante tenha particularidades, também se submete aos princípios constitucionais veiculados no art. 194.

A previdência nada mais é que uma forma de seguro social, visando à remuneração dos contribuintes ou seus beneficiários nas hipóteses de infortúnios ou aposentadoria, enquanto a assistência social prima pelo amparo de qualquer ser humano dependente, carente, que se encontre em situação de necessidade básica. A assistência, além de possuir caráter universal e independer de contribuição, não se destina a prover recursos para custear eventos futuros; seu objetivo é imediato, cobrindo necessidades atuais. A previdência, por outro lado, tem esse caráter de retributividade. Conseqüentemente, tendo havido o recolhimento da contribuição, de caráter obrigatório, nos termos do regime geral ou próprio de previdência, a retribuição correspondente precisa ser assegurada.

Tanto é assim que a Lei nº 8.212/91, ao regulamentar o assunto, novamente enunciou as diretrizes a serem seguidas:

“Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. A Seguridade Social obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:

a) universalidade da cobertura e do atendimento;

b) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

d) irredutibilidade do valor dos benefícios;

e) eqüidade na forma de participação no custeio;

f) diversidade da base de financiamento;

g) caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.”

No que diz respeito especificamente à previdência social, essa Legislação reiterou seu caráter assecuratório da dignidade do ser humana:

“Art. 3º A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.”

Para atingir tal desiderato, o Texto Constitucional exige (i) universalidade da cobertura e do atendimento, de modo que todos que se encontrem em determinada situação, prevista em lei, façam jus aos benefícios; (ii) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, concretizando o princípio da igualdade; (iii) seletividade e distributividade, orientando que se faça distribuição de renda e bem-estar, implementando-se o disposto no art. 193 da Carta Magna mediante a concessão de benefícios, sempre visando à justiça social; (iv) irredutibilidade do valor dos benefícios, pelo que o Texto Constitucional, em diversos dispositivos, prescreve o reajuste dos benefícios para manter seu real valor; (v) eqüidade na forma de participação do custeio, devendo os trabalhadores contribuírem na medida de suas possibilidades e assegurando-se participação do Poder Público, de modo que se alcance o equilíbrio entre a geração dos custos e os meios para satisfazê-los; (vi) diversidade da base de financiamento, o que reitera a necessidade de participação dos particulares (trabalhadores e empregadores ou empresas) e do Poder Públ
ico; e (vii) caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, decorrência, dentre outros, do art. 10 da Constituição, que assegura a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

7. Natureza das funções exercidas pelos notários e registradores, seus escreventes e auxiliares

As atividades notariais e de registro configuramprestação de serviço de natureza pública delegada a particulares. Essa delegação, porém, não tem o condão de alterar a “natureza jurídica” desse serviço, que permanece público. Trata-se de atividade administrativa consistente em“garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art. 1º da Lei nº 8.935/94), devendo, nos termos do art. 236 da Constituição da República, ser delegados a pessoas físicas, mediante concurso público de provas e de títulos, ou por meio de remoção, para os que já forem titulares de serventias.

Demonstrando o caráter público de tais serviços, Maria Helena Diniz[9] discorre sobre a atividade do registrador:

“Portanto, serventuário ou servidor significa ‘o que serve num ofício ou cargo’. É a pessoa que, como o oficial de Registro de Imóvel, exerce uma função pública, tendo suas atribuições determinadas pelas normas especiais, por atender interesse público. O registro de imóveis, por ser obrigatório, transforma-se num serviço público, e, pelo regime jurídico do Brasil, perfaz uma função de publicidade, pois, ante a mutação jurídico-real do bem de raiz, investe a propriedade ou o direito real na pessoa de seu titular, tornando o direito oponívelerga omnes. O registrador, em seu cargo, terá a tarefa de atribuir autenticidade, segurança e eficácia aos atos e aos documentos que leva ao assento.”

Nesse sentido, por entender tratar-se de prestação de serviço público, o Egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu que os emolumentos das serventias extrajudiciais têm natureza tributária, configurando verdadeiras taxas (ADI 1444/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches; ADI 3694-AP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Outra não poderia ser a conclusão a respeito do assunto, visto que os serviços notariais e de registro, conquanto exercidos por pessoas de direito privado, decorrem de delegação do Poder Público, sujeitando-se, por conseguinte, ao regime de direito público.

Feito esse registro, é preciso esclarecer o sentido da locução “servidor público”. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[10], essa expressão comporta um sentido amplo, servindo para designartodas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da administração indireta, com vínculo empregatício, mas também serve para indicar um sentido estrito, excluindo os sujeitos que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Em vista disso, até o advento da Lei nº 8.935/94 os notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado eram consideradosservidores públicos em sentido amplo, estando obrigados ao recolhimento da contribuição previdenciária em regime próprio. No Estado de São Paulo, sujeitavam-se ao disposto na Lei Estadual nº 10.393/70, contribuindo na forma ali prevista, como segurados obrigatórios, e, portanto, fazendo jus aos benefícios correspondentes.

8. Instituição, finalidades e extinção do IPESP

O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP foi criado pelo artigo 93 da Constituição Estadual de 1935, o qual impôs ao Governo o dever de organizar o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado e dos Municípios, destinado a suportar os encargos da aposentadoria e do montepio desses servidores, e a prestar assistência a estes e às suas famílias.

Em 28 de setembro de 1949, foi editada a Lei nº 465, disciplinando a aposentadoria dos escreventes, auxiliares e oficiais de justiça, e determinando a criação, no Instituto de Previdência do Estado, daCarteira de Aposentadoria de Servidores de Justiça, destinada a atender às aposentadorias previstas naquela Lei.

Depois de sucessivas alterações legislativas, a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo foi reorganizada pela Lei nº 10.393, de 16 de dezembro de 1970. Nos termos do art. 1º dessa Lei, a administração da referida Carteira foi atribuída ao IPESP, entidade financeiramente autônoma e com patrimônio próprio:

“Artigo 1.º A Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, sob a administração do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, é financeiramente autônoma, com patrimônio próprio, passando a reger-se por esta lei.”

As finalidades dessa Carteira de previdência, conforme prescrito pelo art. 2º, consistem em proporcionar aposentadoria aos seus segurados e conceder pensões aos dependentes dos segurados. Assim, a Lei nº 10.393/70 relaciona, no art. 4º, os profissionais que figuram como segurados obrigatórios da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado:

“Artigo 4ºSão segurados obrigatórios da Carteira estejam na atividade ou aposentados, os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado, tanto dos cartórios como dos ofícios de Justiça.”

Por conta disso, o Decreto nº30.550/89, que aprovou o Regulamento do Instituto de Providência do Estado de São Paulo – IPESP, atribuiu-lhe as seguintes funções:

“Art. 2º. São finalidades do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP):

(…)

II – administrar sistemas de previdências de grupos profissionais diferenciados;

(…)

§ 2.º – O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP) administrará, nos termos do inciso II deste artigo:

1. a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, nos termos da Lei nº 10.394, de 16 de dezembro de 1970;

2. a Carteira de Previdência dos Economistas de São Paulo, nos termos da Lei nº 7.384, de 6 de novembro de 1962, e do Decreto nº 43.544, de 13 de julho de 1964;

3. a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, nos termos da Lei nº 10.393, de 16 de dezembro de 1970;

4. a Carteira de Previdência dos Deputados à Assembléia Legislativa do Estado, nos termos da Lei nº 951, de 14 de janeiro de 1976, e legislação posterior;

5. a Carteira de Previdência dos Vereadores e Prefeitos do Estado de São Paulo, nos termos da Lei nº 4.642, de 6 de agosto de 1985.

(…)

§ 7.º – O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP) assegurará aos dependentes de funcionários e servidor ativo ou inativo falecidos o salário família de acordo com as disposições da Lei nº 6.422, de 23 de outubro de 1961, do Decreto nº 43.520, de 8 de julho de 1964 e da Lei Complementar nº. 177, de 28 de abril de1978.” (destaquei)

 

Por serem considerados “servidores públicos em sentido amplo”, até o advento da Lei Federal nº 8.935/94 os notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado eram segurados obrigatórios, sujeitando-se ao recolhimento da contribuição previdenciária administrada pelo IPESP. Embora a partir da edição da Lei nº 8.935/94 esses profissionais não sejam mais segurados obrigatórios daquela Carteira, os contribuintes que já eram inscritos mantiveram sua condição de segurados.

Nesse sentido, é expresso o parágrafo unido do art. 40 da Lei Federal nº 8.935/94, assegurando-lhes a manutenção dos direitos previdenciários pré-existentes:

“Art. 40. Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos.

Parágrafo único. Ficam assegurados, aos notários, oficias de registro, escreventes e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação desta Lei.”

Ao disciplinar o assunto, o art. 48 da referida Lei permitiu que os notários e oficiais de registro, assim como seus escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou especial, optassem pela alteração do regime jurídico previdenciário. Não se verificando tal opção, esse dispositivo legal determinou a continuidade de sujeição desses segurados às normas aplicáveis aos funcionários públicos ou editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo:

“Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta Lei.

§ 1º. Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.

§ 2º.Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta Lei.” (grifei)

E, para que não houvesse dúvidas a respeito do assunto, o art. 51 determinou, enfaticamente, a aplicação da legislação anterior aos notários e oficiais de registro que mantivesses as contribuições estipuladas:

“Art. 51.Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria,fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.

§ 1º. O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em virtude da opção de que trata o art. 48.

§ 2º. Os proventos de que trata este artigo serão os fixados pela legislação previdenciária aludida no caput.

§ 3º. O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte, pelos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares.” (grifei)

A Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo é mantida, dentre outras receitas,pelas contribuições dos segurados inscritos, bem como por parcela de todos os emolumentos notariais e de registros recebidos por todos os notários e registradores, conforme disciplinado pelos arts. 48 e 49 da Lei nº 10.393/70:

“Art. 48. O titular da Serventia da Justiça não Oficializada, além de sua contribuição como segurado (artigo 45),contribuirá para a receita da Carteira, mensalmente, com quantia correspondente a 9,3% das retribuições-base do oficial maior, dos escreventes e dos auxiliares da serventia a seu cargo.

Parágrafo único – A contribuição estabelecida neste artigo não incidirá sobre a Gratificação de Natal.”[11]

 

“Art.49. A contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado corresponderá a 20% (vinte por cento) dos emolumentos devidos ao serventuário, por ato praticado em serventias não oficializadas.

Parágrafo único – Será arredondado para mais o resultado inferior a Cr$ 0,10, facultando-se ao Executivo, sempre que baixar novas tabelas de custas e emolumentos a elevação desse mínimo.”

O art. 19 da Lei nº 11.331/02 alterou a forma de contribuição, p
assando a determinar:

“Art. 19 – Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:

I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:

(…)

c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;

(…)

II – relativamente aos atos privativos do Registro Civil das Pessoas Naturais:

(…)

b) 16,6667% (dezesseis inteiros, seis mil seiscentos e sessenta e sete centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.”

Ocorre que a Lei nº 1.010, de 1º de junho de 2007, ao criar a São Paulo Previdência – SPPREV, a ser instalada no prazo de 2 anos, determinou a extinção do IPESP, nos seguintes termos:

“Art.40. A SPPREV deverá estar instalada e em pleno funcionamento,tendo assumido a administração e execução de todas as atividades que lhe são conferidas nos termos desta lei complementar, inclusive no que se refere aos Poderes Judiciário e Legislativo, e ao Ministério Público, em até 2 (dois) anos após a publicação desta lei complementar, período no qual os órgãos, entidades e unidades dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, e do Ministério Público, deverão fornecer à SPPREV, mensalmente, as informações relativas a dados cadastrais e folha de pagamento dos seus membros e servidores públicos, ativos e inativos, dos militares do serviço ativo, dos agregados ou licenciados, da reserva remunerada ou reformados, necessárias ao atendimento das exigências contidas na Lei federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, com alterações introduzidas pela Lei federal nº 10.887, de 18 de junho de 2004, e regulamentação própria .

§ 1º. Concluída a instalação da SPPREV fica extinto o IPESP, sendo suas funções não previdenciárias realocadas em outras unidades administrativas conforme regulamento.

§ 2º. As funções previdenciárias da CBPM serão transferidas para a SPPREV, permanecendo a CBPM com as suas funções não previdenciárias, na forma a ser definida em regulamento.” (grifei)

Convém registrar que, apesar da extinção do IPESP, determinada pela Lei Complementar nº 1.010/07, até o presente momento não houve a edição de qualquer diploma legislativo estadual revogando ou mesmo alterando as disposições da Lei Estadual nº 10.394/70. Pelo contrário. Não obstante tenha sido determinada a extinção do IPESP, suas funções previdenciárias foram mantidas, devendo, inclusive, ser realocadas em outras unidades administrativas. Isso implica a necessária continuidade da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo.

8.1. Responsabilidade pela gestão da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo

A Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 1010, de 1º de junho de 2007, dispôs sobre a criação da São Paulo Previdência – SPPREV, na qualidade de gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos – RPPS e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo – RPPM, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

Por força dos arts. 36, 37 e40, a SPPREV, após sua efetiva instalação, tornar-se-á sucessora do IPESP, assumindo suas atribuições e acervo patrimonial:

Art. 36. As atribuições conferidas pela legislação em vigor ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP, à Caixa Beneficente da Polícia Militar – CBPM, às Secretarias de Estado e às entidades da Administração indireta do Estado, bem como ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e Universidades, relacionadas à administração e pagamento de benefícios previdenciários, serão assumidas pela SPPREV, conforme cronograma a ser definido por decreto.

 

Art. 37. Fica o Poder Executivo autorizado a:

I – transferir para a SPPREV o acervo patrimonial do IPESP e da CBPM, relativos às competências que lhe são atribuídas por esta lei complementar, de acordo com o cronograma referido no artigo 36 desta lei complementar;

II – transferir para a SPPREV o acervo patrimonial das Secretarias de Estado e das entidades da Administração indireta do Estado, relativos às competências que lhe são atribuídas por esta lei complementar, de acordo com o cronograma referido no artigo 36 desta lei complementar;

III – remanejar, transferir ou utilizar os saldos orçamentários do IPESP, da CBPM, das Secretarias de Estado e das entidades da Administração indireta do Estado, para atender as despesas previdenciárias e de instalação e estruturação da SPPREV.

Parágrafo único – Até que se conclua a instalação da SPPREV os órgãos, entidades e unidades dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, e do Ministério Público ficam incumbidos de assegurar o suporte necessário ao funcionamento da SPPREV.”

Nota-se que, segundo a Lei Complementar nº 1.010/2007, a função da SPPREV é exclusivamente previdenciária. Conseqüentemente, não há óbice à assunção da administração da Carteira que tem natureza previdenciária, com contribuição compulsória. Pelo contrário, essa Lei Complementar dispõe, expressamente, sobre a assunção, pela SPPREV, do patrimônio do IPESP, o que abrange ativos e passivos, em sua integralidade.

Tanto é assim que, no art.28, a Lei Complementar nº1.010/07 permite que o Poder Executivo e o IPESP repactuem as dívidas e os haveres existentes entre si e os demais órgãos integrantes do RPPS e RPPM, consolidando as demais obrigações em favor dos regimes próprios de previdência social.

Não bastasse isso, o próprio Estado de São Paulo responderá pelos débitos previdenciários do IPESP, já que a atividade desenvolvida por esse Instituto é atribuição do Poder Público, por determinação constitucional. Essa responsabilidade é verificada com maior nitidez no que diz respeito à administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, visto que seus inscritos são legalmente tidos como segurados obrigatórios e que, até o advento da Lei nº 8.935/94, não podiam optar por regime previdenciário diverso. É o que se depreende do disposto na Lei Estadual nº 10.393/70, na Lei Federal nº 8.935/94 e no art. 9º, I,o, do Dec
reto Federal nº 3.048/99. Este último Diploma regulamenta o regime geral de previdência social, dispondo:

“Art. 9º – São Segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:

I – como empregado:

(…)

o) o escrevente e o auxiliar contratados por titular de serviços notariais e de registro a partir de 21 de novembro de 1994, bem como aquele que optou pelo Regime Geral de Previdência Social, em conformidade com a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de1994.”

Isso significa que o escrevente e o auxiliar contratados por titular de serviços notariais e de registro não podem ficam sem um regime de previdência, já que se trata de direito constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores. Ademais, nota-se que o regime geral aplica-se tão-somente aos contratados a partir de 21 de novembro de 1994 e aos que tenham feito opção por essa sistemática, após a edição da Lei nº 8.935/94, de modo que os demais escreventes e auxiliares de serviços notariais e de registro permanecem sujeitos ao regime previdenciário próprio, previsto na Lei nº 10.393/70.

Sendo a inscrição na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado obrigatória, e tendo em vista que tanto o IPESP quanto a SPPREV são entidades que atuam em nome do Estado de São Paulo, no campo da previdência, os contribuintes inscritos na referida Carteira têm direito à manutenção de seus direitos previdenciários, independentemente do instituto que administre seus recursos. Nesse sentido, a Lei nº 10.393/70, em seu art. 43, IV, prevê a subvenção do Estado para compor as receitas da Carteira:

“Artigo 43 – A receita da Carteira é constituída:

I – de contribuição mensal do segurado, em atividade ou não;

Il – de contribuição a cargo dos titulares das serventias de Justiça;

III – da contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado a que se refere o artigo 49;

IV – de subvenção do Estado, não inferior à previsão orçamentária do exercício anterior, relativa à contribuição mencionada no inciso III;

V – de doações e legados recebidos;

VI – de rendimentos patrimoniais e financeiros da Carteira.” (grifei)

O art. 7º das Disposições Transitórias dessa Lei novamente remete à subvenção por parte do Estado, dispondo sobre o modo como esta deverá dar-se:

“Art. 7º. Para atender à despesa decorrente da subvenção de que trata o inciso IV do artigo 43, fica o Poder Executivo autorizado a abrir, na Secretaria da Fazenda, à Secretaria do Trabalho e Administração destinado ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado – um crédito especial, até o limite de Cr$ 12.000.000,00.

Parágrafo único. O valor do presente crédito será coberto com os recursos provenientes do produto de operações de crédito que a Secretaria da Fazenda fica autorizada a realizar, nos termos da legislação em vigor.”

 

A Lei Complementar nº 1.010/07, ao determinar a extinção do IPESP e sua sucessão pela SPPREV, novamente dispõe sobre a responsabilidade do Estado de São Paulo, determinando ser ele responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras dos regimes de previdência (art. 27).

Tem-se, portanto, indiscutível previsão de responsabilidade subsidiária do Estado. E, ainda que não houvesse determinação expressa dessa natureza, não poderia o Estado de São Paulo escusar-se de tal responsabilidade, decorrente do direito constitucional à previdência.

Como conseqüência jurídica disso, o IPESP, até sua extinção, e a SPPREV, como sua sucessora, respondem diretamente perante todos os beneficiários da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, e, na hipótese dessas entidades não poderem arcar com os pagamentos devidos, responderá o Estado, subsidiariamente ou por meio de subvenções. Dessa forma, ter-se-á assegurada a certeza e a segurança jurídica a que me referi no início deste Parecer.

Por fim, convém anotar que caso se pretenda atribuir a administração da Carteira a entidade diversa, é imprescindível a edição de lei. Eis uma decorrência do princípio da legalidade na Administração Pública, exigindo que os administradores ajam nos estritos termos da previsão legal. Inadmissível, por conseguinte, qualquer pretensão do Conselho no sentido de indicar uma instituição privada para gerir referida Carteira de Previdência.

É sempre bom lembrar que, qualquer que seja a entidade administradora (IPESP, SPPREV ou outra indicada em lei), a responsabilidade subsidiária do Estado permanece, pois a previdência é atribuição sua, posta em termos constitucionais.

 

9. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Uma peculiaridade que não pode ser desprezada é o fato da existência de cobrança de valor incidente sobre a receita bruta mensal, a título de administração. É o que faz a Secretaria da Fazenda, ao reter 3% da receita bruta mensal.

Com tal prática, o contribuinte inscrito na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo remunera a entidade para prestar-lhe serviços administrativos. Logo, como fornecedor de serviço, deverá respeitar o Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(…)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

Vale registrar, ainda, que a circunstância de tratar-se de pessoa jurídica de direito público não é suficiente para excluir-lhe a responsabilidade e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. É o que se depreende do art.22,in verbis:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento,são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único.Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” (destaquei)

Com efeito, as pessoas jurídicas de direito público podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedoras de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão de ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabilidade.

O art. 22, supra, faz remissão aos órgãos públicos e às empresas concessionários ou permissionárias de serviços públicos, ou seja, a todos os entes administrativos que prestarem serviços públicos. E, no parágrafo único, alude à reparação dos danos, consistente na restauração do estado anterior à lesão, responsabilizando as entidades públicasna forma prevista naquele Código.Quer dizer, tal responsabilizaçãoindepende de culpa conforme estatui expressamente o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Esse Estatuto acolheu, indiscutivelmente, ateoria do risco administrativo, conferindo ao Estado e suas entidades o dever de prestar o serviço público de forma apropriada, sob pena de responsabilização objetiva.

10. A relação jurídica como instrumento de ordenação das condutas

O objetivo primordial do direito é ordenar a vida social, disciplinando o comportamento dos seres humanos, nas suas relações de intersubjetividade. Tomado por base esse caráter eminentemente instrumental do ordenamento jurídico, é curioso notar que o único meio de que dispõe, para alcançar suas finalidades precípuas, é a relação jurídica, no contexto da qual emergem direitos e deveres correlatos, pois é desse modo que se opera a regulação das condutas.

É incontestável a importância que os fatos jurídicos assumem, no quadro sistemático do direito positivo, pois, sem eles, jamais apareceriam direitos e deveres, inexistindo possibilidade de regular a convivência dos homens, no seio das comunidades. Mas, sem desprezar esse papel fundamental, é pela virtude de seus efeitos que as ocorrências factuais adquirem tanta relevância. E tais efeitos estão prescritos no conseqüente da norma irradiando-se por via de relações jurídicas. Isso nos permite dizer, com inabalável convicção, que o prescritor normativo é o dado por excelência da realização do direito, porquanto é precisamente ali que está depositado o instrumento da sua razão existencial.

Relação jurídica, como tantas outras expressões usadas no discurso jurídico, prescritivo ou descritivo, experimenta mais de uma acepção. É relação jurídica o liame de parentesco, entre pai e filho, o laço processual que envolve autor, juiz e réu, e o vínculo que une credor e devedor, com vistas a determinada prestação. Iremos nos ocupar dessa derradeira espécie, que nas regras de comportamento atua decisivamente. Para a Teoria Geral do Direito,relação jurídica é definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação. Nela se há de notar a exclusão de qualquer referência a relações do contexto social que viriam a ser juridicizadas pelo direito, o que equivale a afirmar que emerge o vínculo, apenas e tão-somente por virtude da imputação normativa, indiferente à existência ou não de um laço de caráter sociológico, político, econômico, ético, religioso ou biológico, anterior à disciplina jurídica. O direito cria suas próprias realidades, não estando condicionado a atender, com foros de obrigatoriedade, à natureza das relações contidas no plano sobre o qual incide. As fórmulas e esquemas que o direito constrói independem do fenômeno real que organiza, contingência que explica disposições jurídicas que não só prescindem de vínculos subjacentes como até chegam a assumir feição indisfarçavelmente antagônica. A chamadamorte civil do direito pretérito é manifestação significativa e eloqüente dessa desvinculação. A ordem jurídica declarava a morte de determinada pessoa, que passava a ser coisa, perdendo aquela condição, tudo isso sem qualquer alteração do ser, enquanto vida animal. As ficções jurídicas, expedientes largamente utilizados pelo legislador, nos diversos setores da regulação social, consubstanciam outro modelo expressivo do desapego do direito, com referência à realidade que ordena.

Não é preciso que haja relação social subjacente para que o direito exercite sua atividade normativa, instituindo o vínculo abstrato que ensejará direitos e deveres. De modo semelhante, pode o legislador imaginar a instauração de liame jurídico, onde já exista outro tipo de relação, momento em que consignaremos mera coincidência, que pouco sugere e nada acrescenta, em termos de possibilidade legislativa.

Aspecto que merece considerado, no âmbito do conceito de relação jurídica, é a circunstância de ser um vínculo entre pessoas, reflexão que abriu margem a intermináveis disputas acadêmicas. Prevalece hoje, contudo, sobre o fundamento da essencial bilateralidade do direito, a tese da necessidade impostergável de, pelo menos, dois sujeitos para que se possa configurar o liame jurídico. É incisiva, nesse sentido, a lição de Francesco Carnelutti[12]:A noção mais ampla e singela de relação jurídica é a de uma relação constituída pelo direito, entre dois sujeitos, com referência a um objeto.

No quadro conceptual da relação jurídica, sobreleva observar, ainda, a presença de um objeto, centro de convergência do direito subjetivo e do correlato dever. Fator estrutural da entidade, qualquer modificação no objeto pode ocasionar mutações de fundo na própria composição do vínculo, suscitando as espécies em que se divide a categoria. A faculdade de exigir o objeto dá a substância do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo da relação, ao passo que a conduta de prestá-lo define o dever jurídico a cargo do sujeito pass
ivo.

10.1. Responsabilidade civil e responsabilidade objetiva do Estado

A responsabilidade civil consiste na disciplina jurídica que prescreve a um sujeito de direito o dever de compensar pessoa diversa, pelo dano que lhe causou, em virtude de ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência e até mesmo em virtude da prática de atos que, não obstante lícitos, desencadeiam a incidência de normas jurídicas atributivas de tal ônus. São três os seus pressupostos: (i) ação ou omissão, (ii) dano e (iii) nexo de causalidade entre esses dois primeiros elementos.

A ação ou omissão danosa, ensejadora da relação obrigacional que tem por objeto a prestação de ressarcimento, pode originar-se (i) da inexecução de contrato; ou (ii) da lesão a direito subjetivo, independentemente da preexistência de qualquer relação jurídica entre lesante e lesado. Seu acontecimento é passível de ser verificado tanto na presença como na ausência de vínculo jurídico entre a pessoa causadora do fato lesivo e quem sofra a redução patrimonial.

Esse acontecimento, fato gerador da responsabilidade civil, poderá ser contratual ou extracontratual, lícita ou ilícita. Pouco importa que o efeito danoso decorra de relação jurídicaex contracto, de vínculoex lege ou de ato ilícito extra-contratual: em quaisquer dessas hipóteses, impõe-se a reparação do prejuízo, sendo seu objetivo último o restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano.A idéia de reparação, portanto, é mais ampla do que a de ato ilícito, havendo o dever de ressarcimento de prejuízos também em hipóteses onde não se verifica ilicitude na ação do agente. Nesse sentido, leciona Maria Helena Diniz[13]:“Deveras, hipóteses há, como mais adiante veremos, em que o dano é reparável sem o fundamento da culpa, baseando-se no risco objetivamente considerado. Contudo, não se poderia, ainda, olvidar a existência de casos de responsabilidade por ato lícito, em que o dano nasce de um fato, permitido legalmente, praticado pelo responsável, obrigando-o a ressarcir o lesado do prejuízo que lhe causou (CC, art. 927, parágrafo único).”

Podemos dizer que a natureza da responsabilidade civil, na forma como está disciplinada em nossa legislação, écompensatória, por abranger indenização ou reparação de prejuízo causado, seja por ato ilícito, de origem contratual ou extracontratual, bem como por ato lícito.

O dever de reparação do dano encontra-se, em muitos casos, desvinculado da idéia de culpa. Assim, situações há em que o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei, independentemente dos aspectos subjetivos inerentes à ação lesiva. O próprio Código Civil relaciona algumas dessas hipóteses: indenização pela servidão de passagem forçada (CC, art. 1.285); pelo escoamento de águas para o prédio inferior (CC, art. 1.289, e Cód. de Águas, art. 92); pela passagem de cabos e tubulações (CC, art. 1.286); pela servidão forçada de aqueduto (CC, art. 1.293, e Cód. das Águas, arts.117 a 138); pela servidão eventual de trânsito (CC, art. 1.313); pelo alargamento necessário da servidão predial (CC, art. 1.385, § 3º) etc. Nessas hipóteses todas as ações são lícitas, mas o autor terá de indenizar as perdas patrimoniais que tais atos venham eventualmente a causar.

Essa é, também, a prescrição constante do art. 927 do Código Civil em vigor:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único.Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos caos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifei)

O dispositivo legal supra determina não só a obrigação de ressarcir dano causado por ato ilícito, mas também o dever de reparar prejuízo causado sem a interferência subjetiva da culpa, quando assim especificado na legislação civil brasileira.

Dentre as hipóteses de responsabilidade objetiva ressai aquela atribuída ao Poder Público, com expressa previsão no art. 37, § 6º, do Texto Constitucional:

“Art. 37. (…)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Com efeito, tendo o Estado a obrigação de assegurar os direitos inerentes à previdência, há de responder objetivamente pelos danos que eventualmente sejam causados aos segurados. Está obrigado, portanto, a responder pelos benefícios previdenciários de todos os inscritos na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, caso a entidade administradora não o faça ou não tenha condições financeiras de fazê-lo.

 

 

III. Das Respostas aos Quesitos

Com base nas considerações desenvolvidas até aqui, passo a responder às indagações formuladas na Consulta. Para tanto, permito-me reescrever os quesitos elaborados pelos Consulentes, enfrentando-os, objetivamente, um a um.

1.Considerando que a Lei Complementar nº 1.010/07 estipula a futura extinção do IPESP, a quem caberá a administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado?

Resposta:A Lei Complementar nº 1.010/07 é clara ao atribuir à SPPREV o caráter de sucessora do IPESP, quando da sua extinção. Es
sa entidade incorporará, integralmente, o patrimônio do IPESP, o que significa reconhecer a assunção de todas suas responsabilidades, inclusive da administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo. Além disso, referida Carteira tem natureza previdenciária compatível com as funções conferidas à SPPREV.

Assim, a SPPREV é diretamente responsável por todas as atividades inicialmente comandadas pelo IPESP, na condição de sucessora, devendo respeitar e amparar os direitos adquiridos durante o funcionamento do Instituto. Para tanto, deverá manter os benefícios que estejam ou que poderiam estar sendo desfrutados, além de bem gerir os recursos
remanescentes na Carteira, que servirão para ressarcir ou amparar os
contribuintes titulares de expectativas de direitos. O Estado, por seu
turno, responderá subsidiariamente na hipótese de faltarem recursos para
os pagamentos devidos.

2.Qual o instrumento legal para designação do novo administrador?

Resposta:Tendo em vista que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deve obedecer ao princípio da legalidade (art. 37 da Constituição), somente lei pode determinar novo administrador para a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo. E, como anotei na resposta ao quesito anterior, essa prescrição legal já foi posta no sistema, uma vez que a Lei Complementar nº 1.010/07 indica a SPPREV como entidade sucessora do IPESP. Qualquer alteração dependerá da edição de nova lei, respeitando-se, obviamente o axioma da hierarquia dos veículos introdutores de normas no ordenamento.

3.Pelos artigos 51 e 52 da Lei nº 10.393/70, o IPESP fica obrigado a alterar as fontes de receita quando verificada a insuficiência dos fundos de reserva da Carteira. Sua omissão obriga o Estadoà subvenção mencionada no inciso IV do artigo 43 da Lei nº 10.393/70?

Resposta:Sem dúvida. A Constituição da República, em diversos dispositivos, prescreve a necessidade de equilíbrio atuarial, a fim de manter a capacidade financeira das entidades administrativas dos sistemas previdenciários. Nessa esteira, a Lei nº 10.393/70 determinou, em seus arts. 51 e 52, que fossem reajustadas ou alteradas as fontes de receitas da Carteira quando verificada a insuficiência de fundos.

Por outro lado, o art. 43, IV, dessa mesma Lei assegura a participação do Estado na composição das receitas da Carteira, mediante subvenção. Com isso, fica evidenciada a responsabilidade do Estado, que há de responder sempre que o administrador da Carteira não tomar as providências necessárias para assegurar a concessão dos benefícios previdenciários.

4.A partir da Lei Federal nº 8.935/94, a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, por força dos artigos41, 48 e 51, teve suas inscrições encerradas, não aceitando mais nenhuma inscrição. Tendo em vista esses dispositivos legais, o Estado está obrigado a administrar a Carteira até o último segurado inscrito?

Resposta:Sim. Com a extinção do IPESP, é dever da SPPREV e do Estado de São Paulo zelar pela sustentabilidade da Carteira, respondendo diretamente aos beneficiários. Vale lembrar que o Estado é subsidiariamente responsável pelos pagamentos aos beneficiários da Carteira, eis que o IPESP e a SPPREV desempenham, ainda que de forma indireta, atuação do Estado no campo previdenciário.

Convém registrar, ainda, que a inscrição na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado foi imposta por lei, excluindo a possibilidade de adesão a qualquer outro sistema previdenciário. Por esses motivos, e tendo em vista que a previdência é direito constitucionalmente garantido, o Estado de São Paulo tem o dever legal e constitucional de tomar as medidas necessárias para manter a sustentabilidade e o provimento dos benefícios previdenciários, até o último segurado.

5.Ante a obrigatoriedade, excludente da inscrição em outro sistema, determinada pelo artigo 4º da Lei nº 10.393/70, o Estado fica obrigado a dar continuidade à administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado por meio da SPPREV ou, na pior das hipóteses, pela Secretaria da Fazenda do Estado, garantindo, assim, o direito de todos os inscritos até a edição da Lei nº 8.935/94?

Resposta:Certamente. Outra não pode ser a conclusão, em face dos princípios da certeza e da segurança jurídica, conjugados ao direito constitucionalmente assegurado à previdência.

Como visto, a Lei Complementar nº 1.010/2007 dispõe, expressamente, sobre a assunção, pela SPPREV, do patrimônio do IPESP, o que abrange ativos e passivos, em sua integralidade, inclusive a concessão e manutenção dos benefícios de todos os inscritos. Tanto é assim que, no art.28, a Lei Complementar nº1.010/07 permite que o Poder Executivo e o IPESP repactuem as dívidas e os haveres existentes entre si e os demais órgãos integrantes do RPPS e RPPM, consolidando as demais obrigações em favor dos regimes próprios de previdência social.

Não bastasse isso, o próprio Estado de São Paulo responde pelos débitos previdenciários do IPESP, já que a atividade desenvolvida por esse Instituto é atribuição do Poder Público, por determinação constitucional. Essa responsabilidade é verificada, com maior nitidez, no que diz respeito à administração da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, visto que seus inscritos são legalmente tidos como segurados obrigatórios e que, até o advento da Lei nº 8.935/94, não podiam optar por regime previdenciário diverso.

Sendo obrigatória a inscrição na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, e tendo em vista que tanto o IPESP quanto a SPPREV são entidades que atuam em nome do Estado de São Paulo, no campo da previdência, os contribuintes inscritos na referida Carteira têm direito à manutenção de seus direitos previdenciários, independentemente do instituto que administre seus recursos, podendo o Estado ou até mesmo a Secretaria da Fazenda ser responsabilizada por tal obrigação.

6.O Estado pode determinar que o Conselho indique uma instituição privada para administrar referida Carteira? Se a hipótese for verdadeira, a receita prevista no artigo 49, alterada pelo ar
tigo 19, inciso “c”, da Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2006, permanecerá? Ainda nessa hipótese, o Estado deve prestar contas aos inscritos na Carteira, mediante auditoria contratada pelo C. Conselho?

Resposta:Qualquer modificação no regime de previdência ou em sua administração somente poderá ser incluída por lei que cuide, especificamente, do assunto. Editada a lei própria, cabe ao Poder Executivo do Estado publicar decreto que regulamente a gestão do acervo, atento sempre aos limites de sua competência regulamentar, o que significa não restringir ou ampliar os termos da lei. E tais competências legislativas são indelegáveis.

De modo algum, portanto, pode o Estado determinar que o Conselho indique instituição privada para administrara a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo. Mas, caso isso seja feito, o que considero apenas para fins de resposta ao presente quesito, seria imprescindível conferir pleno acesso às informações relativas à gestão do plano de previdência, numa aplicação analógica do art. 202, § 1º, da Constituição, devendo o Estado prestar contas aos inscritos mediante auditoria contratada pelo Conselho.

Ainda, na hipótese dessa indevida delegação ser eventualmente concretizada, as receitas previstas no art. 49 da Lei nº 10.393/70, alterada pelo art. 19, I,c, e II,d, da Lei nº 11.331/06 não poderão ser mantidas, pois o regime previdenciário deverá contar apenas com as contribuições dos trabalhadores, fundadas em sua remuneração. Por conseguinte, apenas a contribuição prevista no art. 48 da Lei nº 10.393/70 continuará exigível.

7.A SPPREV está obrigada a recepcionar a administração da Carteira, já que é sucessora de todo o ativo do IPESP?

Resposta:Com certeza. Na qualidade de sucessora do IPESP, a SPPREV incorporará todo seu patrimônio, incluindo a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo. Assumirá, portanto, a responsabilidade pela sua administração.

8. Todos os inscritos na Carteira de Previdência das Serventias de Justiça não Oficializadas do Estado, até a edição da Lei Federal nº 8.935, de 18 de dezembro de 1994, eram considerados “servidores públicos em sentido amplo”. Pode o Estado extinguir ou liquidar a Carteira, absorvendo os aposentados, pensionistas e aqueles que possuem os requisitos necessários para sua aposentadoria até a data de tal decisão?

Resposta:Como até o advento da Lei nº 8.935/94 os notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado eram consideradosservidores públicos em sentido amplo, estavam obrigados ao recolhimento da contribuição previdenciária em regime próprio. No Estado de São Paulo, sujeitavam-se ao disposto na Lei Estadual nº 10.393/70, contribuindo na forma ali prevista, como segurados obrigatórios, e, portanto, fazendo jus aos benefícios correspondentes.

Por tudo o que se expôs, não há dúvidas de que o Estado tem obrigação de assegurar os direitos inerentes à previdência, respondendo objetivamente pelos danos que eventualmente sejam causados aos segurados. Está obrigado, portanto, a responder pelos benefícios previdenciários de todos os inscritos na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, caso a entidade administradora não o faça ou não tenha condições financeiras de fazê-lo. E, visto que os sujeitos inscritos na Carteira assumiram essa condição por serem considerados servidores públicos em sentido amplo, não há óbice à absorção, pelo Estado e seu regime de previdência, dos aposentados, pensionistas e demais contribuintes que possuam os requisitos necessários para sua aposentadoria.

9.A cobrança de 3% sobre a receita bruta mensal, a título de administração, pode remeter a discussão ao Código de Defesa do Consumidor?

Resposta:Perfeitamente. O Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco administrativo, conferindo ao Estado e suas entidades o dever de prestar o serviço público de forma apropriada, sob pena de responsabilização objetiva. Desse modo, os órgãos públicos ou qualquer entidade prestadora de serviços públicos estão sujeitos à responsabilidade na forma prevista nesse Estatuto (art. 22), não dependendo, portanto, da existência de culpa (art. 14).

Posto isso, e tendo em vista que a Secretaria da Fazenda retém 3% da receita bruta mensal a título de remuneração por sua atividade administrativa, tem-se caracterizada prestação de serviço aos contribuintesinscritos na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, com plena aplicabilidade das disposições que protegem o consumidor.

10. O exame da Lei Estadual nº 10.393/70, juntamente com a Lei Federal nº 8.935/94, e conjugadas com o artigo 9º, I, “o”, do Decreto Federal nº 3.048, de 6 de maio de 1999, é determinante para que a SPPREV assuma a Carteira na condição de sucessora do IPESP?

Resposta:Penso ter demonstrado com clareza que, extinto o IPESP, a SPPREV assumirá a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, na qualidade de sua sucessora. Essa conclusão ganha ainda mais força quando observamos o disposto no art. 9º, I,o, do Decreto Federal nº 3.048/99, que regulamenta o regime geral de previdência.

Examinado esse preceito no contexto da Constituição, e consideradas as disposições da Lei Estadual nº 10.393/70 e Lei Federal nº 8.935/94, observa-se que o escrevente e o auxiliar contratados por titular de serviços notariais e de registro não podem ficam sem um regime de previdência, já que se trata de direito constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores. Ademais, nota-se que o regime geral aplica-se tão-somente aos contratados a partir de 21 de novembro de 1994 e aos que tenham feito opção por essa sistemática, após a edição da Lei nº 8.935/94. Em decorrência, os demais escreventes e auxiliares de serviços notariais e de registro permanecem sujeitos ao regime previdenciário próprio, previsto na Lei nº 10.393/70, devendo a responsabilidade pela concessão dos respectivos benefícios serem assumidos pela SPPREV, nos termos do art. 36 da Lei Complementar nº 1.010/07.

É meu Parecer.

São Paulo, 08 de julho de 2008.

 

Paulo de Barros Carvalho
OAB/SP nº 122.874

 


[1]Hipótese de incidência tributária, 7ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 139-148.

[2] Redação determinada pelas Emendas Constitucionais nºs 20/98 e 42/2003.

[3] União é a entidade competente para instituir contribuições para a seguridade social. Ao exercer a competência que lhe foi atribuída, porém, pode delegar a capacidade tributária ativa a outro ente público, como fazia com o INSS, implementando a figura da “parafiscalidade”.

[4] Também nesse caso é comum haver parafiscalidade, com transferência da capacidade tributária ativa a outra pessoa de direito público.

[5]Hipótese de incidência tributária,cit., p. 156.

[6]Contribuições – Regime jurídico, Destinação e Controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 122.

[7]Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 258.

[8] Wagner Balera,A Seguridade Social na Constituição de 1988,São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 22.

[9]Sistema de registro de imóveis, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 594.

[10]Direito Administrativo, 15ª ed., São Paulo: Atlas, p. 430.

[11] Redação dada pelo art. 2º da Lei nº 5.651 de 30/04/87.

[12]Teoría general del derecho, trad.F. X. Osset, Madrid, p. 184.

[13]Curso de direito civil brasileiro, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 7, p. 5.